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3. CONVENÇÕES AMBIENTAIS MULTILATERAIS E A OMC

3.2. Medidas restritivas ao comércio internacional

3.2.2. Proibições ao comércio

O comércio intensivo de alguns recursos naturais pode levá-los à exaustão. Le Prestre cita a apropriação pelos Estados dos recursos pesqueiros de sua zona econômica exclusiva. A pesca canadense, por exemplo, quase causou a extinção do bacalhau, no Atlântico, e do salmão no Pacífico. Isto se dá porque, quando os recursos crescem lentamente, pode ser mais lucrativo - numa visão a curto prazo - explorar o recurso intensivamente e reinvestir os lucros em outra atividade, que simplesmente investir em uma exploração sustentável165. Para proteger recursos naturais da superexploração, então, as CAMs recorrem a instrumentos regulatórios que vão desde o estabelecimento de quotas de captura, até a limitação e a proibição ao comércio.

A CITES funciona dentro desta lógica conservacionista. A Convenção elege espécies da fauna e da flora ameaçados de extinção, classificando-as em apêndices consoante o nível de ameaça. É o que se percebe do quadro abaixo:

Quadro 8 - Classificação de espécies protegidas pela CITES

Apêndice I Espécies ameaçadas de extinção, cujo comércio é, em princípio, proibido entre partes entre si, e entre essas e não-partes na Convenção. O comércio é permitido, porém, em circunstâncias muito excepcionais e com autorizações emitidas por quatro autoridades distintas, duas do país exportador e duas do país importador.

Apêndice II Não há ameaça presente de extinção, mas o comércio deve ser controlado para que se evite superexploração e, portanto, ameaça futura. O controle do comércio também se dá por meio de licenças ou permissões.

Apêndice III A espécie é protegida em pelo menos 01 Estado, que requer às outras partes da CITES auxílio no controle do comércio. O controle do comércio também se dá mediante licenças ou permissões, mas menos rigorosas que no caso do comércio de espécimes protegidas pelos dois outros apêndices..

É importante ressaltar que a Convenção veda, em alguns casos, o comércio de espécimes animais ou vegetais, estejam elas vivas ou mortas (Artigo I (b)(i)). Há casos de comércio ilegal de espécimes vivos, como pássaros silvestres ou de partes de animais, que são sacrificados por causa do valor econômico de um de seus componentes. São exemplos os chifres de rinocerontes ou presas de elefantes. Em ambos os casos, porém, a CITES enfrenta o problema dos efeitos perversos dos instrumentos de política adotados. No comércio de

164 Brack, op. cit, p. 13. 165 Le Prestre, op. cit, p. 52.

espécimes vivos, Le Prestre narra o exemplo da exportação ilegal de papagaios sulamericanos. Com a implementação de restrições ao comércio decorrentes de exigências da CITES, contrabandistas passaram a capturar um maior número de papagaios, escondendo-os em caixas menores e menos perceptíveis, o que terminou provocando mais mortes durante o transporte. Desta forma, a proibição fez cair a freqüência do comércio ilícito, mas aumentou o índice de mortandade dos pássaros ao incitar os contrabandistas a adotarem práticas ainda mais danosas ao meio ambiente166.

Assim, embora a CITES tenha acumulado sucessos na redução do comércio de animais ameaçados de extinção, o comércio descontrolado de muitas espécies ameaçadas, teoricamente protegidas pela contenção, continua a alimentar um mercado ilegal estimado em cerca de 5 bilhões de dólares anuais167.

(b) Bens proibidos internamente

Em diversas circunstâncias os Estados podem proibir ou restringir severamente a produção, o consumo e o comércio de bens no mercado interno e, não obstante, permitir que tais produtos sejam comercializados no mercado internacional. O Secretariado da ONU elaborou uma Lista de Produtos cujo consumo ou venda tenham sido banidos ou severamente restringidos168. O objetivo da Lista Consolidada, como ficou conhecido o documento, foi o de assegurar que todos os Estados tivessem informações sobre esses produtos de maneira que eles pudessem tomar medidas regulatórias internas apropriadas, de acordo com avaliações próprias de custos e benefícios. Trata-se de um documento compilado pelo Secretariado da ONU, em cooperação com outras organizações internacionais, baseado em informações fornecidas pelos governos169.

