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PROPOSIÇÕES SOBRE UM MÉTODO HÍBRIDO: PERCURSOS ENTRE A GENEALOGIA E A CARTOGRAFIA ENTRE A GENEALOGIA E A CARTOGRAFIA

A prática é um conjunto de revezamentos de uma teoria a outra E a teoria é um revezamento de uma prática a outra

(Os intelectuais e o poder - Gilles Deleuze Michael Foucault)

a minha voz tão fosca brilha por teus lábios bundos a malha do teu pêlo dongo, congo, gê, tupi, batavo, luso, hebreu e mouro se espalha pelo mundo vamos refazer o mundo teu buço louro meu canto mestiçoso

(Musa Híbria, Caetano Veloso)

O método de pesquisa emergiu a partir de um movimento de revezamento entre as arguições que o campo empírico nos impôs e as orientações que o campo teórico nos ofertava. Fomos assim impelidos a definir uma metodologia que foi se delineando durante o ato de pesquisa. Não houve uma fase de leitura teórica para que depois fizéssemos um levantamento de dados e análise de material de campo. Nem o contrário. Essas duas dimensões de um trabalho de pesquisa produziram uma circularidade criativa operada por

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movimentos de zigue-zague. Não havia modelo perfeito a ser seguido, mas pistas metodológicas que serviram como guias para que um modo de pesquisar fosse experimentado. A força dos acontecimentos exigiu que as orientações teórico- metodológicas se convergissem, produzindo um hibrido.

A produção de um método hibrido não se propõe a produzir uma linhagem, portanto, não pretende servir de modelo e nem gerar filiações. Assim como não busca copiar modelos e se filiar a nenhuma corrente de modo fixo e fiel. As correntes teóricas são como rios nos quais nos banhamos para que possamos sair deles diferentes do que entramos. Um híbrido evoca necessariamente a produção de novos híbridos. Mesmo que não se pretenda a ser modelo é bem provável que oferte algumas dicas metodológicas.

Partimos então de experiências que não nos serviram como modelo a ser copiado, mas como referências que nos guiassem por territórios pouco explorados. As referências são fundamentais, pois operam como aliadas e guias. Escolhemos as nossas referências porque elas nos banharam de alegria e força crítica. Dois afetos fundamentais para nossa travessia. Não nos propusemos a um ineditismo, como se fossemos propositores de algo que não partiu de lugar nenhum. Ter referências é poder ser apoiado, é se colocar na posição de quem precisa ser ajudado para trilhar um caminho próprio.

Criamos não porque queríamos, mas porque fomos forçados. As experiências que vivemos, as vidas com as quais nos encontramos e os lugares por onde passamos nos forçaram a propor articulações entre referenciais metodológicas distintos. O empírico nos impulsionava a criar um caminho metodológico singular. A zona de pressão produzida entre o campo teórico e o campo empírico possui pequenas brechas e espaços não explorados que possibilitam alguma margem de invenção. Nesse sentido criar foi o mesmo que produzir um caminho singular. As referências foram fundamentais para que

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pudéssemos encontrar saídas para os problemas que se apresentaram. Assim os nossos guias eram tanto teóricos quanto pessoas que encontramos durante esta travessia. O fio de articulação que atravessa os diferentes autores e atores foi certamente um fio ético-político. Alguns autores e algumas obras se constituíram como referências não porque nos deram um caminho a trilhar ou um modelo a seguir, mas porque nos ofertaram um solo para caminhar.

1.1) O método genealógico

Se para efeito de argumentação dizemos

que ele está louco, então eu preferia ser louco a ser sensato...gosto de todos os homens que mergulham. Qualquer peixe pode nadar perto da superfície. Mas é preciso ser uma grande baleia para descer a cinco milhas ou mais... Desde o começo, os mergulhadores do pensamento voltam à superfície com os olhos injetados de sangue.

