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CAPÍTULO 2 O MÉDIO RIO DOCE

2.2 PROPRIEDADE E PADRÃO DE VIDA NO SERTÃO DO RIO DOCE

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Príncipe de Neuwied, Saint-Hilaire e Steains foram devidamente apresentados na introdução.

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A iniciativa da fazenda, constituída por capitalistas, não trouxe desenvolvimento para o meio rural do Sertão Rio Doce, assim como levou a população tradicional a um desequilíbrio39 por não poderem mais recriar as condições sociais de sobrevivência.

No decorrer da década de 1950, foram realizados dois importantes trabalhos no Sertão do Rio Doce: uma pesquisa do antropólogo Kalervo Oberg, em 1952, no distrito de Chonin, cidade de Governador Valadares, como enviado do Institute of Social Anthropology of the

Smithsonian Institution, para acompanhar a implantação de projetos de cooperação

internacional e o trabalho de Carlo Castaldi, nos anos de 1955-56, no distrito de Catulé, cidade de Malacacheta (Vale do Mucuri) que, juntamente com Carolina Martuscelli e Eunice Todescan Ribeiro, foram enviados, pela USP, para a região com a finalidade de estudar um grupo de trabalhadores, membros da igreja do Adventismo da Promessa, que assassinaram quatro crianças e torturam diversos membros desse grupo, dizendo que eles estavam possuídos pelo demônio.

O estudo de Oberg (1956, p. 20, tradução da autora), acerca do bairro rural de Chonin, traça um panorama do padrão de vida do sertão. A ocupação das terras da região está intimamente ligada à busca de terras no final do século XIX, com um processo de colonização lento devido à falta de estradas. As pessoas que fizeram a primeira entrada (prente de expansão) vinham das áreas vizinhas e adentravam na mata a procura de terras para fugir da sina de se tornarem parceiros ou agregados. Essas migrações eram realizadas por grupos de famílias e a falta de facilidades sociais exigia a cooperação e os laços de parentesco eram uma unidade natural de cooperação. O autor ainda trouxe resquícios desse imaginário produzido pelas expedições estrangeiras no século XIX. Assim como os viajantes do século XIX, o autor tem posicionamentos assentados em preceitos morais de civilidade europeia. Apesar do etnocentrismo apresentado pelo autor e dele considerar a população como pobre, ignorante e ociosa o valor do trabalho estar em ser uma pesquisa etnográfica, ou seja, um testemunho perpassado pelos valores morais do antropólogo.

Precisa-se entender a atuação do antropólogo para além de sua atuação científica. Ele foi enviado para a região pelo Institute of Social Anthropology of the Smithsonian Institution (IAS), no ano de 1952. A Smithsonian Institution, segundo Regina Érica de Domingos Figueiredo (2010, p. 238-251), foi responsável por acordos de cooperação entre pesquisadores

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Entende-se o desequilíbrio embasado nos estudos de Antonio Candido (1971, p. 171,176-177 e 223), para quem a expansão do mercado capitalista no meio rural leva o trabalhador rural a tentar manter o equilíbrio ecológico embasado no padrão de vida tradicional; a mobilidade e a parceria têm uma função importante nesse momento, pois permitirá que ele mantenha o mínimo vital, porém quando se vê impossibilitado de manter estes mínimos acontece o desequilíbio e a crise.

norte-americanos e países da América Latina. A instituição, e seus intelectuais, cooperavam com o Comitê de Guerra dos Estados Unidos, produzindo informações estratégicas sobre recursos naturais importantes militarmente. A cooperação entre o Instituto e o Comitê de Guerra continuou após o fim da Segunda Guerra, com a criação do IAS. Os acordos de cooperação com as Universidades Latino-americanas eram estabelecidos através das embaixadas norte-americanas e seus intelectuais eram considerados representantes do Governo dos EUA, sendo que os trabalhos produzidos passavam por revisão de inspetores de atividades culturais do Governo americano. Dentro desse contexto o Antropólogo esteve na região acompanhando um projeto implantado pelos Acordos de Washington.

A frente de expansão que ocupou o sertão no decorrer do século XIX era egressa das áreas de ocupação antiga e essa ocupação foi extremamente lenta, por isso ainda no final do século XIX a região tinha uma ocupação rarefeita com enormes áreas em florestas. Cabe aqui uma reflexão sobre a frente de expansão e a frente pioneira. O sociólogo José de Souza Martins (1996, p. 31) define a frente de expansão como fronteira demográfica e a frente pioneira como fronteira econômica. Essa última tem o sertão como uma fronteira demográfica; ela avança sobre as terras indígenas cumprindo um papel ‘civilizacional’. Para Martins,

Tradicionalmente, a frente de expansão se movia e excepcionalmente ainda se move, em raros lugares, em consequência de características próprias da agricultura de roça. Trata-se de um deslocamento lento regulado pela prática da combinação de períodos de cultivos e períodos de pousio da terra. Depois de um número variável de anos de cultivo do terreno, os agricultores se descolocam para um novo terreno. (...) Desse modo, a fronteira se expande em direção à mata, incorporando-a à pequena agricultura familiar. (MARTINS, 1996, p. 40).