A idéia da confecção de uma Lista Consolidada surgiu no início dos anos 80, em discussões da Assembléia Geral do Conselho Econômico e Social sobre os danos à saúde e ao meio ambiente, causados pela produção continuada e exportação de produtos banidos ou severamente restringidos nos países exportadores. Uma resolução da Assembléia Geral de 1982 ( Resolução n. 37/137) determinou que o Secretário Geral preparasse e regularmente atualizasse uma lista consolidada de produtos domesticamente proibidos, nos casos de farmacêuticos não aprovados pelos governos, além de outros produtos agrícolas e

166 Le Prestre, op. cit., p. 48. 167 French e Mastny, op. cit., p. 187. 168 WT/CTE/W/194.

industriais170.

O fato de os bens proibidos internamente poderem ser exportados geram uma série de problemas para o Estado importador: informações vagas sobre se o produto está ou não banido e quais produtos estão banidos; declarações falsas por parte dos exportadores; autoridades aduaneiras (particularmente em países em desenvolvimento) sem instalações adequadas para procedimentos de teste dos produtos; legislações de proteção ao consumidor que sejam subdesenvolvidas ou ineficientes, podem, por exemplo, permitir que produtos sejam vendidos além de seu prazo de validade exigido nacionalmente171.

A Convenção da Basiléia, por exemplo, define como resíduos perigosos para fins do tratado, não só aqueles listados em seus anexos (Artigo 1(a)), como também dejetos que sejam considerados proibidos ou perigosos pela legislação interna dos países exportadores, importadores e, ainda, dos países pelos quais o dejeto deva passar (Artigo 1(b)). Destarte, para os fins da Convenção da Basiléia, o comércio de bens proibidos domesticamente pode ser considerado tráfico ilegal (Artigo 2(21)).

A Convenção de Roterdã (PIC) prevê, por sua vez, uma disciplina para produtos químicos proibidos (parágrafo (b)) ou severamente controlados (parágrafo (c)) no mercado interno, além de pesticidas considerados extremamente perigosos (parágrafo (d)). De acordo com uma lista de produtos constante no Anexo III da Convenção, os Estados que pretendam exportar bens domesticamente proibidos deverão informar previamente ao Estado importador e obter, da autoridade competente deste, a informação de consentimento prévio (Artigo 12 (1) e (2)). A parte que, por sua vez, não concordar em consentir na importação do produto, ou consentir em condições específicas deve, simultaneamente proibir ou impor as mesmas restrições à importação do produto químico de qualquer outro país e à produção ou o uso domésticos (Artigo 10 (9) (a) e (b)) 172.

(c) Características não-inerentes ao produto

A Convenção da Basiléia determina, em seu Artigo 4(9) que os Estados devem tomar as medidas necessárias para assegurar que o movimento transfronteiriço de dejetos perigosos e outros dejetos somente seja permitido se o Estado exportador não tiver a capacidade técnica, 169 WT/CTE/W/161.

170 WT/CTE/W/161. 171 Brack, op. cit., p. 7.

172 Uma publicação oficial da OMC reconhece este, como sendo um dos temas mais debatidos no Comitê sobre

as instalações necessárias ou locais que sirvam para a disposição final dos dejetos em uma maneira ambientalmente correta e eficiente. Um Estado pode recusar a importação dos dejetos de um outro Estado que não preencha os requisitos previstas no parágrafo 9, mas permitir a importação de um terceiro, segundo os requisitos do mesmo artigo. Esta importação, que se dá, por exemplo, quando o Estado precise de uma matéria-prima contida no dejeto perigoso (e.g., o chumbo contido em baterias usadas de automóveis), pode ser considerada discriminatória segundo as regras da OMC, porque feita não com base em características inerentes ao produto comerciado, mas em características do Estado envolvido no comércio173.

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