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Propostas para continuidade do trabalho

4. CONCLUSÃO

4.2 Propostas para continuidade do trabalho

Se a hipótese e os objetivos foram satisfeitos, o trabalho está, por hora, encerrado. Mas o

material de análise não está esgotado. Muito ainda é possível encontrar nessas transcrições.

Talvez a mais importante delas seja a fundamentação da metodologia de análise e

compreensão da obra musical a partir da relação com os parâmetros do som. Para isso, talvez

fosse necessária a revisão de todos os conceitos sobre as propriedades da música (Campo de

Tessitura, Tempo, Sistema de Referência etc), de modo a defini-los com coerência técnica e

filosófica, ainda que para provar que as definições contidas nessas transcrições estão corretas – o

que não foi uma preocupação deste trabalho. Estabelecer, ainda, uma fundamentação dessa

possível teoria como fruto inequívoco da filosofia marxista, e assim por diante. Seria um trabalho

longo e mais amplo que uniria mais profundamente dois ramos do conhecimento (a Filosofia e a

Música).

Pode-se fazer, ainda, partindo-se dessa concepção materialista dialética, um trabalho mais

agudo sobre a percepção musical, por meio da fenomenologia. A percepção musical como foco

de um trabalho fenomenológico com fundo materialista dialético da História poderia ter

interessante resultado já que, sabidamente, a História da Música também é uma História da

percepção musical (ela também se transformou em relação com o material e a prática musical).

Outra alternativa seria analisar aspectos pedagógicos do trabalho em questão. Ou ainda

“adaptar” a maneira de ensinar música para crianças, a partir de uma prática na sala de aula que

permitisse uma reflexão sobre os problemas musicais. Também seria possível estudar o uso de

uma concepção materialista dialética da História no processo pedagógico.

A seção sobre a problemática do material mostra a quantidade de informações que se pode

buscar em uma fonte de pesquisa tão rica e sistematizada sobre a Linguagem Musical. Mas não é

só para isso que serve este espaço.

Aqui também pode-se dizer que o materialismo dialético, para o compositor, professor e

pensador Willy Corrêa de Oliveira é muito mais do que foi possível mostrar aqui. Willy utiliza-se

do conceito de que apropriar-se dessa filosofia como guia para a ação e vivê-la verdadeiramente

é “ir ao fundo das coisas”. Expor as contradições do fenômeno a nu e observando suas relações

intrínsecas e extrínsecas, principalmente sendo contra o capitalismo. Ser marxista é, para Willy,

antes de tudo, ser anti-capitalista com consciência, “mudando”, mas sem perder esse “norte”. E

essa luta a favor de uma mudança social é claramente identificada nas aulas, quando ele nunca

deixa de dizer os “nomes das coisas”: deixando claras as características, contradições e

dificuldades do mundo capitalista.

Sua própria vida, sua história pessoal, é dialética; e esse poderia ser uma outra

continuação do trabalho: uma biografia sem rancores, discutindo seu envolvimento com grupos

revolucionários (como os Trabalhadores Rurais Sem Terra, por exemplo, cujo hino foi composto

por Willy e escolhido, dentre outros, como seu representante), em contraposição dialética com os

movimentos de vanguarda dos quais tomou parte. Neste sentido, uma biografia com

fundamentação materialista dialética, poderia ser uma visão diversa das encontradas hoje nos

trabalhos desse tipo sobre ele.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP

INSTITUTO DE ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

ANEXOS

Willy Corrêa de Oliveira:

por um ouvir materialista histórico

Dissertação de Mestrado

Mestrando: Alexandre Ulbanere

Orientador: Prof. Dr. Alberto T. Ikeda

São Paulo Junho/2005

SUMÁRIO

ANEXO I – Transcrição do Curso “ Linguagem e Estruturação Musicais I”