Com o avanço da fronteira econômica, surge a frente pioneira, que impossibilita a frente de expansão de se manter. Ou ela avança sobre outras áreas ou integra-se ao mercado de trabalho assalariado. Martins (1996, p. 40) observa que há uma aceleração no deslocamento da frente de expansão (que como observado se dava de forma lenta) ou o fechamento da fronteira demográfica, com a invasão das terras dos posseiros primitivos por “grileiros, especuladores, grandes proprietários e empresas”.

Devido a essa dinâmica, a fronteira é o lugar do conflito, que advém do desencontro das temporalidades históricas. A fronteira demográfica pratica uma economia do excedente; ela não está inserida no mercado capitalista de produção, o qual visa o autossustento, com o excedente destinado à comercialização nos mercados próximos. Por isso a frente de expansão não é totalmente desprovida de comércio, embora esse mercado não faculte a renda capitalista

da terra. O autor esclarece que o excedente não é a sobra, pois muitas vezes o posseiro tem que vender a colheita antecipadamente, penhorando-a junto a comerciantes e intermediários. Mas é economia do excedente, porque é a forma como se organiza a produção: planta-se para o autossustento e a sobra é colocada em comercialização, sendo a produção executada pela família, sem emprego de trabalhadores assalariados. (MARTINS, 1996, p. 49-50). Para o autor,

A frente de expansão se integra na economia de mercado de dois modos: pela absorção do excedente demográfico que não pode ser contido dentro da fronteira econômica e pela produção de excedentes que se realizam como mercadoria na economia de mercado. (MARTINS, 1975, p. 46).

Para a frente de expansão a terra é terra de trabalho, não um empreendimento econômico. Ela se caracteriza pelo trabalho familiar não se regulando pelo lucro e sim pela fartura que ela oferece a família. (MARTINS, 1975, p. 46; MARTINS, 1980 p. 58)

A frente pioneira tem “como referência o empresário, o fazendeiro, o comerciante e o pequeno agricultor moderno e empreendedor”. (MARTINS, 1996, p. 28). Ela visa a incorporação à economia de mercado, a terra se torna um empreendimento econômico e “sua implantação e sustentação institucional da frente se faz pela mediação das objetivações da sociedade moderna, cujo o principal componente, no caso, é o Direito”. (MARTINS, 1975, p. 47).

Para a frente pioneira a terra é terra de negócio, sendo que quando um capitalista se apropria de uma área ele faz razão do lucro que terá, sendo esse lucro direto ou indireto. Embora a frente de expansão se apresente como a expansão do capitalismo para a área rural, às vezes ele se vale de relações não capitalistas para ter o retorno do capital empatado na terra, tais como: “escravatura, colonato, arrendamento em espécie”. Estas outras formas de reaver o dinheiro investido na aquisição da terra faz com que os empreendedores nem sempre tenha a intenção de produzir. (MARTINS, 1975, p. 49; MARTINS, 1980, p. 60).

Diferentemente da frente de expansão, que tem como relação com a terra a posse, ou seja, “uso privado de terras devolutas, em que estas não assumem a equivalência de mercadoria”. (MARTINS, 1975, p. 46). Para o autor,

O ponto chave da implantação da frente pioneira é a propriedade privada da terra. Na frente pioneira a terra não é ocupada, é comprada. Desse modo, a renda da terra se impõe como mediação entre o homem e a sociedade. A terra passa a ser equivalente de capital e é através da mercadoria que o sujeito trava as suas relações sociais. (MARTINS, 1975, p. 47).

O grupo que ocupou a região que constitui o bairro do Chonin tem esta característica de frente de expansão. Oberg (1956, p. 19-20, tradução da autora) diz que o povoado de Chonin se iniciou em de 1895, quando Marcelinho José da Cunha migrou para o lugar e comprou terras de alguns posseiros e manteve-os trabalhando nas terras. Depois de um tempo, parentes de Marcelinho migraram para a região, estabelecendo nas terras. Algo que o autor observou e para o qual chama a atenção é que as terras eram lavradas em comum, sendo as pastagens também comuns. A mobilidade por grupos de famílias e os laços de parentesco e compadrio eram essenciais para a produção do autossustento.

Em diversas partes de seu trabalho, Oberg (1956) compara o bairro estudado com outros assentamentos, principalmente dos Estados Unidos da América (EUA). Por ser um relatório (report), inicialmente pareceu somente uma tentativa de deixar mais claro o entendimento para o leitor, porém tais comparações assumiram uma perspectiva negativa, ao parecer que o autor dizia que a colonização dessa área não havia sido bem sucedida por não seguir padrões ideais de colonização e porque as pessoas não detinham uma cultura superior para desenvolver social e culturalmente o novo território. Já na introdução, ele expõe que “entre nós” era normal um casal, com ou sem filhos, viver totalmente independente, usando apenas seus próprios recursos e economizando para segurança, mas em Chonin isto era impossível. Mais a frente ele compara a estrutura de organização social urbana dos Estados Unidos com a estrutura de laços de parentesco e patronagem, pois em ambos o indivíduo participava de uma longa rede de organização hierárquica, porém nos EUA a relação era impessoal e no Brasil personalista, embora ambas não fossem democráticas, mas havia diferença na mobilidade social dentro delas. Ele continua mencionando a organização da administração da cidade e da zona rural; enquanto nos EUA as áreas rurais tinham grande autonomia dentro da administração do município, no Brasil inexistia administração na zona rural, por isso a administração do município dominava a zona rural e a população não tinha condição alguma de opinar sobre suas necessidades. Depois argumenta que o que choca um

