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1 INTRODUÇÃO

2.5 A PROPOSTA DA EQUIDADE FACE À POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE

A saúde da população negra se tornou pauta nas discussões de políticas públicas brasileiras na década de 90, após Marcha Nacional Zumbi dos Palmares, por meio do grupo de trabalho interministerial (GTI) sobre saúde da população negra, com proposições sobre a inserção do quesito raça/cor na declaração de nascidos vivos e de óbito, a criação do Programa de Anemia Falciforme (PAF), o fortalecimento da atenção à hipertensão arterial e diabetes mellitus, e com a extensão e o aperfeiçoamento do Programa de Saúde da Família para as comunidades quilombolas. Este tema foi, também, cerne de dois documentos voltados a saúde da população negra, denominados “A Saúde da População Negra, realizações e perspectivas” e “Manual de doenças mais importantes, por razões étnicas, na população brasileira afrodescendente”, publicados em 1998 e 2001 (WERNECK, 2016).

Ainda em 2001, o Brasil participa da “III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas”, onde elabora-se o documento denominado “Subsídios para o debate sobre a Política Nacional de Saúde da População Negra: uma questão de equidade”, que classifica as doenças, agravos e condições mais frequentes na população negra em geneticamente determinadas, de evolução agravada pelo tratamento dificultado, e condições fisiológicas alteradas por condições socioeconômicas. A partir deste evento, é proposta a criação de uma política que considere os determinantes da saúde da população negra e que se baseie na produção do conhecimento no campo da saúde do negro, na capacitação de profissionais de saúde, na informação à população e na atenção em saúde com vistas ao conhecimento e controle dos seus riscos de adoecer e morrer, e a facilitar seu acesso em todos os níveis do sistema de saúde (WERNECK, 2016).

Diversos passos foram dados em torno da construção desta política, e a partir de 2005 se desenrolaram as ações necessárias para a instituição da PNSIPN. Apesar de cumpridos todos os processos de formalização requeridos pelo SUS (a saber: aprovação pelo congresso nacional, em 2006; publicação no diário oficial da união, em 2008; elaboração de Plano operativo e pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) com atribuição de responsabilidades para cada um dos entes federativos, em 2009), a PNSIPN não obteve adesão suficiente da gestão do SUS. Porém, mobilizações sociais viabilizaram a inserção de seus objetivos no estatuto da igualdade racial, Lei nº 12.288/2010, aprovada pelo Congresso

Nacional em 2011. Assim, a saúde da população negra passa a ser regulamentada via lei federal (WERNECK, 2016).

A PNSIPN se baseia na busca constitucional de uma nova ordem de social através da garantia de direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, pauta-se na cidadania, igualdade e dignidade da pessoa humana e no repúdio ao racismo, além de reafirmar os princípios presentes na Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990 (universalidade do acesso, integralidade da atenção, igualdade da atenção à saúde e descentralização político- administrativa)3 e a participação popular, normalizada pela lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990 (BRASIL, 2009).

A política apresenta como marca o reconhecimento das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde, e possui diretrizes que buscam promover a saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo, e a discriminação nas instituições e serviços do SUS (BRASIL, 2009).

A PNSIPN compõe as políticas de promoção da equidade, que objetivam diminuir a vulnerabilidade de grupos populacionais que sofrem maior impacto das ações discriminatórias, e buscam garantir o atendimento de suas necessidades através de ações de promoção, prevenção, atenção, tratamento, recuperação de doença, agravos transmissíveis e não-transmissíveis, de modo equitativo e em tempo adequado (BRASIL, 2013; BRASIL, 2017a).

Esta política considera que as iniquidades nos indicadores de saúde da população negra são reflexo dos processos históricos, sociais e econômicos que se relacionam diretamente com o racismo, e repercutem na morbimortalidade desta população, como discutimos nos capítulos anteriores. Deste modo, as causas estruturais assumem uma posição de destaque, configuram-se como causa base ou raiz, prioritária para a configuração do modelo atual de saúde da população negra, em condição de vulnerabilidade. A imagem abaixo apresenta um mapa conceitual com os determinantes da vulnerabilidade da saúde da população negra, realizado com base no esquema de Solar e Irwin (2010), adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a explicação dos determinantes sociais de saúde.

3 Universalidade do acesso é compreendido como o “acesso garantido aos serviços de saúde para toda população, em todos os níveis de assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie”; a integralidade da atenção é “entendida como um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigido para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema”; a igualdade da atenção à saúde, compreende a igualdade real onde os indivíduos que se encontram em condições desiguais são tratados de acordo com sua desigualdade; e descentralização político administrativa, que compreende a com direção única em cada esfera de governo (BRASIL,1988; PIOVEZAM, 2006).

