• Nenhum resultado encontrado

No âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - UNESCO/PNUD foi criado, no ano de 1988, o Programa de Conservação de Bens Culturais no Brasil resultado da ação do Ministério da Cultura e a da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Fundação Pró-Memória. Esse Programa apresentava dois subprogramas dedicados exclusivamente à preservação dos bens

culturais móveis e imóveis.88 O programa apresentado pelo governo brasileiro previa a

aplicação de recursos da ordem de US$ 150 mil em um período de três anos (1988/1989/1990) na execução de dois subprogramas básicos: “Conservação de Bens Móveis” e “Conservação de Bens Imóveis”. Os objetivos gerais a serem atingidos em ambos os níveis eram: promover a documentação e a avaliação dos Programas e das diretrizes nacionais de proteção do patrimônio cultural; contribuir para o conhecimento e integração dos recursos existentes nesse domínio; apoiar a formação de profissionais e auxiliar na consolidação e desenvolvimento das instituições de conservação.

No caso específico da conservação de bens móveis as atividades previstas pelo PNUD incluíam o apoio aos núcleos de conservação já existentes no Brasil, como por exemplo, os do CECOR/UFMG, da Escola de Belas Artes da UFRJ, da Escola de Arquitetura da UFBA89, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, da

FUNARTE, da FCRB e da Pró-Memória (MENDES, 1989), e a promoção da integração com os Centros de Conservação da América Latina. Além dos núcleos, o apoio do Programa era dirigido também aos programas de formação em funcionamento no País, buscando a identificação dos recursos e carências do campo, particularmente em termos de formação. Chamamos a atenção para o fato de que, na documentação do Curso de Conservação da Escola de Belas Artes da UFRJ havia inúmeras parcerias entre os professores do curso e as instituições listadas acima como, por exemplo, entre a Fundação Pró-Memória e entidades internacionais de fomento como a UNESCO.

Cabe ainda, no que tange à presente tese, analisar as ações da coordenação do Programa e também do comitê gestor criado no âmbito do subprograma “Bens Móveis”, principalmente pela relação direta entre parte dos membros convidados a comporem o citado comitê e suas atuações enquanto docentes do Curso de Especialização em Conservação de Bens Culturais da UFRJ. Na reunião de coordenação do Programa, realizada em 23/3/198990, foi deliberada a criação de um comitê de consultores a ser

composto por coordenadores de centros de formação e pesquisa na área de Conservação e Restauro, por representantes de instituições ou programas nacionais de preservação especialmente convidados e pelos coordenadores do programa PNUD/BRA.

88 Acervo Marylka Mendes. Circular 01/89 do coordenador subprograma Bens Móveis aos membros do

comitê de Consultores. Maio de 1989.

89 É importante ressaltar que naquele momento já tramitava na UFRJ a documentação referente à criação do

Curso de Especialização em Conservação de Bens Culturais Móveis. Paralelamente a Universidade continuava a oferecer disciplinas isoladas de conservação e de restauração em algumas de suas graduações.

90 Referência: Fundação Nacional Prómemória. UNESCO/PNUD/BRA/88 “conservação de Bens Culturais no

Assim, caberia aos integrantes do Comitê colaborar na orientação e desenvolvimento do Programa, particularmente no que se refere à:

Redação de pareceres sobre tópicos apresentados pela Coordenação do Programa; análise dos documentos a serem reunidos na pesquisa sobre recursos brasileiros em conservação e restauro; colaboração na realização de um Seminário Nacional sobre o tema; contribuição na redação de um documento e diagnóstico de diretrizes para o setor;

indicação de prioridades para aplicação dos recursos ao Programa.91

Importante ressaltar, que por decisão da coordenação do Programa, toda comunicação entre seus membros seria realizada basicamente por correspondência, estando prevista uma única reunião conjunta durante a realização do Seminário Nacional que avaliaria os resultados do Programa.

