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CAPÍTULO II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.5. Projecto Plano da Matemática

2.5.1. Projectos de escola

A escola não pode ficar alheia às mudanças aceleradas que vão ocorrendo a nível social, económico, político, organizacional e tecnológico, sendo que a mudança a nível educacional ―requer uma intervenção simultânea e articulada ao nível do desenvolvimento profissional dos professores, dos processos de gestão curricular e do desenvolvimento da cultura e organização escolares e dos processos de liderança‖ (Nunes & Ponte, 2008, p. 11).

Perante estas exigências, que visam proporcionar um processo de ensino e aprendizagem com qualidade, um grande desafio se coloca às escolas e professores: o desenvolvimento da capacidade de se organizarem e enfrentarem os problemas que vão emergindo. Encarar este desafio passa necessariamente pelo ―desenvolvimento de projectos integrados no interior da escola e pela promoção da capacidade dos professores trabalharem colaborativamente‖ (Nunes & Ponte, 2008, p. 14). Segundo os mesmos autores, os projectos são considerados uma estratégia essencial na promoção da qualidade do processo de ensino aprendizagem, ao mesmo tempo que promovem dinâmicas colaborativas entre professores. Nesse sentido, a escola deve mobilizar os conhecimentos dos professores, proporcionando a partilha de saberes e

competências para assim elaborarem um planeamento que vai ao encontro daquilo que a escola mais precisa.

Relativamente ao conceito de projecto, se recorrermos à etimologia da palavra projecto verifica-se que esta procede do latim projicere, que significa lançar para diante. Neste sentido, Boutinet (1996) considera que se trata de uma conduta de antecipação dos acontecimentos: ―trata-se de explorar o futuro para domesticá-lo‖ (p. 17). Boutinet defende que

o projecto não pode dirigir-se para o longo prazo, demasiado conjectural; não pode ainda limitar-se ao curto prazo, demasiado imediato. O seu carácter parcialmente determinado faz com que nunca esteja totalmente realizado, estando sempre a ser retomado, procurando indefinidamente polarizar a acção em direcção àquilo que ela não é. (1996, pp. 90-91)

Contudo, para Boutinet (1996), qualquer projecto ao identificar um futuro desejado e os meios para o fazer suceder (advir) ―fixa um certo horizonte temporal, no interior do qual evolui‖ (p. 91). Em suma, Boutinet define projecto ―como uma antecipação operatória, individual ou colectiva, de um futuro desejado‖ (1996, p. 91).

Porém, a variedade de significados que a palavra projecto assume actualmente não se conforma com a simples definição etimológica referida.

Colocando o enfoque no contexto educacional, partindo de uma análise das últimas décadas do século XX, Pacheco e Morgado (2002) defendem que o conceito de projecto se refere a ―um conjunto de intencionalidades resultantes de visões, crenças, perspectivas, juízos de valor e opções sobre os princípios orientadores do próprio fenómeno educativo‖ (Pacheco & Morgado, 2002, p. 12), cujo objectivo é dar sentido e antecipar a acção.

Para Capucha (2008) trabalhar numa lógica de projecto consiste

em operar com base na mobilização de conhecimento para identificar as acções necessárias à projecção estruturada e organizada de uma mudança face a uma situação diagnosticada que se pretende alterar dentro de um prazo definido e mobilizando um conjunto determinado de recursos. (p. 7)

Perante a situação actual e aquela que se pretende obter, há que conceber como ocorrerá essa mudança, há que planear, isto é, projectar uma mudança, pensar sobre o modo como se opera a mudança (Capucha, 2008). Capucha (2008) chama a atenção para o facto de o desenvolvimento de um projecto não se coadunar à lógica da rotina, da repetição de procedimentos, nem ―à lógica casuística das decisões avulso ao sabor dos impulsos e dos acontecimentos‖ (p. 13). Antes pelo contrário, tudo tem de fazer sentido e de ser rigoroso.