Aula I_1/14 Data: 28/02/2000 ... 5

Aula I_2/14 Data: 13/03/2000 ... 8 Aula I_3/14 Data: 20/03/2000 ... 13 Aula I_4/14 Data: 27/03/2000 ... 19 Aula I_5/14 Data: 03/04/2000 ... 24 Aula I_6/14 Data: 10/04/2000 ... 26 Aula I_7/14 Data: 24/04/2000 ... 28 Aula I_8/14 Data: 08/05/2000 ... 32 Aula I_9/14 Data: 10/05/2000 ... 35 Aula I_10/14 Data: 22/05/2000... 38 Aula I_11/14 Data: 05/06/2000... 41 Aula I_12/14 Data: 12/06/2000... 43 Aula I_13/14 Data: 19/06/2000... 46 Aula I_14/14 Data: 26/06/2000... 48

ANEXO II – Transcrição do Curso “ Linguagem e Estruturação Musicais II”

Aula II_1/12 Data: 18/09/2000... 53 Aula II_2/12 Data: 25/09/2000... 54 Aula II_3/12 Data: 02/10/2000... 59 Aula II_4/12 Data: 09/10/2000... 61 Aula II_5/12 Data: 23/10/2000... 65 Aula II_6/12 Data: 30/10/2000... 68 Aula II_7/12 Data: 06/11/2000... 69 Aula II_8/12 Data: 13/11/2000... 73 Aula II_9/12 Data: 20/11/2000... 76 Aula II_10/12 Data: 27/11/2000... 79 Aula II_11/12 Data: 04/12/2000... 82 Aula II_12/12 Data: 11/12/2000... 83

ANEXO III – Transcrição do Curso “ Linguagem e Estruturação Musicais III”

Aula III_1/13 Data: 02/03/2000... 88 Aula III_2/13 Data: 09/03/2000... 90 Aula III_3/13 Data: 16/03/2000... 94 Aula III_4/13 Data: 23/03/2000... 97 Aula III_5/13 Data: 30/03/2000... 100 Aula III_6/13 Data: 06/04/2000... 104 Aula III_7/13 Data: 13/04/2000... 106 Aula III_8/13 Data: 04/05/2000... 109 Aula III_9/13 Data: 11/05/2000... 111 Aula III_10/13 Data: 18/05/2000... 113 Aula III_11/13 Data: 25/05/2000... 116 Aula III_12/13 Data: 01/06/2000... 116 Aula III_13/13 Data: 15/06/2000... 120

ANEXO IV – Transcrição do Curso “ Linguagem e Estruturação Musicais IV”

Aula IV_1/09 Data: 21/09/2000... 123 Aula IV_2/09 Data: 28/09/2000... 127 Aula IV_3/09 Data: 05/10/2000... 129 Aula IV_4/09 Data: 26/10/2000... 131 Aula IV_5/09 Data: 09/11/2000... 135 Aula IV_6/09 Data: 16/11/2000... 139 Aula IV_7/09 Data: 23/11/2000... 142 Aula IV_8/09 Data: 07/12/2000... 144 Aula IV_9/09 Data: 14/12/2000... 146

ANEXO V – Transcrição do Curso “ Linguagem e Estruturação Musicais V”

Aula V_1/16 Data: 29/02/2000... 149 Aula V_2/16 Data: 14/03/2000... 152 Aula V_3/16 Data: 21/03/2000... 154 Aula V_4/16 Data: 28/03/2000... 158

Aula V_5/16 Data: 04/04/2000... 162 Aula V_6/16 Data: 11/04/2000... 165 Aula V_7/16 Data: 25/04/2000... 168 Aula V_8/16 Data: 02/05/2000... 170 Aula V_9/16 Data: 09/05/2000... 171 Aula V_10/16 Data: 16/05/2000... 173 Aula V_11/16 Data: 23/05/2000... 177 Aula V_12/16 Data: 30/05/2000... 181 Aula V_13/16 Data: 06/06/2000... 185 Aula V_14/16 Data: 13/06/2000... 187 Aula V_15/16 Data: 20/06/2000... 189 Aula V_16/16 Data: 27/06/2000... 190

