• Nenhum resultado encontrado

2.2 TRABALHO DOCENTE EM DEBATE

2.2.2 Profissionalização, desprofissionalização e proletarização do trabalho docente

Com o intuito de aprofundar a discussão acerca da influência do Estado em torno da profissão docente, destacamos a discussão sobre a profissionalização docente, desprofissionalização e proletarização relativas a essa profissão.

Segundo Oliveira (2010), os estudos sobre a profissão docente são procedentes, fundamentalmente, de duas vertentes: a humanista, que pode atribuir um peso maior à formação como elemento central da profissionalização; e a “perspectiva sociológica, em que a identidade profissional é compreendida na relação com suas atividades laborais, com a inserção desses sujeitos na divisão social do trabalho” (p. 21).

Na perspectiva sociológica, e é apenas nesta que traçamos a discussão, a autora destaca duas abordagens: uma orientada pelo referencial da sociologia das profissões e outra que situa seus referenciais nas relações de trabalho, com predomínio nas discussões marxistas. Traremos a contribuição destas abordagens, enfatizando a discussão sobre a profissionalização e “proletarização, desvalorização e a desqualificação do trabalho docente” (OLIVEIRA, 2010, p. 21), bem como a autonomia sobre o trabalho e o controle profissional. De acordo com a autora estas discussões podem ter sido elaboradas com base em ambas as abordagens, por isso não pretendemos eleger uma como a mais importante.

A profissionalização, segundo Nóvoa (1991), não é um processo que se produz de modo interior

[...] a história da profissão docente é indissociável do lugar que seus membros ocupam nas relações de produção e do papel que eles jogam na manutenção da ordem social. Os docentes não vão somente

responder a uma necessidade social de educação, mas também cria-la (p. 123).

O processo de profissionalização foi iniciado pelo Estado e incide sobre outros grupos profissionais além dos docentes, na tentativa de influenciar seu comportamento por meio da proclamação de um código de ética. De acordo com Diniz (2001), a profissão docente, especialmente na Europa continental, tem o Estado como indutor de uma profissionalização verticalizada, por meio de políticas públicas que incidem sobre esse grupo profissional. A profissionalização tem seu desenvolvimento dentro da burocracia pública, com a regulamentação feita pelo Estado.

O controle por parte do Estado favoreceu o alargamento jurídico para o desenvolvimento do projeto profissional, enquanto às universidades coube “um papel não menos relevante ao contribuírem para a manutenção da cientificidade do conhecimento profissional, para o controlo do acesso à profissão e para a produção de futuros profissionais” (GONÇALVES, 2006, p. 18). A formação, aquisição de um conhecimento científico e técnico, é um dos mecanismos de profissionalização essenciais.

Ao trazer a discussão sobre a proletarização do trabalho docente, Oliveira (2010) destaca alguns aspectos que a caracterizam:

A ameaça à proletarização, caracterizada pela perda do controle do trabalhador da educação, em particular do professor, sobre o seu processo de trabalho, contrapunha-se à profissionalização como condição de preservação e garantia de um estatuto profissional que levasse em conta a autorregulação, a competência específica, rendimentos, licença para atuação, vantagens e benefícios próprios, independência etc. (p. 21).

Nessa abordagem a discussão sobre a autonomia e o controle sobre o trabalho são demarcados como pontos essenciais.

Apesar de ser um funcionário regulado pelo Estado, o professor, de acordo com os estudos de Diniz (2001), pode ter autonomia, pois, segundo a autora, apoiando-se em Freidson (1986), mesmo estando vinculado, empregado pela burocracia, autonomia e burocracia não são incompatíveis. Ainda para a autora, a autonomia é a “liberdade de discrição e julgamento no desempenho de seu trabalho com base nos conhecimentos técnicos, que não estão disponíveis para os que não possuem o mesmo nível de escolaridade e qualificação” (Idem, p. 28). Sendo assim, os profissionais empregados em burocracias (no caso da nossa discussão, os docentes) são tecnicamente autônomos,

pois possuem liberdade (mesmo que parcial) para agir de acordo com seu próprio julgamento de desempenho do trabalho profissional e na supervisão do trabalho de seus assistentes, pois, de acordo com Freidson (1998), os profissionais possuem o controle sobre seu conteúdo de trabalho.