Foram convidados a integrar o comitê consultor92, os seguintes nomes: Maria de

Lourdes Parreiras Horta, Coordenadora Geral de Acervos Museológicos da FNPM; Beatriz Ramos de Vasconcellos Coelho, Diretora do Centro de Conservação e Restauração, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais; Maria Luisa Ramos de Oliveira Soares, Coordenadora do Laboratório de Restauração da Casa de Rui Barbosa; Sérgio Burgi, Coordenador do Centro de Conservação de Materiais Fotográficos do Instituto Nacional de Fotografia e presidente da Associação Brasileira de Conservadores e Restauradores dos Bens Culturais – ABRACOR; Marylka Mendes, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Conservação da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ; Mario Mendonça, Coordenador do Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia; Augusto Froehlich, responsável pelo Laboratório de Conservação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal de São Paulo e coordenador adjunto do Programa de Apoio à Conservação de Acervos Arqueológicos e Etnográficos (USP/FNPM). Integrava ainda o Comitê, Ecila Ford, assessora de Cooperação Técnica Internacional da FNPM e coordenadora executiva do Programa PNUD/BRA/88 e o professor Carlos Régis Leme Gonçalves93, que além de

91 Referência: Fundação Nacional Prómemória. UNESCO/PNUD/BRA/88 “conservação de Bens Culturais no

Brasil- subprograma Bens Móveis”. 23/3/1989.

92Fonte: Circular 01/89 da Fundação Pró-memória, enviada aos membros do comitê de Consultores pelo

coordenador do Subprograma, Carlos Régis Leme Gonçalves, informando sobre atividades em curso.

93 Entre os nomes componentes do comitê gestor, alguns pertenceram ao corpo docente do curso de

especialização em conservação de bens culturais da UFRJ. No próximo capítulo trataremos com mais detalhes da sua atuação acadêmica.

Coordenador do Subprograma de Bens Móveis, era Presidente da Sociedade de Estudos em Conservação e Restauro (FNPM, 1989).

Importante destacar que no mesmo documento, a Circular 01/89, da Fundação Pró- Memória, o coordenador do Subprograma, Carlos Régis Leme Gonçalves, citado anteriormente, informa ao Comitê de Consultores que o plano de aplicação de recursos havia disponibilizado U$$ 10 mil para compra de equipamentos, entre eles os de informática, e aquisição de livros para as bibliotecas dos principais Institutos de Conservação do país. Seriam contempladas as seguintes bibliotecas: do CECOR/UFMG; da Faculdade de Arquitetura da UFBA; da Escola de Belas Artes da UFRJ e do MAE/USP. Neste sentido, a Fundação Pró-Memória participaria com o aparato técnico e burocrático e os organismos internacionais com o financiamento. Esta Comissão foi denominada “Comissão Nacional de Ensino e Pesquisa em Conservação de Bens Culturais – CNEPC”.

Além do financiamento, o Programa incentivava a realização de convênios com especialistas estrangeiros como Gaël Guichen94, Anton Ranjer e Agnés Ballestran, entre

outros. Aliás, alguns especialistas estrangeiros tiveram importante atuação na formação de conservadores no Brasil como, por exemplo, no Curso de Especialização em Conservação e Restauração de Bens Culturais95 que funcionou na UFMG, em Belo

Horizonte, a partir 1978. Esse curso foi financiado pelo Programa de Cidades Históricas- PHC, da Secretaria de Planejamento da Presidência da República e ministrado inicialmente por muitos restauradores do IPHAN, como João José Rescala96 e Jair

Afonso Inacio. Com apoio da UNESCO e do Proyecto Regional del Patrimonio Cultural y Dessarrollo do PNUD/UNESCO, dirigido pelo senhor Sylvio Mutal, o Curso da UFMG pode contar, também, com especialistas estrangeiros, como Martha Plazas de Fontana (colombiana), Josep Maria Xarrié i Rovira (catalão), Guillermo Joyco (chileno), entre outros (COELHO, 1996).

Com relação aos professores estrangeiros trazidos pelo Programa, ressalta-se a atuação de Gaël de Guichen que, desde a década de 1970, como colaborador do ICCROM, esteve diversas vezes no Brasil. Em 1977, esteve em São Paulo em colaboração com o Comitê Brasileiro do ICOM e da Associação de Membros do ICOM- AMICOM. Essa associação, inclusive, publicou em 1977 o livro Introdução ao Ensino da Museologia (ALMEIDA; NOVAES, 1977) tendo um de seus capítulos dedicado à

94 Francês, com formação em química. Atuou como assistente técnico do ICCROM, ocupando o cargo de

responsável pelo Programa de Formação de Pessoal Técnico. Se especializou em Clima (umidade e temperatura) nos museus, tendo publicado inúmeros trabalhos a respeito.

95 Esse curso originou, posteriormente, o Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais- CECOR . 96 Disponível em: enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9624/rescala. Acesso em: 03/09/2017.

