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3.2 Produção legislativa da Bancada da Bala

3.2.2 Proposições sobre segurança pública

3.2.2.2. Propostas estruturantes versus pontuais

Após o detalhamento dos temas das proposições de autoria dos deputados da Bancada da Bala, é fundamental fazer uma análise mais apurada destas propostas. Isto para verificar se os parlamentares que priorizam segurança pública em seu mandato propõem projetos que buscam fazer alterações mais substanciais neste campo.

Contudo, antes de apresentar esta análise, é importante esclarecer o que é o sistema de justiça criminal (SJC) brasileiro. Em suma, tal como apontado por Ferreira e Fontoura (2008), o SJC possui três frentes principais de atuação – segurança pública, justiça criminal e execução penal – e abrange vários órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário nas três esferas de governo – federal, estadual e municipal. No âmbito federal da segurança pública, os órgãos envolvidos são o Ministério da Justiça e os seus Conselhos, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal. Nesta mesma frente, no âmbito estadual, estão as Secretarias Estaduais de Segurança Pública, as Polícias Civis e Militares, Corpo de Bombeiros e a Polícia Técnico-Científica – quando separada da Polícia Civil. Por fim, o nível municipal da segurança pública é formado pelas Guardas Municipais.

A segunda frente do SJC, justiça criminal, é formada, no âmbito federal, por juízes federais, Tribunais Regionais Federais, Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União. No âmbito estadual, a justiça criminal é composta por juízes estaduais, Tribunais de Justiça, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas Estaduais. Finalmente, a terceira frente do SJC é a de execução penal, que, no nível federal, engloba o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o Departamento Penitenciário Nacional, o Ministério Público Federal, os presídios federais e os órgãos da justiça federal envolvidos na execução penal. No nível estadual, os órgãos de execução penal são Juízo da Execução, Ministério Público, Conselho Penitenciário, Conselho da Comunidade, Patronato e os departamentos penitenciários locais70 (FERREIRA; FONTOURA, 2008).

Este breve mapeamento dos órgãos que compõem o sistema de justiça criminal brasileiro já consegue dar uma ideia da complexidade do sistema, que envolve agentes governamentais das três esferas da federação, bem como agentes não governamentais, como os representantes da sociedade civil que compõem os Conselhos do SJC. Sendo assim, ao

retomar a literatura especializada, os pesquisadores da área constatam que o Brasil possui um sistema de justiça criminal desarticulado, de modo que as soluções apresentadas, em sua grande maioria, ressaltam a necessidade da reestruturação da relação entre os atores do SJC. Para exemplificar isso, a presente dissertação irá discorrer brevemente sobre as conclusões de três trabalhos que buscaram apontar soluções para a crise da segurança pública brasileira. A primeira pesquisa detalhada aqui é a de Rolim (2007), que observou que as políticas de segurança existentes no Brasil são resultado de uma sequência de improvisações e reações às pressões da opinião pública. Estas, por sua vez, têm causado descontrole, incapacidade gerencial e enormes desperdícios de recursos públicos, gerando uma ineficiência generalizada no setor. Assim, o autor concluiu que as responsabilidades devem estar divididas entre polícias, governos e universidades:

pode-se afirmar que as universidades brasileiras não alcançaram uma interação efetiva com as polícias e que não influem decisivamente para a seleção das políticas públicas na área. Na outra ponta, os governos raramente recorreram às universidades para projetos integrados à segurança pública, e as possibilidades de mobilizar a pesquisa acadêmica para conhecer os temas da criminalidade e da violência, ou para avaliar a própria atividade policial, foram e seguem sendo subestimadas pelos gestores. As instituições policiais, por seu turno, tendem a ver a aproximação com as universidades como uma desvalorização das competências e saberes profissionais de seus membros (ROLIM, 2007, p. 38-39).

Rolim prossegue afirmando que as inovações introduzidas na área de segurança pública em outros países surgiram a partir de um contexto de interação crescente entre as atividades dos policiais, agências governamentais, comunidade e academia. Esse contexto possibilitou a racionalização e a modernização do campo da segurança pública, fato que ainda não ocorreu no Brasil, segundo o autor, principalmente pela ausência da articulação entre esses atores.

Ao estudar mais especificamente o sistema prisional brasileiro, Homerin (2017), ressaltou que, ainda que medidas incrementais sejam importantes, qualquer medida só conseguirá diminuir a tensão do sistema se encontrar o respaldo do conjunto de atores envolvidos. Ou seja, faz-se necessário uma atuação convergente entre gestores públicos (União e estados), operadores do sistema de segurança e justiça (polícias, judiciário, Ministério Público e Defensoria) e Poder Legislativo em prol da melhoria dos indicadores da segurança pública brasileira. A autora concluiu que esforços que não tenham uma visão de política pública integrada não são capazes de alterar a lógica de funcionamento do sistema

de justiça criminal do Brasil. Portanto, “mudanças incrementais desconectadas de uma tomada de consciência sobre a responsabilidade compartilhada da atuação dos órgãos do legislativo e do judiciário não terão impacto na redução do fluxo de entrada para o sistema prisional” (HOMERIN, 2017, p. 42). Sistema que, atualmente, contribui para a manutenção dos estigmas e o agravamento das desigualdades preexistentes no Brasil, consequentemente, retroalimentando o ciclo de violência (HOMERIN, 2017).

