• Nenhum resultado encontrado

Promoção do trabalho coletivo e da autonomia dos profissionais

Quando perguntamos aos entrevistados, exceto às crianças, a que eles atribuíam o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) da escola ter sido um dos melhores do Brasil e o melhor das escolas públicas do estado do RN, todos são unânimes em afirmar que atribuíam a um trabalho integrado, coletivo entre o corpo docente, discente e a família como fica evidente nas falas a seguir:

Eu atribuo a toda participação do corpo docente, toda equipe escolar também, com ajuda dos pais, porque tem uma par- ticipação muito grande dos pais. É uma união entre o corpo docente e a família, então isso contribui muito para esse índice

(Coordenadora do vespertino e Professora do 2º ano matutino).

Nóvoa (2004) nos esclarece a importância de um traba- lho coletivo para a efetivação de práticas mais democráticas; segundo o autor, ainda não existe uma teoria do coletivo, da docência como coletiva e uma análise coletiva das práticas, mas

Ações da gestão escolar que favorecem a alfabetização de crianças nos três primeiros anos do Ensino Fundamental na escola

175

começamos a ensaiar os primeiros passos para transformar a experiência coletiva em conhecimento profissional.

O que pudemos apreender através das análises das entre- vistas e das observações realizadas é que na escola pesquisada há um trabalho coletivo e integrado em que todos os profissio- nais da escola estão engajados em prol da aprendizagem das crianças. Esse trabalho se evidencia em momentos de estudos, de reuniões e até mesmo nos momentos do descanso, pois estão sempre discutindo algo acontecido ou que venha a acontecer na sala de aula, ou seja, discussões acerca da receptividade a determinada atividade planejada e/ou a um comportamento esperado das crianças. Em outras palavras, os docentes estão o tempo todo refletindo, coletivamente, o processo de ensi- no-aprendizagem. Duarte (2011) ressalta que as escolas onde há registro de trabalho coletivo, isto ocorre por iniciativa de professores e direção, que acabam utilizando horário de lanche, recreio, intervalo entre as aulas, o início e fim do dia letivo para organizarem algo em conjunto.

Quando a merendeira foi indagada sobre sua participação em reuniões da escola ela respondeu: “Participamos, agora quando é assunto mais ligado às professoras, ela nos libera e vamos continuar o nosso trabalho. Eu acho muito organizado aqui, porque a gente, aqui, no nosso trabalho, aprende mais e mais a cada dia” (Merendeira).

Para a construção de um trabalho coletivo, a valorização de todos os integrantes da comunidade, inclusive com oportu- nidades de formação, é de suma importância para amenizar, no interior das mesmas, um abismo comum entre a categoria do magistério e a dos funcionários, o que reproduz desigualdades sociais e culturais e inibe potencialidades educativas dos funcio- nários e trava o processo de gestão democrática. “A construção da gestão democrática, por meio de Conselhos Escolares fica, às vezes, comprometida pelo despreparo dos representantes dos funcionários em relação aos dos outros segmentos, que se traduz em silêncio, subserviência e imobilismo” (BRASIL 2005).

Gestão Educacional Democrática: avaliação e práticas

176

O caráter coletivo das ações desenvolvidas na escola é ainda ressaltado por outros sujeitos como justificativa dos resultados favoráveis alcançados junto às crianças:

Eu acho que é o compromisso de todos, porque é muito impor- tante, a gente segue uma orientação que dá uma continuidade; temos o compromisso de ter tempo, trabalhamos em função do aluno, procuramos sempre dar continuidade ao trabalho que é feito anteriormente, do ano anterior (Professora do 1º ano no turno matutino e 2º ano no turno vespertino).

A fala acima explicita o compromisso dos integrantes da escola com as crianças, com a continuidade do trabalho, como também, ainda que não tão explicitamente, o papel de liderança da gestora na criação dessa cultura de coletividade em torno da organização da escola como espaço educativo para as crianças, que sabemos tão necessária à consolidação de aprendizagens e à realização da finalidade social da escola. Mas, considerando-se que a situação dos professores de Ensino Fundamental da rede pública em nosso país – e a situação de Parnamirim, onde se localiza a escola, não é diferente – apesar das muitas mudanças na última década, não reflete uma valorização objetiva por parte do poder público, seu discurso reflete certo conformismo, ainda que as condições oferecidas pela escola, construídas também por eles, sejam diferenciadas.

Nesses termos, a fala acima, ao mesmo tempo em que demonstram profissionalismo e compromisso, mostram as marcas, contraditórias, do discurso recorrente neoliberal para justificar a ausência do Estado no oferecimento de condições satisfatórias para o desenvolvimento do ensino nas escolas públicas e responsabiliza os docentes integralmente pelo cumprimento de seu dever e/ou compromisso, menosprezando suas reivindicações por melhores condições de trabalho e salários mais justos.