Manutenção e Conservação das Coleções cuja bibliografia traz como referência a obra de Gaël de Guichen Humidity and temperature in museums, publicada originalmente em 1976. Além disso, o pesquisador é uma referência nas disciplinas relacionadas à Preservação-Conservação, da Escola de Museologia da UNIRIO desde a década de 1980, principalmente no que tange à Conservação Preventiva.

Segundo SÁ (2012), a Prof.ª Violeta Cheniaux97 participou ativamente deste

processo tendo, inclusive, “atuado como intérprete, do curso preservação de acervos museológicos: clima e iluminação, ministrado por Gaël de Guichen, promovido pela Fundação nacional Pró-Memória e pelo ICCROM” (SÁ, 2012, p.26).

No ano de 1979, atendendo ao convite da Prof.ª Waldisa Russio do Curso de Pós- Graduação em Museologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, com apoio da Secretaria da Industria, Comércio, Ciência e Tecnologia, Gaël ministrou um seminário especial sobre iluminação e climatização em museus. Ele realizou ainda várias visitas técnicas e uma palestra no Museu da Indústria, Comércio e Tecnologia de São Paulo que, posteriormente, após a tradução de Waldissa Russio, tornou-se a publicação intitulada Museus Adequados a Abrigar Coleções? (GUICHEN, 1980). Ao longo dos anos Gaël de Guichen retorna ao Brasil em diversos momentos para participar de seminários e cursos de formação. Na figura (03), tempos uma imagem de Gaël, no ano de 1979.

Figura 3 - Gaël de Guichen em São Paulo em 1979. Fonte: (GUICHEN, 1980).

97 Museóloga especializada em Conservação de Bens Culturais. Mestre em Administração de Centros

Culturais - CCH/UNI-RIO, 1991, com a dissertação A formação do museólogo no controle da luz e da umidade para a preservação de acervos: um estudo a partir de museus da Fundação de Artes do Rio de Janeiro. Professora da Escola de Museologia (1981-1996), do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - CCH - UNIRIO. Ministrou as disciplinas Museografia e Preservação de Bens Culturais. Implantou o ensino regular da Conservação Preventiva no Curso de Museologia. Em 1987, criou no CCH o primeiro laboratório de Conservação Preventiva do Brasil, o NUPRECON - Núcleo de Preservação e Conservação de Bens Culturais, coordenando-o até 1996. Em 1997 este Núcleo passou a denominar-se NUPRECON Violeta Cheniaüx (SÁ; SIQUEIRA, 2007 p.238).

Além do estímulo a vinda de especialistas, o Programa de Bens Móveis tinha entre as ações previstas a realização de um levantamento de dados sobre os acervos e equipamentos disponíveis nas instituições das quais os consultores faziam parte, incluindo o acervo bibliográfico e lista de periódicos. A ideia era elaborar uma lista conjunta com as necessidades de novas aquisições. Além disso, caberia a FNPM e à Sociedade de Estudos em Conservação e Restauro a criação de um banco de dados informatizado sobre profissionais e centros de conservação, reunindo os arquivos já existentes. Uma das metas mais ambiciosas era o estímulo às iniciativas que levassem à constituição de um Sistema Nacional de Conservação.

O objetivo era criar uma rede nacional que pudesse ser integrada a rede internacional Conservation Information Network98- CIN. A redação do documento, no que

tange ao levantamento da infraestrutura existente e das necessidades de equipamentos de informática, ficou sobre a responsabilidade de Sergio Burgi e Carlos Regis. Ainda, no ano de 1989, estava prevista a realização de um seminário sobre as temáticas tratadas pelo Comitê e, para tanto, seriam destinados pela UNESCO recursos para vinda de dois especialistas estrangeiros, a serem indicados pelo Comitê.

Entre as atribuições do comitê estava o levantamento das necessidades de pesquisa no campo da Conservação. Neste sentido, a Comissão Nacional de Ensino e Pesquisa em Conservação de Bens Culturais - CNEPC, reunida no Rio de Janeiro, de 28 a 30 de maio de 1990, após discutir detalhadamente diretrizes políticas para as atividades de ensino e pesquisa, chegou às seguintes conclusões:

As Universidades, por sua vocação oferecem as condições ideais para o desenvolvimento da pesquisa no campo da Conservação e favorecem a associação desta com as atividades de docência;

A Circulação da informação sobre conservação no Brasil é insatisfatória. Há falta de publicações especializadas e de um sistema de divulgação dos trabalhos já concluídos ou em curso. Essa sistematização deve ser interligada com os bancos de dados internacionais;