ANEXO VI – Transcrição do Curso “ Linguagem e Estruturação Musicais VI”

Aula VI_1/14 Data: 19/09/2000... 193 Aula VI_2/14 Data: 26/09/2000... 195 Aula VI_3/14 Data: 03/10/2000... 199 Aula VI_4/14 Data: 10/10/2000... 203 Aula VI_5/14 Data: 24/10/2000... 205 Aula VI_6/14 Data: 31/10/2000... 207 Aula VI_7/14 Data: 07/11/2000... 209 Aula VI_8/14 Data: 14/11/2000... 211 Aula VI_9/14 Data: 21/11/2000... 214 Aula VI_10/14 Data: 28/11/2000... 219 Aula VI_11/14 Data: 05/12/2000... 222 Aula VI_12/14 Data: 12/12/2000... 225 Aula VI_13/14 Data: 15/12/2000... 228 Aula VI_14/14 Data: 19/12/2000... 232

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP

INSTITUTO DE ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

ANEXO I

Curso: Linguagem e Estruturação Musicais I

Willy Corrêa de Oliveira:

por um ouvir materialista histórico

Dissertação de Mestrado

Mestrando: Alexandre Ulbanere

Orientador: Prof. Dr. Alberto T. Ikeda

São Paulo Junho/2005

Escola de Comunicações e Artes – ECA - USP Curso: Linguagem e Estruturação Musicais I

Prof. Willy Corrêa de Oliveira Transcrição: Alexandre Ulbanere

Aula I_1/14 Data: 28/02/2000

Como Chopin pode nos interessar ainda hoje?

Após algumas digressões introdutórias e o recolhimento de algumas mostras de respostas dos alunos, falou:

Em primeiro lugar, devemos entender que cada época olha para a História de maneira diferente.

Mozart conhecia um barão que gostava muito de música barroca e pediu para que ele fizesse arranjos de Bach e Haendel. E por que arranjos? Porque já havia existido a Escola de Mannheim, que tinha trabalhado a orquestra clássica sob perspectiva diversa do conjunto barroco. Portanto, pensar no conjunto barroco àquela altura, era inconcebível. Talvez pela primeira vez na história, tenha-se começado a pensar na História.

Um outro exemplo: O que conhecia Jannequin de Machaut? Provavelmente nada. No entanto, hoje vivemos às custas do passado. Por que Chopin ainda nos interessa? Há de se pensar, portanto, na educação musical de hoje. E, principalmente, em como é contada a História da Música. Até onde essas Histórias ou essa educação musical de hoje, faz e responde tais perguntas?

Devemos ter uma visão crítica dessas questões para, não só formula-las, mas também respondê-las.

Cada época olha para o passado de maneira diferente. Fazer como Bach fazia é impossível.

Há uma estória de um homem que, ao ler Dom Quixote, apaixonou-se pelo livro de tal sorte, que durante muitos anos, apenas leu esse mesmo livro. Acabou viajando à Espanha e conheceu a cidade onde nasceu Cervantes, andou em carroças da época, ocupou-se com as roupas da época, enfim, passou a vida a dedicar-se à época de Cervantes. Sabia tudo sobre Cervantes: desde o modo de vida do homem da época, seus costumes, suas crenças, seu modo de locomoção, como utilizar uma armadura, tudo.

No fim da vida, resolveu escrever um livro, como último ato. O coroamento de décadas dedicadas a um único objeto. Enfim, escreveu Dom Quixote: com todas as letras e virgulas e pontos. O mesmíssimo livro.

Ora, mesmo cientes de que não respiramos o mesmo ar de Cervantes, e se mesmo assim quisermos estudar a música de sua época, façamos quase com o mesmo afinco e dedicação com que o personagem de Borges fez com relação ao Quixote.