Esse chamamento para que a sociedade como um todo participe das decisões e contribua, efetivamente, através de parcerias ou trabalho voluntário dos pais ou de pessoas da

Ações da gestão escolar que favorecem a alfabetização de crianças nos três primeiros anos do Ensino Fundamental na escola

177

comunidade, configura uma estratégia neoliberal para redução de gastos e da transferência de responsabilidades do poder público para com a comunidade escolar. Dessa maneira, os docentes são “convidados” a se comprometerem cada vez mais com a escola sendo, muitas vezes, criticados pela equipe quando reivindicam seus direitos de profissional, o que transparece, de modo quase explícito, na fala da diretora quando afirma que “se for um professor que venha dar sua aulinha e ir embora correndo, faltar, eu não quero esse professor aqui, professor aqui não falta de jeito nenhum”.

Novamente marcada pelo paradoxo, sua posição denota, ao mesmo tempo, preocupação com o cumprimento da função escolar, o que demanda assiduidade por parte dos profissionais, cuja falta é assunto recorrente com relação à escola pública, mas também uma posição, de certo modo, fechada às neces- sidades dos professores.

O discurso “participativo” escamoteia as relações de poder existentes, muitas vezes, na escola pública. Isso não significa que na escola pesquisada não haja participação dos diversos segmentos na sua gestão como declaram acima os entrevistados e como pudemos observar. Mas, segundo Paro (1997), há um ponto a ser considerado que é o fato da existência de interesses comuns provenientes de condições objetivas de existência que levam as pessoas a estarem envolvidas com seus interesses pessoais mais imediatos. É, portanto, necessário refletir que há no espaço escolar interesses e posições de negociação que são diferentes, o que, no jogo das relações sociais, leva os sujeitos à submissão do discurso e das atitudes daquele que ocupa uma posição de maior prestígio e que representam o poder vigente.

Orientada pelas análises desenvolvidas por Barroso (apud COSTA, 2009) a respeito das (co)relações entre pais, professores/ profissionais da escola e o Estado, em que são identificados asso- ciações de interesses ou alianças diferenciadas entre os atores da comunidade escolar, consideramos que na escola pesquisada a

Gestão Educacional Democrática: avaliação e práticas

178

relação entre pais, professores e Estado apresenta nuances muito particulares. Percebe-se uma aliança no sentido de garantir a educação como direito, e a preservação de seu caráter público a partir de um ensino voltado para a efetiva aprendizagem dos alunos e seu sucesso escolar. Nessa ótica, os pais, bem como os professores e a própria gestora, aparecem como atores sociais efetivos e não apenas consumidores submissos à lógica neoliberal.

Ao mesmo tempo, tornou-se evidente que embora todas as falas reflitam a participação recíproca de todos os segmentos, a autonomia de cada componente não se faz perceber nas situações observadas e evidenciadas pelos sujeitos, o que ressalta o cará- ter contraditório em relação à democratização dos processos, uma vez que a democracia é algo construído e não imposto e se concretiza quando todos podem não só opinar em posição desigual de negociação, mas participar, segundo suas concep- ções e valores, da tomada de decisões, o que implica embates e conflitos, elementos que parecem ausentes das relações na escola e necessários a toda transformação.

Ainda com relação à promoção da autonomia da equipe em relação aos resultados da alfabetização da escola, reconhecendo que a escola e, portanto, a gestão, tem, de modo mais ou menos intenso, suas ações pautadas nas orientações da Secretaria Municipal de Educação, consideramos importante analisar a interferência da SME-Parnamirim no trabalho da escola. Frente a esse aspecto, os sujeitos responderam:

A SME tem muita interferência, por exemplo, na maneira de avaliar com boletins, a gente poderia avaliar à nossa maneira, mas a gente segue, e eu não sou contra porque a SME prime pela unidade da educação do município e também não pode ser assim uma coisa tão diferente, agora a gente descentra- lizou muito o nosso trabalho da SME, a gente tem uma certa autonomia, mas não tomamos nenhuma atitude sem informar a SME (Diretora).

As respostas acima nos remetem à compreensão de que a escola, seus agentes e suas práticas, embora preservem uma

Ações da gestão escolar que favorecem a alfabetização de crianças nos três primeiros anos do Ensino Fundamental na escola

179

mínima “autonomia” estão imbuídos do discurso da descentra- lização do ensino configurado nas Diretrizes Educacionais da década de 1990, associado à perspectiva neoliberal. A lógica da descentralização do Estado, ao mesmo tempo que responsabiliza a escola e seus agentes sobre as tarefas de prover a educação, também demarca uma centralização no estabelecimento de normas de funcionamento e avaliação dos resultados.