(Deleuze -2006b- usa uma citação de Melville para expressar sua admiração por Foucault

)

Nossa pesquisa parte do entendimento de que as políticas de saúde sobre drogas se encontram inseridas num contexto político amplo, mundialmente conhecido como “guerra às drogas” (Passos e Souza, 2011). Logo, não partimos do pressuposto de que há uma política de saúde sobre drogas. Além das políticas oficiais definidas em portarias, decretos e equipamentos, partimos da hipótese de que existem outras políticas, aquelas que se exercem nos cotidianos dos serviços e que são mobilizadas por diferentes vetores históricos, políticos e subjetivos. Esses vetores, que analisaremos parcialmente, não exercem forças somente nos cotidianos dos serviços do SUS. Eles também interferem nos

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rumos nacionais das políticas oficias do Estado brasileiro. Trata-se, portanto, de um campo difuso, heterogêneo e contraditório.

A política mundial de “guerra às drogas” insere o campo da saúde numa intensa disputa, evidenciando que a produção de acesso e cuidado sofre interferências de diversas ordens. Nesse sentido, entender as diferentes funções que se atualizam no campo da saúde, implica que antes possamos compreender alguns aspectos sobre a consolidação de um projeto mundial antidrogas. Quais são as bases de sustentação deste projeto? Quais tecnologias de saber-poder este projeto concretiza? Quais as funções que o campo da saúde pode assumir neste jogo de forças?

Embora a história das drogas seja fundamental para entender a politica de drogas hegemônica não faremos uma abordagem histórica, propriamente dita. Isso já foi muito bem desenvolvido por muitos historiadores e antropólogos (Eschotado, 2005). Como se trata de um campo extenso e muito complexo nossa travessia se propõe a abordar alguns aspectos desta história para propor uma genealogia das drogas. (Foucault, 1977, 1986, , 2001, 2005, 2006, 2008, 2009)

Certamente não pretendemos esgotar aqui as proposições sobre o método genealógico. Nosso intuito é demarcar algumas questões que julgamos estratégicas para introduzir uma discussão metodológica. O objetivo da genealogia é analisar as histórias das relações de saber-poder e das tecnologias de governo das condutas. Nessa perspectiva, os fatos da história interessam na medida em que é possível extrair dele a formação de um regime (ou diagrama) geral de saber-poder. As análises dos diferentes regimes de poder partem, quase que necessariamente, da análise dos dispositivos de saber-poder (Foucault, 1977, 2001, 2008, 2009). Tomemos como exemplo a análise das prisões.

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O dispositivo do panóptico2, por exemplo, articulou um modelo arquitetônico (formação não discursiva) e um discurso sobre o delinquente (formação discursiva) que tinham objetivos iniciais distintos entre si. Estas duas faces do dispositivo (discursivo e não discursivo) correspondem à dimensão do saber, ou regime de enunciação. O saber (ou o enunciado) é, então, a articulação entre o dito (discurso) e o não dito (visível): entre um regime de luz e um regime discursivo.

A questão central para o método genealógico é entender como estes dois regimes, que possuem genealogias distintas são articulados. Da mesma forma que a reformulação do direito penal no século XVIII não previa a privação de liberdade como medida penal, o projeto de arquitetura projetado em torno de uma torre de observação central não tinha por objetivo ser um estabelecimento para infratores da lei. Mas num certo momento, estes dois regimes se articulam através de um dispositivo específico. Porém, mais do que identificar que num determinado momento da história surge uma nova instituição de cumprimento penal, Foucault (1977) analisa através desta articulação, a formação de uma nova tecnologia geral de governo, a construção de um novo diagrama de saber-poder, definido como diagrama disciplinar. No hiato entre o dito e o não-dito (entre a dizível e o visível) Foucault encontra uma terceira dimensão do dispositivo do panóptico: as relações de poder. No limite, quem articula as duas dimensões do saber é o poder. O poder, como terceira dimensão do dispositivo, possibilita a Foucault (1997) traçar um diagrama geral de poder. É nesse sentido que Vigiar e Punir (1977) marca a passagem da fase da arqueologia (do saber) para a fase da genealogia (do poder).

