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Como forma de melhor descrever as ações de prevenção da transmissão vertical no município de Sorocaba, SP, local deste estudo, farei uma apresentação do histórico do projeto Transmissão Vertical Zero, norteada por informações documentais do Programa Municipal de DST/Aids, por citações, por reportagens de jornais locais, por memória pessoal e por relatos dos profissionais envolvidos conforme Batista (1999), Sorocaba (1999, 2001) e Programa (2000).

A Secretaria Municipal de Saúde de Sorocaba, em 1997, iniciou ações pontuais com intuito de diminuir a transmissão vertical no Município, sendo estas consolidadas em setembro de 1998, na forma do Programa Transmissão Vertical Zero. O projeto foi implantado com recursos vindos do Ministério da Saúde para a aquisição de kits para realização de testes e compra de medicamentos, e desenvolveu protocolos com estratégias envolvendo centenas de profissionais de saúde.

O referido projeto é desenvolvido pelo Programa Municipal de DST/Aids e sua implantação compreendeu várias fases, com início no treinamento dos profissionais, médicos e enfermeiras, das 27 Unidades Básicas de Saúde (UBS) envolvidas no Programa Saúde da Mulher, concomitante com o treinamento da equipe obstétrica da Maternidade da Santa Casa de Sorocaba, uma das instituições que atendem ao SUS.

Desde seu início, ficou estabelecida a realização de testes anti-HIV para todas as gestantes atendidas nas UBSs, em seguida implementou-se o fluxo da assistência e a garantia de fornecimento de medicamentos para o tratamento às

portadoras do vírus. Seguiu-se a definição de acompanhamento dos recém-nascidos, filhos de mãe soropositiva, até a confirmação de que não houve transmissão vertical. Esse acompanhamento é realizado no SAE, denominado Clínica DST/Aids.

O projeto estabeleceu, também, para todas as gestantes que buscavam assistência pré-natal na rede municipal de saúde, a oferta de teste anti-HIV voluntário no 1.o trimestre de gravidez, e, desde 2004, o protocolo recomenda que seja realizado um segundo teste no 3.o trimestre, ambos acompanhados por aconselhamento pré e pós-testagem.

O resultado positivo ou indeterminado do teste anti-HIV, indica que a UBS encaminhe a gestante ao COAS para receber o aconselhamento realizado por profissionais de nível universitário qualificado e para a efetivação do exame confirmatório. Detectando a infecção pelo HIV, a gestante é encaminhada para atendimento no SAE – Clínica DST/Aids, iniciando o pré-natal de alto risco.

Esses dados são incorporados na ficha, denominada COAS – Ficha da Gestante – possibilitando a reunião das informações num banco de dados – COASGES, no qual todas as gestantes soropositivas para o HIV detectadas têm seus dados registrados.

O acompanhamento da gestante soropositivo prevê a realização da contagem de CD4 (Cluster of Differentiation 4) e de carga viral, bem como a aplicação do protocolo ACTG 076/TARV para profilaxia da transmissão materno- infantil do HIV. Prevê, ainda, o acompanhamento das gestantes e a articulação com o Programa Recém-Nascido de Risco bem como o encaminhamento das informações das gestantes atendidas para a realização de visita domiciliária, que deve ocorrer por volta da 34.a semana de gestação, para reforço das orientações e para referência à maternidade.

Desde o início do Projeto, em 1998, já foram atendidas no Programa de Pré-Natal um número aproximado de 41 mil gestantes, e houve cerca de 2% de recusa do teste; a quantidade de testes anti-HIV, realizados em gestantes, contabiliza aproximadamente 45 mil testes. Vale lembrar que, no segundo semestre de 2004, foi introduzido o segundo teste anti-HIV no terceiro trimestre da gestação. A taxa de prevalência do HIVem gestantes no Município apresenta consistente decréscimo desde

2000, apresentando em 2005 uma taxa de 0,17%, enquanto para o Brasil é de 0,41%5. Por outro lado, o Programa Recém-Nascido de Risco, iniciado em junho de 2000, atende a todas as mães e recém-nascidos de Sorocaba nas maternidades públicas. Dentre suas atividades constam a classificação dos bebês quanto ao risco (biológico e social), as orientações às mães, e o agendamento do binômio mãe-filho para consultas nas UBSs. A equipe de saúde do Programa, formada por neonatologista, enfermeiro, auxiliares de enfermagem, psicólogo e assistente social, presta atendimento especializado na Policlínica para os recém- nascidos de alto risco biológico e realiza visita domiciliária a todos os de risco. Nesse trabalho há também a retaguarda de outros especialistas.

Após o parto, as puérperas HIV positivo, atendidas no Projeto Transmissão Vertical Zero são encaminhadas para a Clínica DST/Aids para consulta de puerpério e seguimento dos recém-nascidos por meio de consulta mensal com o pediatra até a definição do diagnóstico.

No município de Sorocaba, o diagnóstico da infecção pelo HIV em crianças segue o cronograma de contagem de carga viral, a partir do 3.o mês de vida, e com periodicidade trimestral até os 18 meses, quando será realizado o teste ELISA para confirmação diagnóstica e se negativo ocorre alta do Projeto.

