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CAPÍTULO 3. POR RITMOS NUNCA DANTES NAVEGADOS

3.2. O projeto de intervenção educativa

3.2.1. Contextualização curricular da temática

Com o intuito de enquadrar a temática sobre a qual se debruçou o nosso estudo e justificar o recurso à abordagem didática da SDLC, procedemos à consulta e análise das OCEPE e das Metas de Aprendizagem definidas no ano de 2010 para este nível educativo.

Como já referimos no capítulo 1, ponto 1.3, as OCEPE (ME, 1997a) apresentam- se como um documento importante no auxílio que dão ao educador na sua tomada de decisão, bem como na adaptabilidade das suas escolhas, uma vez que indicam objetivos pedagógicos e áreas de conteúdo para este nível educativo que o educador deverá conhecer. Olhemos para cada um destes aspetos, à luz dos objetivos e das áreas temáticas do nosso estudo.

No que se refere aos objetivos, as OCEPE recuperam o que está preconizado na

Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, salientando a importância de promover o

desenvolvimento pessoal e social da criança, para a ajudar a inserir-se plenamente na sociedade e respeitar a pluralidade de culturas. Neste sentido, espera-se que a educação pré-escolar fomente atitudes e valores de respeito para com o Outro, desperte a curiosidade e pensamento crítico das crianças e as prepare para confrontar a realidade, ajudando-as a serem cidadãs ativas, conscientes e responsáveis.

Relativamente às áreas de conteúdo, a temática central abordada no nosso estudo, a CF, insere-se na área de Expressão e Comunicação, que dá maior enfoque ao domínio da linguagem oral e abordagem à escrita. A exploração do carácter lúdico da linguagem,

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também salientada nas OCEPE, através do trabalho com rimas, lengalengas, trava-línguas e adivinhas, pode ter como suporte outras línguas que favoreçam o desenvolvimento de capacidades de comparação inter e intralinguística, bem como de capacidades de reflexão sobre o funcionamento da linguagem. Por este motivo, consideramos que a SDLC pode ser uma forma muito útil para as educadores promoverem o desenvolvimento de capacidades que são fundamentais para uma aprendizagem posterior da leitura e da escrita.

Fundamentando-se nas OCEPE, as Metas de aprendizagem apresentam domínios que procuram destacar conteúdos que não são tão trabalhados nas OCEPE. Tendo consultado os diferentes domínios, verificámos que se dá uma atenção particular ao desenvolvimento da CF, sendo destacadas como metas finais para a educação pré-escolar a produção de rimas e aliterações, a segmentação silábica e a identificação de palavras que começam ou acabam com a mesma sílaba. No âmbito do domínio “reconhecimento e escrita de palavras”, destaca-se como meta final a identificação do início e fim de uma palavra. Por último, referimos ainda a área da expressão musical, nomeadamente a apropriação da linguagem elementar da música, que destaca como meta final para a educação pré-escolar o reconhecimento auditivo de sons vocais e corporais, sons do meio ambiente próximo (isolados e simultâneos), sons da natureza e sons instrumentais (ME, 2010). Todos estes são aspetos que trabalhamos no nosso projeto de intervenção.

Pelo exposto, consideramos justificado, por um lado, o trabalho com a CF na educação pré-escolar, por outro lado, o recurso à abordagem SDLC neste nível educativo, uma vez que tem em conta a legislação e se apresenta como uma possibilidade pedagógico-didática para educar para a diversidade, promovendo atitudes e desenvolvendo conhecimentos e capacidades capazes de preparar as crianças para (con)viver em sociedades multilingues e multiculturais.

3.2.2. Contexto educativo

O projeto de intervenção educativo foi implementado entre o mês de outubro e dezembro de 2014 num estabelecimento de educação pré-escolar da cidade de Aveiro, mais concretamente numa Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) fundada em 1980. As sessões decorreram num edifício recentemente recuperado, com salas de boas dimensões e espaços exteriores amplos e agradáveis. Na instituição as crianças tinham acesso a oportunidades educativas diversificadas e ricas tais como, inglês,

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mandarim, karaté e natação, que visavam potenciar o desenvolvimento das aprendizagens e o seu bem-estar.

O grupo de crianças participantes no nosso estudo era composto por vinte e duas crianças, doze meninos e dez meninas, tendo doze crianças de 3 anos, dez crianças de 4 anos de idade e uma criança de 2 anos, que completava os 3 anos apenas no mês de dezembro. Muitas destas crianças frequentavam pela primeira vez o contexto pré-escolar, o que nos colocou perante um grupo que apresentava ainda muitos receios em permanecer numa sala sem o pai/a mãe, em confiar nos adultos e nos colegas, bem como dificuldades em cumprir regras. Tivemos necessidade de considerar todas estas características das crianças na conceção e implementação do nosso projeto, para que o seu bem-estar não ficasse comprometido e pudéssemos proporcionar experiências ricas de aprendizagem.

Após a leitura e análise dos documentos disponibilizados sobre a instituição, nomeadamente o Projeto Educativo e o Plano Anual de Atividades, tivemos acesso a informações importantes para compreendermos a adequabilidade do nosso projeto de intervenção educativa a este grupo. Tendo consultado as fichas individuais das crianças, tivemos acesso a informações referentes aos seus interesses, às suas nacionalidades e à dos seus pais. Neste grupo de vinte e duas crianças, duas apresentavam nacionalidade diferentes da portuguesa, sendo uma criança de nacionalidade brasileira e uma outra indiana. Tínhamos ainda outras duas crianças com pais de nacionalidades diferentes, sendo um pai russo e um pai francês. Todas estas crianças compreendiam e falavam português, contudo, podemos destacar a criança indiana que apresentava alguma resistência em falar com o adulto em português, apesar de falar com os colegas nesta língua quando sentia necessidade de se fazer entender.

O multiculturalismo presente na sala e no grupo de crianças ajudou-nos a perceber que o recurso a abordagens plurais, como a SDLC, faria sentido e era urgente nesta comunidade. De facto, as interações entre as crianças conduzem-nas a analisar o Outro, atentando sobretudo naquilo que ele/ela transporta de diferente e enigmático. Por vezes, essas interações podem conduzir a atitudes discriminatórias e de recusa, outras vezes, podem ser encaradas como possibilidades de enriquecimento, de partilha de ideias, de troca de costumes e de expansão de conhecimentos e valores. O nosso projeto de intervenção procurou desenvolver e melhorar o respeito pelo próximo, pois o facto de existirem diferentes culturas num mesmo espaço não deve ser motivo de confronto e de resistência, mas sim um ambiente rico onde a criança possa questionar e ver respondidas as suas perguntas. Crianças esclarecidas sentem-se curiosas em saber mais sobre os

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hábitos, as línguas e as celebrações de outras culturas, aprendendo a valorizar e a respeitar a diversidade.

Para além do contacto com diferentes línguas e culturas no espaço da sala, um outro aspeto do contexto educativo que justifica a pertinência do nosso projeto de intervenção é a idade das crianças. Afinal é neste período da sua vida que a criança “aprende regras e normas sociais, significados culturais da sociedade em que se integra e desenvolve o seu autoconceito” (Tavares et al., 2007, p. 55). Assim, pretendemos ajudar as crianças a crescerem como cidadãs responsáveis, conscientes e participativas. No que diz respeito a aspetos linguísticos, também é uma fase privilegiada na qual a criança tem muita curiosidade pelos sons e pela manipulação silábica, aspetos que trabalhados precocemente melhoram as suas futuras aprendizagens.