Então, há duas maneiras de encarar a pergunta "Pode Chopin nos interessar até hoje?". E ambas vêm da idéia de que co-habitam no homem dois caracteres distintos, isto é, o homem tem duas características distintas: O caráter social, coletivo; e o caráter individual, subjetivo.

Há coisas que só individualmente podemos fazer. Comer e ir ao banheiro são dois bons exemplos. Ninguém poderá fazer isso por você. Outras devem ser feitas coletivamente. Viver é uma delas. Para nascer, você já precisou de mais pessoas. Portanto, esse lado coletivo é tão importante quanto o individual.

Nossa educação familiar também deve ser criticada por nós quando falamos de algo coletivo. Se alguém pergunta "Por que Chopin nos interessa ainda hoje?", a resposta musicalmente concreta jamais poderá ser "Porque gosto de Chopin". Essa resposta é meramente uma opinião particular e não trará benefício ao coletivo. Pelo contrário, atrasará o desenvolvimento do conhecimento, pois gostar é um conceito pessoal. Serve à parte individual. Portanto, deve ser tratada como tal.

Wittgenstein, um pensador fundamental para a compreensão da linguagem, definiu certos parâmetros para a sua compreensão:

a) Há coisas que eu posso dizer, então devo dizê-las. (Dizer o dizível.) Sem ludibriar o interlocutor. Deve-se ter objetividade e clareza quanto ao que se quer dizer.

b) Há coisas que não se pode dizer, mas podem ser mostradas. Então, deve-se mostrar. (Mostrar o mostrável.)

c) Há coisas que não se pode dizer e nem mostrar. Então, deve-se calar. (É preciso calar.) Existe, na execução musical, algo próximo do mostrável: a interpretação musical, por exemplo. E há algo no plano do sentimento (a definição de saudade, por exemplo, não pode ser dada.) que não pode ser atingido pela linguagem verbal. E há, por outro lado, uma possível gravação eletroacústica realizada pelo próprio compositor, que pode ser um exemplo daquilo que pode ser dito e pode ser dito. Há de se cuidar para que o que se quer dizer, tenha significado.

Portanto, para olhar o passado concretamente, deveríamos estar lá. Mas há como investigar, analisando a parte coletiva. Rever a parte coletiva e pessoal. É assim que devemos olhar o passado. Então: Como pode Chopin interessar-nos hoje?

1) Alguns anos antes de Chopin nascer, houve a revolução francesa. Essa revolução trouxe ao mundo novos valores. Anteriormente, tinha valor o parentesco. Se o homem fosse parente da Família Real, tinha importância, poder. Os outros, estavam excluídos. Com a Revolução todos poderiam ter o acesso ao poder, desde que tivessem dinheiro. E o individualismo, era uma questão importante nessa época porque, justamente após a Revolução, o homem teria possibilidade de ascender socialmente. Poderia ser "ele mesmo", ou seja, teria possibilidades. Hoje, isso é caquético. Em um mundo cheio de individualistas, sobra lugar para poucos. O resultado está diante de nossos olhos. Basta perceber a sociedade em que vivemos. A individualidade, 50 anos antes de Chopin nascer, não tinha a menor importância. Um exemplo disso, é que muito pouco se sabe dos músicos do passado, a não ser registros de cartório. Datas, apenas. Eles tinham uma função e cumpriram-na. Com a revolução, passou-se a dar importância à individualidade. E hoje, só a ela.

2) Com a Revolução Burguesa, fortaleceu-se o espírito nacionalista. Antes da Revolução, era- se súdito do Rei: se ele se casasse com a Rainha de outro país, os dois países se tornavam um só. Somente com o capitalismo é que o nacionalismo tornou-se importante. E a música de Chopin está impregnada da música folclórica polonesa. [O professor assobia canções folclóricas polonesas e chama a atenção para os rubatos.] Quem nunca ouviu essas e outras tantas canções polonesas, não poderá tocar Chopin corretamente. Peçam a seus professores de piano para que eles cantem algumas dessas canções. Quantos saberão?