22 O panótico era um projeto de arquitetura que basicamente consiste numa torre central cercada por

pavilhões. O dispositivo permite uma visibilidade de todos os espaços desta construção sem que aquele que está dentro da torre possa ser visto.

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Através da análise genealógica das prisões Foucault (1977) apreendeu uma estratégia mais ampla de exercício de poder, pois nas prisões ele verificou funções que se exerciam também nas fábricas, nas escolas e nos quartéis. Esquadrinhar os espaços, ordenar os corpos, distribuí-los nos espaços, ordenar o tempo de modo disciplinar eram funções gerais das instituições das sociedades europeias do século XVIII. Os dispositivos de poder atualizam funções necessárias para a sustentação de um novo regime político. A necessidade de disciplinar os corpos criaram as condições para que no agenciamento entre o discurso do direito penal e o prédio da prisão se produzisse uma nova tecnologia de governo, que se tornou modelo e coextensiva a todo corpo social. A docilização dos corpos passa a ser uma tecnologia geral de poder e não simplesmente o modo de funcionamento das prisões.

Nota-se que, além de analisar a formação de discursos e tecnologias de poder, a genealogia analisa a formação de subjetividades. As tecnologias de poder, as práticas discursivas, a conformação de diagramas de saber-poder, tudo isso molda subjetividades e constitui modos distintos de sujeitos. Subjetividade passa a ser a quarta dimensão dos dispositivos, embora isso só vá ficar mais claro a partir do dispositivo da sexualidade. (Foucault, 2001 e Deleuze, 1988)

Propor uma genealogia das drogas é extrair da história das drogas a constituição de um regime de verdade, de práticas e estratégias de governo da conduta dos homens. A história das drogas foi por nós tomada como um feixe de análise sobre os modos de normalizar a vida, de definição sobre o modo como devemos nos conceber enquanto sujeitos, como devemos nos portar a nós mesmos e em que situações devemos ser condenados.

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Uma genealogia das drogas não se propõe a entender os diferentes sentidos que as drogas assumem em diferentes culturas e momentos da história. Mas acompanhar por que meios e tecnologias de governo o tema das drogas foi adensado, se tornando uma realidade, um problema de interesse político, uma questão de ameaça à vida e à ordem pública, em suma um dispositivo de poder: drogas como um dispositivo de fazer ver e fazer falar.

Uma pergunta que nos coloca diante do desafio de propor uma genealogia das drogas seria: de que forma o problema posto à vida dos usuários de drogas diz respeito a uma problemática mais geral das tecnologias de governo da vida? Nossa pretensão não é descobrir novos diagramas de poder, nem mesmo novos detalhes sobre a história das drogas. Nos propomos a algo mais simples. Neste sentido nos valemos de alguns estudos históricos sobre drogas e da genealogia de alguns diagramas de saber-poder analisados por Foucault. Articulamos, a partir de alguns pontos, aspectos da história das drogas com aspectos de diagramas de saber-poder e a partir destas articulações propusemos uma genealogia das drogas. Dos diagramas de poder estudados por Foucault destacaremos dois em especial: o diagrama pastoral e o diagrama do biopoder. O diagrama pastoral é o mais antigo diagrama de poder analisado por Foucault e certamente o mais longo deles (2006, 2008, 2009). Este diagrama de poder foi constituído a partir da extensa rede institucional inaugurada pelo cristianismo e que como veremos se estende até os dias de hoje, embora sua função não ocupe o mesmo lugar nos diagramas de poder atuais. Os estudos sobre o poder pastoral são fundamentais para entender a emergência da norma da abstinência e como ela se atualiza nas tecnologias de governo na atualidade.

O segundo diagrama em que nos apoiamos, para propor uma genealogia das drogas, apresenta uma modalidade de poder que se exercesse sobre a vida, a vida do homem enquanto indivíduo e do homem enquanto espécie: um biopoder. (Foucault, 2001 e 2005)

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As análises sobre o biopoder são extremamente estratégicas para que possamos entender a emergência das drogas (e atualmente o crack) como categorias sociais que ocupam um lugar de ameaça à vida e à espécie humana. No biopoder podemos ver que as funções disciplinares como prender, docilizar os corpos, asilar, não são dispensadas, mas passam a ocupar uma posição específica dentro de uma tecnologia mais ampla e mais complexa de governo. Como que o velho poder soberano de matar poder ser exercido num regime de poder em que a vida deve ser gerida?