Outro trabalho que apresenta conclusões sobre a importância de criar mecanismos de articulação entre os atores do SJC é o de Azevedo (2016). O autor explica o papel das polícias e a relação delas com o sistema judiciário, relatando os descontentamentos existentes dentro das próprias carreiras policiais e nas relações entre a polícia judiciária e o restante do sistema judiciário. O resultado é de um sistema ineficiente devido à duplicação de gastos e estruturas e aos problemas de relacionamento entre as instituições. Azevedo conclui então que é necessário “repensar as relações institucionais entre as polícias e destas com o Ministério Público e o Poder Judiciário, e redefinir as atribuições de cada um destes órgãos no sentido do aperfeiçoamento dos mecanismos de apuração e processamento dos eventos criminais” (AZEVEDO, 2016, p. 19).

A partir dessas pesquisas, é possível perceber que ainda que os especialistas possuam sugestões diferentes para reduzir a crise na segurança pública brasileira, as suas propostas perpassam pela ideia de necessidade de alteração da relação entre os atores do sistema de justiça criminal. Sendo assim, pretende-se analisar aqui se as proposições apresentadas pelos deputados da Bancada da Bala têm essa perspectiva mais estruturante, isto é, de alterar a relação entre os atores do SJC. Importante ressaltar que o mérito das propostas não será analisado, elas serão apenas classificadas como estruturantes (se mudarem a relação entre os agentes ou instituições) e pontuais (se não mudarem).

Assim, para esta segunda análise, foram considerados apenas os projetos sobre legislação penal, sistema prisional/socioeducativo, profissionais das forças de segurança e outros temas, totalizando 323 proposições. Considerou-se que os projetos sobre financiamento, política de armas, política de drogas, segurança privada e sistema de dados já dispunham sobre propostas específicas para a segurança pública e, por isso, não participaram desse segundo levantamento. O resultado dessa segunda análise é apresentado no gráfico a seguir:

Gráfico 34. Proposições estruturantes versus pontuais

Fonte: Elaboração própria.

Das 323 proposições, apenas sessenta (19%) foram classificadas como estruturantes, pois alteravam a relação entre atores do sistema de justiça criminal. As demais, que correspondiam à grande maioria das propostas (81%), foram identificadas como pontuais, pois buscavam fazer alterações específicas na legislação penal, no sistema prisional/socioeducativo ou na carreira dos profissionais das forças de segurança. Ao separar as proposições por temas, a proporção continua bem semelhante: dentro de legislação penal, 89% dos projetos foram classificados como pontuais e 11% como estruturantes; sobre sistema prisional/socioeducativo, a proporção ficou de 86% de pontuais contra 14% de estruturantes, proporção idêntica à encontrada nos projetos sobre profissionais das forças de segurança. Por fim, com relação às proposições sobre outros temas, 91% delas foi identificada como pontual e 9% como estruturante. Isto indica que os deputados da Bancada da Bala estão mais preocupados em formular leis que concedam benefícios específicos para membros das carreiras das forças de segurança do que apresentar propostas que alterem o modelo policial vigente, por exemplo.

Este resultado aponta para o fato de que, apesar das indicações dos especialistas sobre a necessidade de alterações estruturais entre os atores do SJC, os deputados que priorizam o tema na Câmara Federal parecem continuar insistindo em propostas pontuais. É claro que não é possível desconsiderar a necessidade de medidas incrementais para mitigar a crise da segurança pública no curto prazo, mas a proporção dos projetos apresentados pelos

19%

81%

deputados da Bancada da Bala está longe de ser equilibrada. O levantamento mostrou que o seu esforço legislativo está muito mais voltado para proposições pontuais, que representam em torno de 80% do total de propostas, do que para projetos que buscam mudar a relação entre os atores do SJC.

O distanciamento entre legisladores e pesquisadores da área de segurança pública e criminalidade já foi percebido em trabalhos anteriores sobre o Congresso Nacional brasileiro. Tal como mencionado na primeira seção do capítulo, a pesquisa de Gazoto (2010) concluiu que as exposições de motivos dos projetos analisados por ele não possuíam dados empíricos que justificassem a posição dos seus autores. Ademais, frequentemente, “os parlamentares deixam expresso que suas preocupações decorrem de leituras de jornais e influência da mídia, em geral” (GAZOTO, 2010, p. 282). Conclusão similar foi apreendida por Frade (2007), que entrevistou lideranças do Congresso Nacional sobre as fontes de informação através das quais obtinham dados sobre a criminalidade. A autora constatou que a mídia foi o principal material de leitura para a quase totalidade dos entrevistados e que revistas científicas sobre o tema formaram o material menos consultado, sendo forte a ideia de que o conhecimento do dia-a-dia é o que deve prevalecer, o que, por sua vez, indica “falta de abertura para o aprofundamento da matéria e mudança de visões adquiridas” (FRADE, 2007, p. 116). Este aspecto também foi identificado ao longo das entrevistas com os deputados da Bancada da Bala, cujos resultados serão apresentados no próximo capítulo.

4 A BANCADA DA BALA POR ELES MESMOS: ANÁLISE DAS

ENTREVISTAS