Um outro exemplo disso é o próprio romantismo: Schumann é diferente de Chopin, porque o romantismo é alemão. E está impregnado do folclore e das tradições alemãs.

Para entender melhor, façamos um apanhado histórico: o Rei mantinha músicos, apesar de saber música. Por que? Porque nem sempre saber música significa fazê-la bem. Para fazer, há de se ter dedicação e imaginação. A Família Real estudava a linguagem musical, mas nem sempre produzia a contento, tanto na qualidade, como na quantidade. Há inúmeros exemplos de músicos que acompanhavam seu Rei até aos campos de batalha (Lassus). Ou que suavam muito até fazer algo que agradasse ao Rei (vide o encontro de J.S. Bach com Guilherme I, da Prússia.). Esses músicos (pequenos burgueses) tinham sua individualidade, mas deveriam agradar a alguém (a relação produção/consumo estava em fase, uma acompanhava a outra). Fazia-se para o consumo de alguém, que o músico conhecia e deveria agradar. Com a revolução, essa relação produção/consumo se acabou, porque a burguesia (que tomou o poder) não conhecia a Linguagem Musical tão bem como o Rei, porque precisava trabalhar (o que o Rei nunca fazia) e porque, alijada do poder, engendrou uma maneira de detê-lo: acumular riquezas. Para isso, não teve tempo de estudar música.

Mas os músicos continuaram a existir, e a fazer música, e a burguesia (agora no poder) apreciava, percebendo (sentindo) os novos elementos infiltrados pela Revolução. Isto é, reconheciam os vários compositores (individualismos) e os elementos nacionalistas que impregnavam suas peças.

Nesse ponto, poderemos responder à pergunta inicial: "Pode Chopin interessar-nos hoje? Por que?".

1) Pode e deve interessar-nos hoje, porque é um dos músicos mais criativos da História. Desde o século XIX, a História se encerrou, isto é, o contato entre o público e o compositor deixou de existir. A maneira que era fundamental (tonalismo) de encarar as alturas, sofreu mudanças e se fragmentou.

A Música depende, para sua inteligibilidade, de um sistema de referência de permeio entre o público, o compositor e o intérprete. Portanto, tem-se o jogo dialético: Sistema de Referência (o que confere à Música universalidade, por exemplo, o sistema tonal) X individualidade (criatividade). E só quando há o público, esse jogo está em equilíbrio.

2) Mesmo sem um sistema de referência de permeio (o tonalismo já entrara em decadência), Chopin foi o músico que mais se comunicou com o mundo inteiro.De qualquer modo, maciços recortes advindos da música tonal, ainda estavam em jogo, o que facilitava a compreensibilidade, mesmo levando-se em consideração as novidades das influências da música polonesa e a originalidade de seu estilo em sua música. Percebe-se a influência de Chopin nos Estados Unidos, no Brasil, na Rússia, enfim, em toda a Europa, seguramente e em outras tantas partes do mundo. Isso significa que Chopin soube dizer algo e todo mundo o entendeu sem que ele banalizasse o processo. Exemplos:

[a) Toca a Mazurka op.68 n0 4 e pede para que ouçam a harmonia: como Chopin tem uma

maneira diferente de organizar as alturas, com cromatismo requintado; como harmoniza o cromatismo; como ele tem domínio da melodia e, com ela, surpreende a todo instante.

b) Toca uma dança popular polaca e pede para que ouçamos, nesse caso, um modalismo típico polonês.]

Portanto, devemos abordar as coisas sob a égide do conhecimento (e não do gosto pessoal). Pegar as coisas, analisá-las em separado, e depois reuni-las outra vez; porque tudo se relaciona (Música, sociedade, indivíduo, etc). Então, percebemos que Chopin trouxe do coletivo a música polonesa e o "mal do século": uma hipocrisia estrutural com a qual se vivia

àquela época. Falava-se em liberdade, igualdade e fraternidade, mas crianças trabalhavam em fábricas dezoito horas por dia; o povo passava fome, não tinha educação eficiente, etc. Falava- se uma coisa e vivia-se outra.