Normalmente um projecto nasce ou por iniciativa própria ou como resposta específica a programas e políticas lançadas ou assumidas pelo Ministério da Educação com o intuito de enfrentar problemas como, por exemplo, o insucesso e o abandono escolar ou a inadequação das práticas de ensino (Nunes & Ponte, 2008). Do rol de projectos possíveis de desenvolver no seio das escolas, Capucha (2008) apresenta o Plano de Acção para a Matemática.

No seu desenvolvimento, o projecto é conduzido por um líder ou um pequeno grupo, normalmente denominado por coordenador ou grupo de coordenação. Para Boutinet (1996), o coordenador do projecto é ―um indivíduo cuja tarefa consiste em integrar os esforços internos e externos do organismo em projecto, para chegar ao desenvolvimento e à finalização de uma realização particular‖ (p. 235). Integrar significa, neste caso, fazer uma gestão permanente dos pontos de encontro das pessoas envolvidas, significa ―tornar compatíveis actores individuais, até aqui estranhos uns aos outros, gerar interfaces é, na sua totalidade, preocupar-se por arbitrar, planificar, controlar, prever e comunicar‖ (Boutinet, 1996, p. 236).

Para que um projecto seja partilhado pelos intervenientes é importante que o líder tenha uma atitude consensual, sendo o primeiro a procurar a adesão a valores comuns, e nunca ser dominante nem conflitual (Nunes & Ponte, 2008). O sucesso de qualquer projecto depende, em larga medida, da capacidade de negociação dos vários actores, antecipando ou resolvendo potenciais conflitos (Boutinet, 1996). Essa negociação necessita a priori de duas condições fundamentais, ―constitutivas de qualquer projecto: a existência de um mínimo de interesses comuns ou complementares entre os respectivos actores; a existência de uma motivação sólida da parte de um e de outro, a fim de chegar a acordo‖ (Boutinet, 1996, p. 285, baseado em Dupont, 1986).

Nunes e Ponte (2008) apresentam diferentes fases de desenvolvimento de um projecto a que atribuem grande importância e significado. Na primeira fase, concepção do projecto, formula-se um problema e definem-se objectivos a atingir. Nesta fase é importante identificar aspectos que se consideram indispensáveis para a realização do projecto (por exemplo, mancha horária comum, espaços de trabalho, colaboração externa de um ou mais especialistas), bem como aferir quem são os interessados e a redacção do projecto.

A planificação do trabalho é a segunda fase, sendo aí que se define o que se vai fazer, quem faz o quê e quando e, finalmente, como se faz a avaliação do trabalho realizado. É também o momento em que se procura identificar de forma mais detalhada as necessidades materiais (tecnologias, salas e outros recursos) e profissionais (formação e bibliografia da

especialidade). Nesta fase, segundo Nunes e Ponte (2008), é ainda a ocasião para se definir quais as tarefas a realizar, como distribuí-las pelos participantes, para se fazer uma calendarização das várias acções e tarefas (quando se iniciam e se concluem) e de se proceder à construção dos instrumentos de avaliação do projecto.

A terceira fase de desenvolvimento de um projecto é a de intervenção ou desenvolvimento. Nesta fase desenvolve-se o projecto de acordo com a agenda definida e, concomitantemente, de forma a se fazer a regulação do processo a equipa produz momentos de reflexão e discussão. Esta análise sistemática permite não só a construção de novos materiais e/ou a adaptação dos materiais já existentes, mas também uma aprendizagem permanente com os sucessos e as dificuldades.

A quarta fase, de acordo com Nunes e Ponte (2008), é a de finalização e avaliação dos produtos do projecto. Esta finalização e avaliação pode constar de um relatório escrito final para o qual pode proceder-se a uma recolha e análise de dados, tendo por base os resultados alcançados ao nível do desempenho dos alunos ou ao nível do funcionamento da escola. Pode também passar por uma reflexão escrita dos membros do projecto sobre os resultados do projecto e a sua importância para o seu desenvolvimento profissional.