Figura 2: Mapa conceitual com os determinantes da vulnerabilidade da saúde da população

negra.

A busca pela superação das desigualdades raciais, encampada pela PNSIPN vai ao encontro da superação das desigualdades e garantia do acesso aos serviços de saúde. Nessa configuração, o sistema de serviços de saúde contribui para o reordenamento da oferta desses serviços, para a melhoria da qualidade da saúde desta população vulnerável, e para a conquista de direitos desse segmento, fortalecendo-lhes para a cidadania e a igualdade social (SOUTO et al., 2016).

Em seu primeiro plano operativo, no ano 2008, as ações se voltaram para a ampliação do acesso da população negra aos serviços de saúde, ao fortalecimento da formação profissional e educação permanente, à saúde desta população, à redução da violência em suas diversas interfaces, à utilização do quesito cor para produção de informações epidemiológicas e à identificação das necessidades da população negra, tomando-as como orientadoras das prioridades do planejamento (BRASIL, 2008).

Apesar da considerável contribuição no campo das políticas de inclusão, de seu delineamento operativo com objetivos amPublic Library of Science e impactantes desde sua nascente, como apresentado acima, a PNSIPN ainda possui poucos efeitos na vida da população negra.

Embora a primeira meta do seu primeiro plano operativo, datado de 2008, esteja fundada, dentre outras coisas, no fortalecimento do acesso da população negra, em pesquisa sobre a percepção desta população acerca da implementação da PNSIPN, realizada sete anos após, observou-se que grande maioria dos negros desconhece a política e qualquer uma de suas ações, além de desconhecer o local em que devem procurar atendimento quando houver necessidade (CHEHUEN NETO et al., 2015).

Tais elementos corroboram a fragilidade na existência de uma referência na responsabilização aos cuidados desta população, um frágil preparo dos serviços de saúde ante ao acolhimento e vinculação desta população, e, mais que isso, apontam a não materialização da PNSIPN no cotidiano dos serviços de saúde.

Destacamos ainda as fragilidades no acesso provocadas pelo encontro clínico, que atuam como barreiras ao uso eficaz dos dispositivos de saúde. O viés racial encontrado nestes equipamentos impossibilita ou degrada a experiência do contato com os serviços. A discriminação interpessoal perpetrada pelo profissional de saúde, a falta de identificação com a equipe, o sentimento de falta de acolhimento, de desrespeito, a incompreensão profissional de peculiaridades do processo saúde-doença das pessoas negras, a falta de compreensão sobre sua cultura e costumes, são algumas das questões que podem estar evidentes nos encontros entre usuário e profissional e impossibilitar a atenção a saúde integral, equitativa e justa (BRASIL, 2018).

Estes achados reafirmam a existência do racismo institucional nos espaços de saúde e apontam que mesmo com a implementação de uma política voltada para a população negra e combate do racismo, as ações materiais voltadas a superação deste problema ainda são incipientes (BRASIL,2018).

No contexto das relações terapêuticas estabelecidas entre população negra e serviços de saúde, é importante salientar a valorização das tradições afro-religiosas e das demais redes de apoio enquanto potencializadoras da promoção à saúde e da vinculação deste grupo aos dispositivos de saúde. Os temPublic Library of Science afro-religiosos apresentam-se como espaços de inclusão para os grupos historicamente excluídos, de acolhimento e de aconselhamento. Os rituais desenvolvidos nestes espaços possibilitam acolhimento, trocas afetivas através das relações interpessoais, produção de conhecimento, promoção da saúde, prevenção de renovação de tradições milenares, sobretudo por meio do uso das plantas medicinais (SILVA, 2007).

A Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO) é uma instância de articulação da sociedade civil que envolve adeptos da tradição religiosa afro-brasileira,

gestores e profissionais de saúde, integrantes de organizações não governamentais, pesquisadores e lideranças do movimento negro, e que atua em prol da promoção da saúde das pessoas vinculadas às religiões de matrizes africanas como ferramenta de controle social, capacitação e comunicação, na busca pelos direitos sociais e de saúde da população negra, com vistas ao combate às múltiplas discriminações e à valorização tradição religiosa afro- brasileira (SILVA, 2007).