Então, a resposta: Chopin pode interessar-nos ainda hoje. Mas somente entendendo o contexto social em que ele estava imerso.

E o que explica sua ressonância mundial àquela época? O modo polonês de ser traz um sentimento de tristeza profunda (tristeza da tristeza), e que a palavra polonesa “zal”,traduz tão bem; e traz, também, um orgulho polaco muito forte, expresso na gestualidade de sua música.

Aula I_2/14 Data: 13/03/2000

Tentamos justificar, no último encontro, porque Chopin pode nos interessar ainda hoje. E de modo efetivo, chamando a atenção para alguns aspectos importantes, como seu modo de pensar a harmonia, o imaginar para piano, etc.

Então vamos a mais um exemplo. [Toca, ao piano, o Prelúdio no4 em mi menor.] Pergunta: "O que falaríamos disso?" [Classe em silêncio. Depois de algumas tentativas, uma aluna responde "É bonito."] "Mais alguma coisa?"[ Um aluno diz "Chega fácil.", outro: "A interpretação é fundamental, porque senão fica muito simples. Há de se ter cuidado com os contrastes (piano/forte, por exemplo); outro: "às vezes eu penso que ele vai tentando passar a harmonia por vários lugares a partir de duas notas fixas na melodia, como essas coisas que a gente vai deixando para resolver na vida (as duas notas) e a harmonia é o tempo que vai passando." Outro: "A beleza dessa música está no desenvolvimento harmônico." E Outro: "No desenrolar harmônico vão surgindo cores, sucessão de sensações." Willy responde:]

No outro encontro, vimos que Wittgenstein, um pensador da linguagem que pensou-a até às últimas conseqüências, fez três colocações fundamentais a respeito desse assunto, as mais importantes:

O que pode ser dito deve ser dito. Isto é, dizer as coisas concretamente. As que podem ser ditas, devem ser ditas concretamente.

O que não pode ser dito, mas pode ser mostrado, deve ser mostrado. Devo exibir o que pode ser mostrado.

O que não se pode dizer, nem mostrar, deve-se calar.

Este é o último estágio na análise da linguagem. A última conseqüência. A partir disso, pensamos sobre as colocações.

Quando dizem que "chega fácil", ou "é fácil", bem, isto está dito concretamente. Eu posso ter dúvidas se isso é verdade, mas está dito concretamente. Quando dizem que a interpretação é fundamental, eu digo mais. Digo, concretamente, que ela é fundamental em qualquer peça, porque uma música não existe a não ser que seja tocada. A partitura é apenas um projeto. Quando dizem que o tempo vai passando e ainda não resolvemos as coisas, veja: alguém mais teve essa idéia quando ouviu a música? [Classe em silêncio] Bem, isso é muito subjetivo. É uma projeção sua na peça. Portanto, essa resposta não esclarece a peça. E quando dizem que vão surgindo cores musicais, eu digo que isso realmente não quer dizer nada, porque se eu digo "azul", preciso ter uma amostra comparativa de azul. As cores são subjetivas já de antemão. Se eu já não as defino, isso é ainda pior. Quando se trata de "cores

musicais", isto realmente não tem nenhum sentido concreto, porque, a rigor, a música não tem cores.

Mas voltemos ao "chega fácil". Será que chega mesmo fácil? Ou apenas aceitamos mais facilmente porque nos acostumamos. Quantas vezes já não ouvimos isso? Mas, será que entendemos a idéia musical? O que o compositor quis dizer? Ou estamos sempre projetando algo sobre a peça? Para dizer se chega fácil, devemos dizer, concretamente, as coisas que podem ser ditas sobre essa peça. Outras coisas não podem ser ditas, apenas indicadas. Então devo mostrá-las (tocá-las). Por exemplo: se eu ouço uma música hindu, como posso dizer que