Por outro lado, numa perspectiva dialética, Andrade (2002) nos esclarece que a autonomia delegada às escolas fez com que, em meio aos limites do processo, fossem ampliadas as responsabilidades e espaços de decisão, tais como elaboração do calendário escolar, do orçamento anual da escola, definição de prioridades de gastos e que, a partir dessa autonomia, a escola passa a contar com maiores possibilidades de resolução de questões cotidianas com mais agilidade, sobretudo, na busca por complementação orçamentária junto à iniciativa privada e à comunidade para complementação de financiamento. Essa situação se evidencia na descrição da diretora sobre uma das festas realizadas na escola:

Os pais fazem as comidas e doam; trazem e vendem um para o outro. Tudo o que é vendido na festa é doado pelos pais. A festa junina daqui rende para a gente fazer outros eventos e comprar jogos educativos para os alunos. E todo o dinheiro é investido na escola. Eles fazem com muito gosto (Diretora).

Nesse exemplo simples, evidencia-se um dos modos como as escolas e as famílias passam a assumir as funções do Estado, ainda que essas ações mobilizem o envolvimento de educadores e dos pais da educação das crianças. Mas, como já referido por Andrade (2002), o exercício da autonomia da escola não deve se restringir aos aspectos elencados acima, mas, principalmente, no planejamento das formas de desenvolvimento e avaliação do trabalho pedagógico e das aprendizagens, concretizado na elaboração e operacionalização do Plano Político-Pedagógico.

Gestão Educacional Democrática: avaliação e práticas

180

A Prova Brasil, ela trouxe uma vantagem grande para nossa escola, porque no primeiro ano que classificamos como o primeiro lugar no RN foi um sucesso, para os pais, para os professores. Esses resultados são uma motivação grande para a escola; e quando chegam as provas, a gente diz: vocês vão fazer uma prova que todas as crianças do Brasil irão fazer, estudem. A próxima turma do 5º ano vai fazer a prova Brasil e a gente já está dizendo isso para eles, já está incentivando, porque o lema daqui é compromisso em busca da qualidade (Diretora – grifos nossos).

Percebemos na fala a importância dada, atualmente, aos indicadores de desempenho, ao mesmo tempo em que revela uma submissão às demandas e ditames da política regulatória, dialeticamente revela-se como uma possibilidade de esforços para produzir aprendizagens efetivas das crianças no contexto da escola pública.

No entanto, precisamos atentar, de modo crítico, para o conceito de qualidade que se tornou hegemônico no contexto das políticas neoliberais, que tem uma forte marca da lógica empresarial e gerencial da educação, com base no qual deslo- ca-se o foco da qualidade (enquanto significação social) para a eficácia do processo, traduzida como o máximo de resultado com o mínimo de custo e atestada em indicadores medidos por taxas de retenção, promoção, comparação, supervalorização da competitividade e da produtividade e novos métodos de gerenciamento de sistemas educacionais.

Assim, ao mesmo tempo em que reconhecemos a impor- tância de o trabalho pedagógico, como ação da escola, ser avaliado, compreendemos que não só o processo de avaliação, como seus resultados e desdobramentos sejam refletidos, repen- sados, sobretudo com relação à necessidade de um indicador de desempenho nacional que não considera os contextos, as pessoas, com suas necessidades e possibilidades e uniformiza um país com uma diversidade social e cultural grandiosa, além de fomentar a concorrência entre as instituições de ensino, classificá-las e hierarquizá-las, desviando as finalidades do

Ações da gestão escolar que favorecem a alfabetização de crianças nos três primeiros anos do Ensino Fundamental na escola

181

ensino-aprendizagem dos alunos que, mobilizadas pelos resul- tados das avaliações e seus desdobramentos, deixa de ser o fim do processo para transformar-se em um meio de obtenção de outros benefícios.

Nesse sentido, embora possamos perceber que os resulta- dos das avaliações tem desencadeado mudanças nas ações dos sujeitos da escola, sem uma reflexão crítica, podem funcionar como limites à autonomia dos profissionais e de suas funções, delimitando os conteúdos a serem ensinados – a escola passa a planejar/definir o que as crianças devem aprender em função, tão somente, das provas que irão realizar, desconsiderando outros conhecimentos relevantes (LOPES; VIEIRA; CAMPELO, 2009). Além disso, pode desautorizar o trabalho docente quanto à avaliação processual da aprendizagem dos estudantes, ao conferir legitimidade somente aos resultados de ações externas, restringindo suas possibilidades de criação e ação.