Este tipo de questão aproxima a genealogia do mundo atual. Essa aproximação se efetiva ainda mais a partir das últimas pesquisas de Foucault (2008, 2009) sobre as artes de

governar (ou governamentalidade). O diagrama do biopoder lançou as pesquisas de

Foucault ao encontro de uma instituição política que ele sempre evitou estudar frontalmente: o Estado.

1.2) Genealogia e o atual

O biopoder, ao lançar luz sobre a vida da população como um problema de ordem política, trouxe para o cerne destas análises o movimento de estatização de certas tecnologias de saber-poder. A genealogia sempre tentou traçar uma linha de pesquisa que abordasse a constituição de regimes de dominação e poder que emergiram a partir de dispositivos locais. Os estudos sobre a loucura e o poder psiquiátrico, sobre a sexualidade e a medicina clínica, sobre a prisão e as práticas do direito penal, criaram um mapa das práticas que normalizam a vida. Práticas estas que não surgem no interior dos aparelhos de Estado. No entanto, a partir da emergência da população como objeto de intervenção estatal, Foucault (2005, 2008, 2009) se vê às voltas com a necessidade de analisar como

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estas tecnologias, outrora exteriores aos aparelhos de Estado, vão sendo aos poucos interiorizadas como instituições estatais.

Entretanto, ao fazer estas análises, Foucault (2008, 2009) não se propõe analisar o Estado enquanto uma unidade, ou mesmo propor uma teoria do Estado. Uma genealogia do Estado Moderno é um estudo das racionalidades que criaram as bases de sustentação para que este novo projeto político fosse erguido, um estudo sobre as práticas e verdades que fundaram esta nova instituição. Embora para ele o Estado não seja uma instituição como outra qualquer, porque tende a incluir todas as instituições, os estudos sobre as diferentes racionalidades de governo permitem que ele analise o surgimento do Estado a partir de práticas que emergem no exterior dos próprios aparelhos de Estado.

Os estudos sobre a governamentalidade (ou artes de governar) analisam não as funções e estruturas do Estado, mas as práticas discursivas e não discursivas que fundaram e depois consolidaram o Estado Moderno europeu. Dentre as diversas racionalidades destacam-se duas: a primeira, definida a partir das teorias sobre a razão de Estado, fundam as bases para o surgimento do Estado Moderno, austero, planificado e disciplinar; e depois a racionalidade proposta pela economia política consolida o projeto de Estado que passa a ser indexado ao mercado, um Estado Liberal. Na razão de estado observa-se um conjunto de racionalidades que defendem a fundação de algo que está em vias de existir, é a defesa de um projeto de Estado. No modelo liberal observa-se a emergência de um conjunto de racionalidades que tentam impor limites ao exercício ilimitado do Estado, defendendo maior liberdade para os indivíduos e para o mercado.

Ao estender estes estudos até o surgimento do Estado Neoliberal, Foucault aponta como a governamentalidade se constitui como um conjunto de práticas heterogêneas e contraditórias entre si. Por isso insistimos em afirmar que as últimas proposições acerca das

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artes de governar aproximam muito o pensamento de Foucault com questões atuais. Não

que os seus estudos precedentes estivessem descolados desta preocupação. Mas quando o tema da vida é colocado no cerne de suas preocupações e análises, a genealogia traça uma linha de conexão entre os diferentes regimes de saber-poder (pastoral, soberano, disciplinar e do biopoder). Cria-se uma espécie de junção entre peças que correspondem a diferentes quebra-cabeças. A junção feita da articulação entre peças de diagramas distintos criou uma moldura feita de práticas governamentais que têm a vida como objeto privilegiado de exercício de poder. A partir dos estudos das artes de governar se clarificam pontos de conexão que produzem uma história do governo da vida. É nesse sentido que o poder pastoral passa a ser entendido como o prelúdio de um governo da vida e que a arte de governo neoliberal se torna o auge da estatização do governo da vida (Foucault, 2008). A governamentalidade cria uma linha de análise do governo da vida que vai desde o poder pastoral até o modelo atual de governo. E foi essa linha que nos utilizamos para propor uma genealogia das drogas.