Como um dos municípios pioneiros nesta estratégia de atenção ao binômio mãe-filho, Sorocaba, em 1999, foi contemplada pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo com uma cota de 60 exames do tipo PCR qualitativo de detecção do HIV, exame utilizado para os bebês de mães soropositivas.

Em outubro de 2007, no mesmo Município, ocorreu o Encontro Municipal para o Enfrentamento da Transmissão Vertical do HIV e da Sífilis Congênita, evento do Programa Municipal de DST/Aids de Sorocaba, que contou com a participação dos profissionais da saúde da Secretaria Municipal da Saúde (SES), para reforçar e avançar na proposta de prevenção a doenças de transmissão vertical, que são consideradas dois desafios da saúde na atualidade. A gestão do programa segue a agenda do PN DST/Aids, reforçado por estudos que identificaram as desigualdades existentes na atenção aos dois problemas e reconheceram a necessária e urgente priorização da sífilis na gravidez (Ramos Júnior et al., 2007). 5 Informação da Planilha “Resultados do PTVZ: período 2000/2005” fornecida pelo Programa Municipal DST/Aids.

Outro aspecto do Projeto Transmissão Vertical Zero é a atuação conjunta com as organizações não-governamentais (ONGs), tais como o Grupo de Prevenção e Apoio à Aids do Município – GEPASO, que até o ano de 2002 era responsável pelo fornecimento de fórmula láctea às crianças expostas verticalmente ao HIV, e que, a partir de 2003, passou a ser de responsabilidade do Município com financiamento do Projeto Nascer do Ministério da Saúde.

Outra ONG, Associação Crianças de Belém6, fundada em 1996 com a missão de contribuir para a melhoria da qualidade de vida das crianças e adolescentes soropositivos para o HIV, oferece-lhes atendimento em creche, em abrigo e em escola do ensino fundamental, assim como realiza cursos profissionalizantes e de artesanato destinados às famílias para a geração de renda e, dão-lhes principalmente, apoio psicológico e social aos portadores assintomáticos ou com sintomas causados pelo HIV. Em relação ao apoio domiciliar, fornece-lhe cestas-básicas e acompanhamento médico.

Em 1999, a Associação Crianças de Belém apresentou o projeto, O amor que vem da prevenção”, com recursos da igreja Presbiteriana Americana, numa parceria com o Programa Municipal de DST/Aids, com o objetivo de apoiar o Projeto Transmissão Vertical Zero, realizando acompanhamento sistemático das gestantes que concordassem em participar dessa estratégia.

Esse trabalho visa a minimizar as carências econômicas com o fornecimento de vale transporte e cesta básica, bem como voltando-se aos aspectos psicossociais e ao suporte para ampliar a adesão ao tratamento profilático com o AZT. Próximo ao parto, há ainda, como propostas, a entrega do enxoval para o bebê e o suporte espiritual, com a doação de uma Bíblia. Esse projeto foi reconhecido como exemplo para fins de financiamento pelo Fundo das Nações Unidas (UNAIDS) no seu relatório, produzido durante a edição de 2002 do Fórum Econômico Mundial, realizado em Nova York (Ortolan, Souza, [200?]).

Esse contexto e a minha atuação profissional, principalmente, quando fui coordenadora do projeto O amor que vem da prevenção , reforçaram meu interesse em realizar um estudo voltado para a situação familiar durante o período de espera do diagnóstico definitivo para o HIV do filho.

Outro fato importante é a minha experiência como professora das 6 www.cribelem.org.br

disciplinas de Enfermagem na Reprodução Humana e Administração em Enfermagem do curso de Enfermagem da PUC-SP, cujas aulas práticas são realizadas, respectivamente, na maternidade do Complexo Hospitalar de Sorocaba e no Ambulatório Regional de Especialidades, onde são atendidas as gestantes soropositivas, de 46 municípios do Departamento Regional de Saúde XVI – (DRS), situação esta que proporciona o contato com a temática da transmissão vertical do HIV, uma vez que a prática docente se dá diretamente com as mães portadoras e recém- nascidos expostos.

Dado o ineditismo, a relevância e abrangência do Projeto Transmissão Vertical Zero na atenção à mulher soropositiva para o HIV e seu filho, e pela carência de estudos que caracterizam a mulher atendida pelo Projeto, pretendo, neste estudo, apontar dados sociodemográficos e de saúde da gestante atendida no referido Projeto, para em seguida compreender sua vivência, e a do parceiro diante da espera do resultado definitivo do teste anti-HIV do filho, por ser este um período crítico para a dinâmica do núcleo familiar. Assim, almejo melhor conhecer as gestantes e contribuir para a compreensão dos fatores que envolvem os pais e os lactentes num contexto de transmissão vertical do HIV, e obter pistas que direcionem os serviços de saúde para as demandas de assistência dessa clientela.

Diante do exposto, com este estudo, pretendo responder às seguintes questões:

− Como a mãe soropositiva para o HIV e o parceiro vivenciam a situação de indefinição do diagnóstico de soropositividade do filho?

− Como ambos convivem com os procedimentos adotados com o bebê enquanto aguardam a confirmação do diagnóstico para soropositividade ao HIV?

− Quais as expectativas da mãe e do pai do lactente diante da possibilidade de soropositividade e de sobrevida do filho?

− Que estratégias ambos desenvolvem em seu cotidiano enquanto aguardam a definição do diagnóstico do filho?