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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 Estudos de letramento 1 Letramento

2.2.2 Projeto de Letramento

Neste capítulo, dedicar-nos-emos a expor a importância de um ensino de língua materna voltado para um processo de constante reflexão, especialmente por parte do professor, aberto às reais necessidades de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita no contexto escolar. Referimo-nos a uma abordagem de ensino que possa atender às demandas sociais de linguagem que ocorrem na sala de aula. Defendemos que isso pode ser alcançado através do projeto de letramento.

A responsabilidade do professor de português não se limita ao ensino das convenções de escrita apenas em seu registro formal, como única alternativa de aprendizagem no ensino de língua materna, mas antes à instrumentalização de seu alunado quanto aos recursos linguísticos de que pode dispor para lidar com as exigências de uma sociedade letrada que tem a linguagem escrita como centro das relações sociais.

O projeto de letramento corrobora essa instrumentalização na medida em que trabalha em função das reais necessidades de aprendizagem demandadas no decorrer do seu desenvolvimento e, para a devida realização suscitada pela situação-problema que o originou. Essa preocupação viabiliza aos aprendentes uma prática de escrita que os fará experimentarem-se protagonistas, escritores de si mesmos.

Isso só se torna possível quando compreendemos o aluno, não como um recipiente no qual deva ser depositado o ensino, mas sim como um sujeito de conhecimento, e esse conhecimento ou base cultural, interpretado por Oliveira, Tinoco e Santos (2014, p.45), é “um capital não-escolar, [...] apreendido informalmente, em múltiplas experiências e em espaços sociais e postos à disposição de todos”. Assim, embora este aluno não tenha os saberes acadêmicos do professor, ele traz consigo seu próprio conhecimento de mundo.

É diante desse quadro relativo ao estilo de ensino voltado para o aluno , sujeito de conhecimento, que se apresentam os projetos de letramento, entendidos não como um modelo ou uma receita, mas como um dispositivo didático (OLIVEIRA, 2016), conceitualmente definido por Kleiman (2000, p.238) como sendo

[...]uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita (a aprendizagem dos aspectos formais apenas), transformando objetivos circulares como “escrever para aprender a escrever” e “ler para aprender

a ler” em ler e escrever para compreender e aprender aquilo que for relevante para o desenvolvimento e realização do projeto.

Trabalhar sob a perspectiva de projeto de letramento demanda a articulação de uma série de relações que vão surgindo não, exatamente, no momento em que o projeto começa a ser idealizado ou planejado a priori pelos professores, mas na interação com os alunos, tendo em vista os seus interesses e necessidades. A FIG. 1, a seguir, elaborada por Oliveira (2010, p.341), permite-nos visualizar a rede de componentes que integram os projetos de letramento.

FIGURA 4 – Projetos de letramento

Fonte: OLIVEIRA, 2010, p. 341

É preciso ficar bem claro que os projetos de letramento, diferentemente dos projetos didáticos12, partem de um problema situado, a partir do qual serão demandadas todas as orientações de uso de linguagem - uma linguagem direcionada em função da prática social. Como afirma Oliveira (2010, p. 340), “nessa situação de ensino- aprendizagem, a sala de aula funciona como uma ‘comunidade de aprendizagem’ em que todos ensinam e todos aprendem, conciliando interesses, conhecimentos e sentimentos.”

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É bastante recorrente o trabalho com projetos didáticos, os quais surgem de um tema sugerido pela coordenação pedagógica ou determinado pela direção da escola, quase sempre em referência a alguma data comemorativa. Embora o termo possa se relacionar com os projetos de letramento, este apresenta uma caracterização bastante diferente. Não parte de temas estabelecidos a priori, mas de problemáticas situadas na prática social.

Saliente-se que um trabalho com linguagem em uma perspectiva funcional só poderá alcançar seu propósito se considerar sua(s) forma(s) interativa(s) de uso, compreendendo que as pessoas organizam seu discurso - ainda que não tenham consciência disso – através de gêneros textuais. São os gêneros que funcionam como “eixos organizadores das atividades com a linguagem” (OLIVEIRA, 2010, p.340) no projeto de letramento.

Existem aspectos no projeto que não são passíveis de serem vislumbrados tão imediatamente, dadas as demandas situadas no próprio ambiente de aprendizagem em que se dá o tema-problema, origem do projeto. Tais demandas só se tornam possíveis quando conseguimos entender que o desenvolvimento efetivo das atividades escriturais, numa perspectiva de letramento, vão além de meros exercícios de fixação do código.

Elas precisam estar, significativamente, relacionadas ao que se pretende realizar/agir junto com os alunos. É assim que os projetos de letramento nos conduzem a tomar certas atitudes e a fazer certas escolhas diferentes de outras em que apenas se faz “para” e não “com” o aluno.

Dessa forma, nós, professores e alunos, nos tornamos “agentes de letramento”, desmistificando a responsabilidade única e detentora do gestor do saber (o professor), uma vez que “todos os seres envolvidos em uma prática de letramento – independente de seus papeis sociais e do poder que possuem – são agentes de letramento[...]”. (SANTOS, 2011).

Para tanto, basta estar envolvido na mobilização de saberes em que reside a possibilidade de ação a partir de gêneros textuais/discursivos, o que transcende qualquer expectativa de solidão no processo de ensino-aprendizagem. A agência vem para envolver todos numa aprendizagem colaborativa, outro termo que demanda apropriação, pois consiste numa aprendizagem de “contínuo processo de construção do conhecimento” (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2014, p. 51), um conhecimento que se faz alvo de todos os envolvidos nesse processo. Numa aprendizagem que se estabelece colaborativamente, alunos e professor se tornam verdadeiros aliados em uma mesma causa, cúmplices numa relação, por vezes, tão desgastada pela forma naturalizada de entender que existe quem precisa aprender e quem tem que ensinar. Essa visão unilateral de ensino-aprendizagem pode dar lugar, sim, a uma outra forma de

entendimento da relação professor-aluno(s) mais produtiva – aquela em que professor e aluno funcionam como um time.

A ação colaborativa entre professor e aluno se dá por meio de uma proposta de trabalho em que o docente é um

[...] mediador de instrumentos, assumindo, assim, o papel de agente de letramento. Por outro lado, ao aluno cabe tirar proveito do que lhe é oferecido e construir sua própria aprendizagem (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2014, p. 56).

Nesse perspectiva, alunos e professores se tornam colaboradores e, por isso, agentes de letramento, não excluindo a participação de outras pessoas não vinculadas à sala de aula ou à escola.

Nos projetos de letramento, o ensino da escrita não tem como objetivo primeiro avaliar a produção do aluno, atribuindo-lhe uma mera nota, mas centra-se em situações comunicativas nas quais o aluno está envolvido e através das quais ele escreve para agir sobre o mundo, extrapolando os muros da escola. O que costumamos chamar, naturalmente, de “produção textual” voltada para o verificar o desempenho linguístico de nosso alunado na escrita, tão somente de forma quantitativa, é substituído por “práticas de escrita” com um caráter funcional. Significa traçar um movimento que vai do ensino da forma para a aprendizagem da função, conforme esclarece Kleiman (2006).

Vale-nos destacar ainda que as práticas de leitura e escrita demandadas nos projetos de letramento não se repetem da mesma forma por se realizarem em momentos únicos, com objetivos, modos de realização, interlocutores e situações comunicativas também únicos.

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