A partir da racionalidade neoliberal, podemos apreender um conjunto de contradições que servem de substrato para que possamos compreender aparentes contradições que moldam as políticas de drogas. Podemos afirmar que as políticas de drogas consolidaram um regime que comporta inúmeras contradições e incongruências internas. Trata-se, no limite, de um governo das contradições. Se na genealogia do poder disciplinar as tecnologias de poder se moldam a partir da junção de dois campos difusos (um saber sobre a delinquência e um projeto arquitetônico), no Estado Neoliberal, as junções de pontos difusos se amplificam de modo muito complexo, verificável, por exemplo, nas políticas de drogas. Mais do que apresentar a constituição de contradições,

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queremos evidenciar o que sustenta um projeto político tão contraditório e tão eficaz do ponto de vista da ampliação das tecnologias de governo dos homens.

Evidentemente que um problema tão difuso e contraditório nos força a traçar algumas linhas de análise que nos permitiram lançar luz sobre alguns aspectos. As contradições se configuram como efeito de uma tecnologia de governo que no limite não gerencia contradições, mas governa elementos heterogêneos. A análise de sistemas contraditórios pressupõe a possibilidade de superação dos mesmos numa solução unificadora. Trata-se, portanto, de uma abordagem dialética. Foucault propõe substituir a perspectiva dialética por uma análise heterogenética, a análise de artes de governo que não se propõe a resolver as contradições numa solução final. As contradições são partes da engrenagem, elas são necessárias para o funcionamento de um governo que une elementos díspares, de um governo em que a consistência não passa pela coerência, mas pelo jogo de interesses. Nesse sentido não estaríamos corretos em afirmar que a política de drogas é um governo das contradições. É antes de tudo um governo de elementos heterogêneos movido por jogos de interesses que resultam em sistemas contraditórios.

Como algumas substâncias psicoativas são legalizadas e outras criminalizadas? Como a repressão às drogas e o mercado das drogas se ampliaram tanto no último século? Em que medida essa recíproca ampliação é uma contradição e em que medida diz respeito a um mesmo regime político? Que lugar os aparelhos estatais de repressão e dominação ocupam na tecnologia geral de governo das drogas? Podemos afirmar que vivemos hoje uma política de drogas eminentemente repressiva? Qual a função da repressão numa sociedade dita das liberdades individuais? Que função as políticas de drogas cumprem neste jogo repressão X liberdade?

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Como já afirmamos, não vamos fazer um histórico de como algumas drogas se tornaram licitas e outras ilícitas. Nossa aposta é analisar aspectos de uma estratégia de governo, que uma vez estatizada, sustenta medidas contraditórias, que no limite produzem verdades sobre as drogas e seus usuários. Responder a estas perguntas passa pela análise de uma governamentalidade das drogas, ou seja, analisar um conjunto de racionalidades e práticas de governo dos homens que não surgem necessariamente do interior dos aparelhos repressivos de Estado. Como veremos uma teoria estatal das drogas nos conduz inevitavelmente a um dos polos destas contradições: a análise histórica da intensificação dos aparelhos repressivos de Estado. Mas como pôde que ao lado de tanta repressão, um mercado de drogas se intensificasse tão ou mais que os aparelhos repressivos? A que tipo de poder político devemos atribuir este fenômeno contemporâneo? Ao mercado enquanto entidade autônoma? Ao tráfico como entidade mais autônoma ainda? Não tem por onde escapar. Pois supor tal autonomia nos leva à pergunta: que tipo de poder político permite tanta autonomia do mercado ou de uma organização criminosa?