Há necessidade da constituição de um conselho de alto nível composto por conservadores-restauradores que formule sugestões sobre as linhas prioritárias de pesquisa e orientar alocação de recursos;

A formação do Conservador/restaurador deve ser em nível de pós- graduação, por tratar-se de área interdisciplinar de arte e ciência aplicada;

O desconhecimento da experiência internacional de pesquisa tem levado a frequentes duplicações de trabalhos, com consequente desperdício de recursos;

98 Para maiores informações sobre a Rede consultar http://www.bcin.ca/English/bcin.html. Acesso em:

Há necessidade de se formar uma memória técnica da conservação no país, especificamente no que concerne à experiência dos órgãos de preservação;

Deve-se procurar despertar o interesse das universidades para execução de pesquisa nas áreas da conservação, inclusive na seleção de temas

para dissertação de mestrado.99

Nesta etapa, eram membros do CNEPC: Augusto Froehlih (coordenador técnico do Programa de Apoio à Conservação de Acervos Arqueológicos e Etnográficos MAE- USP/FNPM; Beatriz Vasconcelos - Diretora do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais - UFMG; Carlos Régis Leme Gonçalves - Coordenador Técnico do programa de Apoio à Conservação de Acervo Arqueológico e Etnográfico, MAE-USP/; Cristina Furlani - Coordenadora do Curso de Conservação e Restauração de Documentos Gráficos, Material de Arquivo e Bibliotecas, SENAI/ABER; Eugênio de Ávila Lins - Coordenador do Curso de Especialização em Conservação e Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos - UFBA; João Sócrates de Oliveira - Chefe do Departamento Técnico da Cinemateca Brasileira/ FNPM; Marco Elízio de Paiva- Coordenador do Curso de Especialização em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis - CECOR/UFMG; Maria Cristina Joly (chefe em exercício) do Laboratório de Conservação e Restauração da Fundação Casa de Rui Barbosa; Mário Mendonça de Oliveira- Coordenador do Núcleo de Tecnologia da Preservação e da restauração, UFBA/SPHAN/FNPM; Marylka Mendes - Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Conservação de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas Artes, EBA/UFRJ e Sérgio Burgi - Coordenador Técnico do Centro de Conservação e Restauração Fotográfica - Pró-Preserf, INFoto/FUNARTE.

Contudo, todas as ações foram paralisadas com a extinção da FNPM100 e,

consequentemente, do próprio Comitê. O que fica evidenciado na correspondência entre Carlos Regis Leme Gonçalves aos membros da Comissão, em 15/07/90, assim se refere à Extinção da Fundação pró-Memória:

O processo de extinção foi acelerado com a nomeação de um Inventariante e o início da revisão do quadro funcional. Nos dias subsequentes a Dra. Ecila Ford, Coordenadora Executiva do Programa, comunicou que a cooperação técnica fora extinta por força de portaria determinando que os convênios internacionais fossem geridos no futuro exclusivamente ao nível de Ministério ou Secretaria de Estado, cancelando, portanto, a competência da Fundação. Logo a seguir a Dra. Ecila foi devolvida à sua instituição de origem (FINEP) enquanto os coordenadores de Bens Móveis e Imóveis (Carlos Regis e Lia Motta)

99Fundação Pró-Mémoria. Rio de janeiro 30 de maio de 1990. Documento encaminhado pelos membros da

Comissão Nacional de Ensino e Pesquisa em Conservação de Bens Culturais - CNEPC .

retornaram aos seus departamentos. Um relatório geral da ACTI foi enviado à nova administração incluindo um balanço do Programa “conservação de Bens Culturais no Brasil”. Cópia da documentação pertinente foi entregue pela ex-coordenadora ao prof. Augusto da Silva Telles (que no Cargo de Presidente da Fundação designou os

coordenadores) comprometendo-se este a propugnar pelo

prosseguimento das atividades dentro do planejado.

Até a presente data não foi possível esclarecer qual agência

encaminhará novos projetos e supervisionará a aplicação de recursos.101

Para a presente tese a “história” as ações do Comitê terminam aqui. Apesar do teor aparentemente melancólico da correspondência acima, fica evidente que houve um grande empenho por parte de todos os envolvidos na tentativa de consolidação do campo da conservação no Brasil. Ressaltamos, contudo, que as consequências das ações do Comitê precisam ser ainda objeto de pesquisas futuras.

2.3 A criação da ABRACOR e a questão da identidade profissional: a busca pela