Esta rede conta com mais de 300 organizações, divididas em 23 núcleos espalhados pelo país e representações em 12 estados, seus frequentadores buscam estes espaços para solucionar problemas de ordem emocional, frequentemente com sintomas físicos ou psicológicos, com necessidade de tratamento baseado na espiritualidade ou na ciência. A partir das demandas, eses centros atuam na resolução dos casos ou nos encaminhamentos dos indivíduos à rede de saúde tradicional, garantindo a vinculação da população negra ao SUS (SILVA, 2007).

A nível de gestão, estudo realizado através da análise dos documentos das políticas de promoção da equidade em saúde identificou dentre as dificuldades para a efetivação da PNSIPN: barreiras na sensibilização pelo governo federal dos níveis subnacionais para a incorporação das políticas de universalização e integralidade da assistência; dificuldades na pactuação das responsabilidades de financiamento entre as esferas de governo; o débil grau de organização dos movimentos sociais para elevar a pressão na implantação das políticas; e a sensibilização de profissionais para desenvolver técnicas de abordagem no atendimento dos grupos vulneráveis (SIQUEIRA et al., 2017).

Em 2014, quatro anos após a regulamentação da política, das 27 Unidades da Federação e 5.561 municípios brasileiros, somente 32 estavam com a PNSIPN implantada. Dentre as alternativas para a efetivação da política estão estabelecer uma coordenação da política, incluir a política nos instrumentos de gestão e definir indicadores de monitoramento e avaliação da PNSIPN (BATISTA; BARROS, 2017).

As dificuldades na implementação e a visibilidade de seus efeitos podem se relacionar ao seu curto tempo implementação, que não permitiu estágio de maturidade, devendo haver ampliação de sua inclusão nos currículos de formação e nas atividades de educação permanente entre trabalhadores (SIQUEIRA et al., 2017).

A manutenção das desvantagens nas condições de saúde e acesso aos serviços pela população negra, assim como sua não apropriação do aparato de garantia da equidade em saúde, torna evidente as dificuldades para a efetivação da PNSIPN e garantia de uma assistência com vistas à redução da desigualdade almejada para este grupo populacional. Essa

problemática evidencia a necessidade do aumento e sistematização de ações envolvendo os diversos atores da produção de assistência em saúde, para que a PNSIPN seja de fato uma realidade vivida pela população negra e prestadores de serviços de saúde no âmbito do SUS e para que transformações positivas no acesso e no perfil epidemiológico desta população negra sejam efetivamente alcançadas.

OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Analisar a dificuldade de acesso e a discriminação por raça/cor nos serviços de saúde brasileiros, considerando os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2013).

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Analisar a dificuldade de acesso aos serviços de saúde pela população brasileira e seus fatores associados a partir dos dados da PNS (2013).

• Analisar a discriminação por raça/cor praticada por prestadores de cuidados de saúde do Brasil, a partir dos dados da PNS (2013).

MÉTODO

4.1 TIPO DE ESTUDO

Trata-se de um estudo transversal, utilizando o banco de dados da mais recente Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do Brasil, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) junto ao Ministério da Saúde do país, no ano de 2013. A pesquisa é um inquérito de base domiciliar de âmbito nacional, que caracterizou a situação de saúde, estilos de vida, vigilância de doenças crônicas, fatores de risco, acesso e uso dos serviços de saúde da população brasileira, viabilizando meios para conhecer o perfil da população nesses quesitos (SOUZA-JUNIOR, 2013).

4.2 LOCAL DO ESTUDO

O Brasil está situado na América do Sul, e, de acordo com o último censo realizado, em 2010, apresenta 8515692,27 km2 de extensão distribuídos em 27 Unidades federativas e 5 565 municípios, e cerca de 67,5 milhões de domicílios e 190.732.694 milhões de pessoas; com estimativa de 201,5 milhões de pessoas em 2013, ano de realização da PNS, e de 204,9 milhões de pessoas em 2015 (IBGE, 2011; IBGE, 2014; IBGE, 2016b).

4.3 FONTE DE DADOS

Esta pesquisa avaliou dados da PNS de 2013, ano de realização da pesquisa mais recente. Realizada entre convênio do Ministério da Saúde (MS) e IBGE, a pesquisa é realizada a cada 5 anos, e é composta por dados do domicílio, dados de todos integrantes do domicílio, e dados individuais dos moradores com idade maior ou igual a 18 anos. Os dados utilizados neste trabalho são relativos ao morador adulto selecionado em cada domicílio e estão disponíveis no site do IBGE (www.ibge.gov.br). As análises foram realizadas no período de maio de 2018 a junho de 2018.

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