• Nenhum resultado encontrado

PRONTIDÃO, A ATENÇÃO AO MOMENTO PRESENTE

CAPÍTULO 3 – REDISCUTINDO TERMINOLOGIAS

3.4 PRONTIDÃO, A ATENÇÃO AO MOMENTO PRESENTE

A prontidão é outra questão discutida entre improvisadores. Diz respeito à reação espontânea, como impulsionadora à liberdade de ação e ao frescor compositivo, pois ocorre no instante presente, nas tomadas de decisões. Segundo Bastos:

A idéia deste termo – prontidão – surge com a vontade de organizar metodologicamente uma relação de investigação cênica que toma por base a relação do conhecimento com a experiência em uma mesma escala temporal. Desta forma, examinando a experiência como um método de atenção/consciência, percebemos que existem muitas atividades do corpo que pressupõem este tipo de relação. (2003, p. 19; 20).

Este é o caso da improvisação, que se auto-organiza em tempo real (MARTINS, 2002), evidenciando a imprevisibilidade operante em composições de dança. A improvisação se configura durante a sua ocorrência, tendo como base nas potencialidades operantes na relação entre artista, contexto e instante. É na incidência desta relação sobre as tomadas de decisões compositivas que se espera que o artista aja com prontidão, ou seja, que aja instantaneamente conforme a situação apresentada, com ampla disponibilidade, processando as informações presentes e gerando conhecimento.

Há entre improvisadores um interesse pela busca da prontidão com base na condição imprevista da improvisação, instigados pelo incômodo com a regularidade e a incidência de hábitos sobre as suas decisões. Estar atento ao momento presente parece ser o principal eixo de investigação na busca da prontidão. Essa intenção pretende liberar as possibilidades compositivas da dança, mas o estado de atenção exigido para a

prontidão do artista auxilia na percepção do momento, e desse modo o improvisador

indicações sugeridas por outros improvisadores, por insights ou pelo contexto. O artista pode então exercer sua autonomia compositiva conforme as circunstâncias do instante, tentando minimizar as suas expectativas sobre a composição e o resultado da obra, e deixando com que as informações percebidas encaminhem à próxima ação.

A busca por evitar a autocrítica tem como propósito auxiliar na concentração do foco de atenção do artista para que este esteja sempre atento às situações presentes e responda impulsiva e instintivamente. Desse modo, espera-se que o artista tome decisões sobre suas ações prontamente, assim que a proposta surja, com associações de idéias imediatas e sem premeditações, como num insight. Porém, Bacha esclarece que “O momento do insight é instantâneo, mas o processo de construção e seleção das hipóteses é consciente, controlado, voluntário, deliberado, sujeito a crítica e autocrítica.” (BACHA, 1997, p. 127). Aqui, mais uma vez se esbarra na impossibilidade de evitar os hábitos. Nos casos de decisões tomadas prontamente, pode-se até criar a impressão de que nenhum julgamento foi processado, todavia, no momento da decisão o artista se relaciona com seus hábitos, ainda que inconscientemente. Quando decide como agir, o improvisador seleciona hipóteses que não escapam ao autocontrole sobre a ação e o sentido da composição e estão sujeitas a crítica e a autocrítica. Suas crenças e expectativas não desaparecem, nem mesmo quando há intenção de evitar a sua incidência.

O autocontrole e a autocrítica são hábitos consolidados que indicam possíveis condutas de acordo com as crenças instituídas. Ambos são processados consciente ou inconscientemente. Em improvisações há tentativas de exacerbar ambas as condições – autocontrole e autocrítica – para o momento de tomada de decisões em direção à mudança de hábitos, com o propósito de ampliar o campo de possibilidades dos improvisadores. O único modo de tentar este propósito está na prática de treinamentos focalizados na percepção da composição. Esses treinamentos devem promover a constante atenção dos improvisadores ao momento presente, fazendo-os perceber ao máximo possível as ocorrências em tempo real, seja através de regras ou simplesmente por meio do treino da escuta do instante para agir.

A escuta é um termo que pretende dar conta de definir a atenção que o artista deve ter com cada instante de composição da dança. Para isto, no caso da improvisação, o artista precisa estar atento à suas escolhas e perceber suas possibilidades de mover o corpo e agir em relação à composição em execução. Deve estar em conexão com todos os seus parceiros de cena, atento às ações e decisões compositivas, para interferir ou dar suporte ao que eles propõem. A escuta envolve ainda a atenção constante que se deve ter em relação a todos os elementos constituintes da cena, como por exemplo, iluminação, sonoridades, espaço, cenografia, outras linguagens artísticas (música, vídeo, etc.), para conjuntamente compor a obra.

Nesta escuta do corpo nosso foco é levar o intérprete – um artista do corpo – a tornar-se atento, isto é, a experienciar o que a mente está fazendo enquanto ela o faz. Sem dúvida, estamos falando de uma prontidão cênica. Este estado pode ajudar alguns intérpretes a melhorar a qualidade de sua performance no espaço da cena. Ou seja, capacitá-lo a pensar e resolver de forma original problemas ligados a um determinado assunto. Como assunto, entendemos uma diversidade de temas que podem estar ligados a uma indagação filosófica, a uma frase poética, a uma sonoridade ou um simples deslocamento ou queda do corpo. (BASTOS, 2003, p. 18).

A prontidão é uma proposta de relação entre o artista e a composição da dança que diz respeito ao momento da tomada de decisões. É exigida toda atenção do artista sobre o campo de possibilidades presentes, entre hábitos e contexto, para, no caso da improvisação, compor em tempo real. Tal intenção pretende evidenciar a escuta que se deve ter sobre o momento, ou seja, a percepção do fluxo de acontecimentos sobre as condições presentes. Concomitantemente a esses propósitos incidem o autocontrole, a crítica e a autocrítica como um campo para a improvisação ocorrer. Por estas incidências, não há garantias sobre a originalidade da composição e da obra. Como vimos, as novidades são outras soluções compositivas reorganizadas entre hábitos adquiridos e potenciais modificações de hábitos, e é deste modo que a composição da dança ocorre, sem garantias de real novidade, mas com maior liberdade e prontidão.