Finalmente, a quinta fase é a de divulgação e disseminação de resultados (Nunes & Ponte, 2008). É uma fase importantíssima, pois pretende-se que a comunidade educativa tenha conhecimento da realização do projecto e dos seus resultados. Caso contrário, o projecto ficaria circunscrito ao espaço físico onde decorreu. Segundo estes autores, é esta divulgação do projecto, quer em momentos informais, quer em encontros e revistas profissionais e de investigação, que possibilita a apropriação destas experiências profissionais pela comunidade educativa e que permite que estas constituam um factor de melhoria da qualidade da educação.

Perrenoud (2003a) defende que um projecto obriga a cooperar na medida em que leva a desenvolver as competências de saber escutar, formular proposições, negociar compromissos, tomar e manter decisões, oferecer e pedir ajuda, partilhar preocupações e saberes, saber distribuir as tarefas e coordená-las, saber avaliar em comum a organização e a evolução do trabalho e gerir em conjunto as tensões e os problemas que vão emergindo.

Na mesma linha, Dias (2008) associa colaboração ao desenvolvimento de projectos escolares, isto é, a ―colaboração entre professores pode concretizar-se através do desenvolvimento de projectos escolares, na planificação de intervenções para ultrapassar problemas específicos‖ (p. 235).

A construção de um projecto a realizar por um grupo colaborativo pode partir da visão particular de uma só pessoa, que paulatinamente vai encontrando ecos e ressonâncias, conquistando parceiros e definindo objectivos (Nunes & Ponte, 2008). Segundo os mesmos autores, o modo como aquele que teve a ideia, assumindo o papel de líder, aborda aqueles que poderão integrar a sua equipa e negoceia o projecto é determinante para o sucesso do trabalho futuro. Num trabalho de projecto dificuldades e imprevistos são comuns e muitas vezes inevitáveis, pelo que a grande questão é perceber como os enfrentar e ultrapassar. Neste sentido a criação de um primeiro nível de colaboração facilita o desenvolvimento de novos projectos mais ambiciosos no futuro.

O desenvolvimento de um projecto exige, de algum modo, uma dinâmica colaborativa inerente à equipa respectiva. Contudo, essa dinâmica colaborativa não implica igualdade de papéis e estatutos dentro do grupo (Boavida & Ponte, 2002). Naturalmente, há diferentes estilos, interesses, capacidades, ritmos de trabalho, que, quando bem geridos, constituem uma mais- valia e uma riqueza para o grupo. Uma boa condução do projecto facilita o desenvolvimento de uma relação bastante próxima entre os participantes, o que potencia a partilha dos sucessos e das contrariedades, a aprendizagem com o contributo dos outros e o reforço da sua motivação. Esta partilha possibilita e promove a reflexão crítica e um maior empenho dos intervenientes no seu aperfeiçoamento constante. Para Boavida e Ponte (2002), este tipo de trabalho fortalece os participantes, pois permite criar um clima de acompanhamento e apoio do grupo que é potenciador de uma maior disponibilidade e disposição para que cada um possa fazer experiências e correr riscos.

Por outro lado, a colaboração que se desenvolve num projecto é um processo aberto, dinâmico, difícil de planificar do princípio ao fim e, ao mesmo tempo, influenciável pela criatividade dos participantes, pelo desenrolar dos acontecimentos e pela natureza do próprio processo, o que lhe imprime um certo carácter de imprevisibilidade (Boavida & Ponte, 2002).