Enguita (1991) trata o termo profissionalização não “[...] como sinônimo de qualificação, conhecimento, capacidade, formação e outros traços associados, mas como expressão de uma posição social de produção e de processo de trabalho” (p. 41). Já o termo de proletarização é tratado pelo autor como oposto ao de profissionalização. O autor aponta que existe um debate sobre os diferentes grupos que se constituem com características de ambos (profissionais e proletários), os chamados semiprofissionais, entre os quais se encontram os docentes. Semiprofissões são “geralmente constituídas por grupos assalariados, amiúde parte de burocracias públicas, cujo nível de formação é similar ao dos profissionais liberais” (ENGUITA, 1991, p. 43). Ou seja, possuem um conhecimento científico, de nível superior. Nóvoa (1993, p. 23), citado em Oliveira (2010, p. 23), assinala que;

A profissionalização é um processo através do qual os trabalhadores melhoram o seu estatuto, elevam os seus rendimentos e aumentam o seu poder/autonomia. Ao invés, a proletarização provoca uma degradação do estatuto, dos rendimentos e do poder/autonomia; é útil sublinhar quatro elementos deste último processo: a separação entre a concepção e a execução, a estandardização das tarefas, a redução dos custos necessários à aquisição da força de trabalho e a intensificação das exigências em relação à actividade laboral.

Profissionalização vem se constituir contra o processo de normatização estabelecido pelo Estado, o qual tem contribuído para a desprofissionalização (proletarização) do trabalho docente, e contra a fragmentação que separa o profissional da concepção e o deixa apenas como executor de tarefas.

Cabrera e Jaén (1991), buscando a contribuição de Poulantzas, apontam que o Estado deve ser considerado;

[...] como um lugar privilegiado da relação “orgânica” entre o trabalho intelectual e a dominação política, que se materializa em cada uma das instituições que o compõem, assim como nos agentes que nelas trabalham: estes agentes participam, ainda que involuntariamente, na exclusão do saber (e na legislação do poder) que afeta os grupos sociais subordinados (p. 200).

Os professores na posição de trabalhadores intelectuais do Estado são superiores aos trabalhadores manuais, entretanto, estão também sujeitos à divisão social

do trabalho. Ou seja, o trabalho intelectual por eles desenvolvido pode ter divisão, porém isso não implica a perda de controle sobre o seu trabalho.

Ainda segundo Cabrera & Jaén (1991), a autonomia e a participação do professorado em seu trabalho não estão extintas, pois são exigências que resultam da configuração do trabalho docente, tendo em vista que este é um trabalho a ser realizado com pessoas em sala de aula e o docente trabalha sozinho, podendo exercer sua autoridade, que está relacionada com sua “superioridade intelectual”, sobre os alunos.

Estas relações têm tido modificações ao longo do tempo. A profissão docente teve perda de status, viu seu cotidiano alterado, tem ganhado novas atribuições que tendem a levá-la a uma desvalorização. Entretanto, não acreditamos que a autonomia profissional dos docentes se tenha esvaziado, tal como foi aqui discutido. No entanto, as atuais políticas de regulação e de responsabilização educacionais implantadas pelos governos de tendência gerencial, como é o caso do de Pernambuco, tendem a reduzir o

quantum de autonomia pedagógica do professor. Isso acontece na medida em que os

próprios currículos são delimitados pelos conteúdos das avaliações externas e o cotidiano escolar é moldado por metas a serem atendidas, conforme debateremos mais à frente com a ajuda de nossos sujeitos.