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Para fazer frente a esta ocasião, o Estado, pressionado pela sociedade civil, nos últimos tempos passa a rever determinadas políticas públicas já concretizadas, como é o caso do PNAE, em conformidade com outras políticas, como a Política Nacional de Alimentação e Nutrição, na finalidade de propor programas estruturantes que ultrapassem a barreira do desenvolvimento puramente econômico e abracem também questões de cunho social, ambiental e cultural, direcionando suas ações não apenas aos escolares, consumidores dos alimentos, mas ao desenvolvimento das comunidades envolvidas, sobretudo aquelas produtoras de alimentos (FROEHLICH, 2010).

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) surge em 1954, no âmbito do Ministério da Saúde, consiste em, portanto, o programa social mais antigo do país na área de segurança alimentar (SANTOS et al, 2007). À época, se chamava

Programa Nacional de Merenda Escola e tinha como objetivo principal a redução da deficiência nutricional de estudantes carentes no país através do acesso a uma melhor alimentação, de forma constante, garantindo, assim, melhor desempenho escolar e redução da evasão (SANTOS et al, 2007; BELIK e CHAIM, 2009). De uma ação mais focada, o Programa passa para o âmbito nacional e, em 1988, se reforça com a promulgação da nova Constituição Federal, que passa a garantir o direito à alimentação escolar3.

Outro avanço ocorreu em 1994 com a descentralização do Programa4, com o órgão federal responsável, agora vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, estabelecendo convênios com estados e municípios para o repasse de recursos financeiros (BELIK e CHAIM, 2009). Esse processo abriu a possibilidade de inserção da agricultura familiar local como fornecedora dos produtos da merenda, o que só se concretizou efetivamente em 20095, com a promulgação da Lei Federal n. 11.947, que determina, em seu artigo 14, que: “Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE6, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas” (BRASIL, 2009).

Atualmente, o PNAE “é considerado o maior programa de suplementação alimentar no Brasil, o que se revela em termos de número de beneficiários e municípios atendidos”, sendo que, em 1955 eram 137 municípios e 85 mil crianças atendidas, e, em 2005, praticamente todos os 5.565 municípios (IBGE, 2010) e 36,4 milhões de crianças e adolescentes são atendidos, correspondendo a 20% da população brasileira naquele ano (BELIK e CHAIM, 2009).

Neste aspecto, os programas alimentares como o PNAE passam a ser vistos como uma política capaz de provocar discussões, tanto em âmbito local como regional e nacional, unificando diferentes políticas voltadas alimentação escolar, citando mercados para os agricultores locais, na tentativa de, desta maneira, rever os costumes de consumo desta parte da população.

3 “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: VII - atendimento ao educando,

em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (BRASIL, 1988).

4

Lei Federal n. 8913/94.

5 Até 2005, Belik e Chaim (2009) verificam que o número de municípios que compram seus produtos diretamente da

agricultura familiar local é muito reduzido.

6 Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, órgão vinculado ao Ministério da Educação e Cultura e

O PNAE é apontado como o maior programa de alimentação em andamento no Brasil. Pode-se dizer que a inquietação do governo com a alimentação escolar inicia no Brasil por volta da década de 30, entusiasmada por um grupo de nutrólogos sociais, tendo como alvo de atuação o combate à desnutrição (RODRIGUES, 2004).

Com a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a alimentação escolar sobrevém a ser um direito constitucional. Atualmente, o PNAE têm como objetivos principais prover as necessidades nutricionais diárias dos alunos, colaborar para a redução da evasão escolar, beneficiar a formação de bons hábitos alimentares em crianças e jovens do país, dentro da política de segurança alimentar e nutricional (BRASIL, 2009).

No ano de 2010, segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (2009), para beneficiar cerca de 47 milhões de estudantes da educação básica e de jovens e adultos que recentemente fazem pelo menos uma refeição por dia o orçamento previsto para o PNAE é de R$ 3 bilhões. Com a Lei 11.947, em torno de 900 milhões de reais, ou seja, no mínimo 30% desse valor, devem ser investidos na compra direta de produtos da agricultura familiar, a qual busca estimular o desenvolvimento das comunidades.

Deste modo, se seguido os princípios da Segurança Alimentar e Nutricional, o PNAE pode vir a ser um estímulo ao desenvolvimento rural, uma vez que as políticas que orientam a SAN visam promover o crescimento da produção agroalimentar associadas a práticas que presumem: a valorização das culturas alimentares locais e regionais, a promoção de formas socialmente equitativas e ambientalmente sustentáveis de ocupação do espaço agrário, o enfrentamento da pobreza rural, e o estímulo ao desenvolvimento local e regional (FROEHLICH, 2010).

No ensaio de reverter esta situação, a SAN propõe a discussão de um modelo de produção e consumo de alimentos mais sustentáveis que aproxime as diversas esferas de governo escutando as reivindicações da sociedade civil, na tentativa de reaproximar as relações entre a cidade e campo, desconectados a partir dos novos modelos de desenvolvimento das últimas décadas (MALUF, 2007).

Para os agricultores familiares a venda das suas mercadorias pode conceber a abertura de um novo espaço de comercialização, no próprio município ou região, sem grandes despesas financeiras com transporte e com uma fonte pagante mais segura. Paralela a estas vantagens, existe também a probabilidade de o agricultor alcançar preços mais justos pelos seus produtos e garantia na assiduidade do fornecimento. Esta proximidade do agricultor com a administração, muitas vezes movimentada por laços de

confiança, é promovida em municípios menores, e onde a intercâmbio entre os agricultores/fornecedores e os responsáveis pelas compras dos produtos nas Prefeituras são mais estreitas.

No que baliza à administração pública, a prática de adquirir produtos da agricultura familiar local, acercar-se a ser uma oportunidade de empregar os recursos no próprio município, ampliando a circulação de riquezas e viabilizando a economia local. No caso da administração optar por obter gêneros alimentícios fabricados localmente, ela não opta somente pelo agricultor local ou pelos escolares, mas pode desencadear um efeito multiplicador que movimenta a economia de forma geral, favorecendo o comércio em geral. Para Froehlich (2010), para aqueles técnicos que se envolvem diretamente com a aquisição dos gêneros, o contato mais próximo com os fornecedores pode significar o aumento da probabilidade de negociação quanto ao tipo de produto a ser ofertado, qualidade, frequência de entrega, bem como à necessidade de uma eventual troca de produtos, motivando o capital social entre os abarcados.

O Estado acaba assumindo um papel essencial não apenas na orientação das políticas públicas relacionadas ao consumo de alimentos frescos e saudáveis, também na maneira de produção dos alimentos, no que se refere à regulação e instrução da produção via controle e normatização do uso de agroquímicos.

Mesmo que o PNAE institua em seu texto a preferência da aquisição de produtos com identidade cultural, em condição local poucas experiências podiam ser ressaltadas até a obrigatoriedade conferida pela Lei 11.947, no que se refere à obtenção de produtos da agricultura familiar local. Desta forma, o panorama anterior à nova legislação sugere que na maioria dos estados e municípios, grandes empresas de produtos alimentícios detinham o mercado da alimentação escolar, seguindo o padrão alimentar de lógica de produção em massa, diferenciado por cadeias longas de abastecimento e por compreensões de qualidade convencionais e padronizadas.

Esse modo de “fazer diferente” remete aos estudos de Long (2007), que assinala para o fato de que os atores sociais têm capacidade de criar dispositivos para intervir e modificar sobre alicerces como as leis e os mercados.

4 METODOLOGIA