Esta imprevisibilidade pode constituir-se como fonte de criatividade, mas também como dificuldade acrescida. Outras dificuldades há para além daquelas que são comuns à maioria dos projectos, que estão presentes de forma sistemática nas dinâmicas de colaboração em projectos educacionais. A título de exemplo, pode-se elencar três dessas dificuldades: a reduzida proximidade entre os membros do grupo, que pode constituir-se como factor inibidor de partilha de dúvidas e anseios; a ausência de uma definição atempada de regras e de responsabilidades de cada elemento, que potencia alguma indefinição quanto às funções e à criação de alguma

ambiguidade nas relações interpessoais que é geradora de conflitos; e a incompatibilidade de horários entre os professores, que cria condições inibidoras do trabalho em conjunto devido à falta de tempo em comum para o fazerem (Nunes & Ponte, 2008).

Estas dificuldades aconselham cada equipa a não se limitar somente à preparação das acções que há ainda para fazer, ao invés, convidam à reflexão, tendo em conta todo o percurso e o contexto envolvente, sobre as acções já realizadas e sobre os seus efeitos. Para Nunes e Ponte (2008) esta prática reflexiva permite a antecipação das dificuldades emergentes e contribui para um conhecimento mais aprofundado sobre eventuais problemas associados ao projecto.

Assim, e apesar das dificuldades, a realização de projectos educativos de natureza colaborativa é uma oportunidade de enriquecimento e de desenvolvimento profissional dos professores neles envolvidos. Mais importante para Nunes e Ponte (2008) é a possibilidade de se gerarem dinâmicas que mobilizem o conhecimento adquirido pelos professores e que os apoiem na acção, de modo a que o desenvolvimento de projectos seja de facto ―uma estratégia fundamental de transformação da realidade escolar e dos próprios actores educativos‖ (Nunes & Ponte, 2008, p. 33). Estes projectos de carácter colaborativo tendem, por vezes, a responder a problemas transversais da escola, assumindo um carácter interdisciplinar e mobilizando docentes de várias disciplinas, bem como outros actores educativos. Contudo, para Nunes e Ponte (2008) ―os problemas específicos do ensino e da aprendizagem da Matemática, que são profundos e persistentes, requerem, naturalmente, a realização de projectos específicos por parte dos professores desta disciplina‖ (p.34).

Para tal é necessária a construção em cada escola de uma cultura profissional que valorize e realce o papel dos projectos. Para Nunes e Ponte (2008) esta cultura está já presente em algumas escolas, onde existem projectos com uma dinâmica de trabalho muito regular. Todavia, nestes casos emerge um novo desafio: o desafio da sustentabilidade desta dinâmica. Segundo Nunes e Ponte (2008)

os novos projectos dependerão sempre da vontade e dos interesses dos membros do grupo, mas também da dinâmica de liderança, em particular no que respeita à capacidade de gerar novas energias, criar momentos de reflexão verdadeiramente questionadores e encontrar novos focos de investigação potenciadores de uma nova agenda comum. Dependerão, também, da capacidade da própria liderança para correr alguns riscos, assumindo posições que entram em confronto com as práticas e os hábitos de alguns actores educativos. (p. 34)

No que concerne à Matemática, Nunes e Ponte (2008) revelam que em Portugal há muito que se desenvolvem nas escolas projectos inovadores. Porém, trata-se de projectos que maioritariamente ocorrem num espaço fechado, com pouca interacção e com um impacto pouco significativo, mas que acabam por fazer a divulgação das suas perspectivas e resultados em espaços profissionais exteriores à escola. Para estes autores, estes projectos dão um contributo pouco relevante para mudar a cultura da escola e sustentam a separação entre dois tipos de cultura profissional: a da escola e a de outros espaços profissionais (Nunes & Ponte, 2008).

A solução é para Nunes e Ponte (2008) ―aproximar estes dois tipos de cultura profissional, promovendo a realização de projectos inovadores dentro da escola e em interacção com as suas estruturas e actores educativos‖ (p. 35). Neste sentido, estes autores defendem a necessidade de uma liderança forte, capaz de promover e desenvolver projectos inovadores e, concomitantemente, de imprimir uma mudança organizacional das escolas que preconize um novo modelo de funcionamento, nomeadamente ao nível dos grupos disciplinares.