outsider é a lentidão das reações do homem rural. Em certa passagem, ele diz que,

diferentemente dos EUA e Canadá, em que nas expansões territoriais primeiro era construída a escola, que era usada para fins religiosos e encontros sociais, e o médico era requisitado quando a população alcançava em torno de duas centenas de pessoas, nas expansões do Brasil tendia-se a construir primeiro a igreja. No distrito do Chonin, a escola somente foi erguida em

1922 (a povoação é de 1895) e o atendimento médico somente em 1951, com Serviços Especiais de Saúde Pública40 (SESP). (OBERG, 1956, p. 2, 5, 9 e 21, tradução da autora).

O autor diz que o surgimento, o crescimento e a estabilização da comunidade estavam ligados ao processo de expansão da população brasileira dentro do território nacional. Porém ele considera que o desenvolvimento da Vila teria sido diferente se ela tivesse sido colonizada por Germânicos ou Japoneses, em vez da população das zonas de ocupação antiga que ele considerava ter “uma herança cultural antiga” praticando uma agricultura rústica, pois esses colonos (estrangeiros) teriam trazido noções diferentes de usos da terra, assim como outros padrões de vida, organização comunitária e sistemas de crenças. Para ele, a colonização de uma nova área é condicionada pela cultura dos imigrantes. Ele apresenta a diferença apresentando as companhias de colonização que traziam colonos de países europeus, as quais buscavam a área em que seria estabelecida a colônia, preferencialmente em áreas virgens. A partir daí emitiam títulos legais, faziam estradas de rodagem para o transporte de pessoas e comercialização; também providenciavam crédito e assistência até os colonos serem capazes de produzir por sua conta. Porém, esse tipo de colonização exigia uma cultura mais avançada. A colonização constituída por mobilidade interna, realizada pela antiga população mestiça, devido a processos de expansão, tinha uma herança cultural simples, “caracterizada em particular pelo baixo nível de vida”. Esse movimento se dava pelo excedente populacional que se deslocava para áreas virgens se adaptando ao meio com o mínimo de equipamentos; não construíam estradas, utilizavam trilhas e transportes por canoas, tinham apenas o suficiente para sobrevivência do grupo. (OBERG, 1956, p. 22 e 23, tradução da autora).

Como já dito esses posicionamentos do autor ainda guardam resquícios do discurso do século XIX, propagado pelos viajantes europeus, do sertanejo como um ser desprovido de iniciativa. Ele apresenta um etnocentrismo41 no qual o modelo de expansão americano é visto como superior a expansão brasileira. O etnocentrismo apresentado pelo autor, no relatório sobre Chonin, também aparece em outros trabalhos realizados por ele; Velho (2009, p. 107) diz que Oberg no livro The marginal peasant in rural Brazil caracterizou os moradores da área rural do Brasil de caboclos ou caipiras preguiçosos e sem ambição. Mas deve-se

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O Serviços Especiais de Saúde Pública foi implantado em Governador Valadares em 1942, através de um acordo bilateral de programas de assistência técnica para os países da América Latina no campo da saúde, educação e agricultura. O SESP foi implantado dentro do Ministério de Saúde e Educação; a missão de saúde do Institute of Inter-American Affairs era parte integrante do Serviço e o chefe americano partilhava a responsabilidade da direção das atividades desenvolvidas por este. Doravante, o órgão será referido apenas como SESP. (OBERG, 1956, p. 137).

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O etnocentrismo é a valoração do outro pelos valores e modelos de um determinado grupo. Deparar-se com o outro causa um choque cultural. (ROCHA, 1988, p. 5).

esclarecer que o autor ainda reproduziu uma visão difundida no meio dos proprietários rurais e até dos funcionários públicos, Martins (1969, p. 131) observou que na década de 1960 a ignorância e o analfabetismo ainda eram considerados fatores de obstáculos à produtividade do campo, o morador da zona rural era visto como um “ignorante, magro, preguiçoso, rotineiro, etc”, o que reforça a tese de que esse imaginário construído no século XIX pautou as políticas de concessão de terras que privilegiavam o detentor de capital em detrimento do morador habitual.

Segundo Oberg (1956, 1956, p. 1 e 16, tradução da autora), o bairro de Chonin era composto de duas partes: a vila e a zona rural. Em 1952, a vila tinha apenas 125 construções de ambos os lados da estrada. As casas dos fazendeiros, para uso dos finais de semanas, e lojistas eram de tijolos (adobe caiado) e cobertas de telhas; as casas dos pobres eram de lama batida sobre varas entrelaçadas e amarradas, cobertas de palha e pisos de terra batida. As casas daqueles eram na área central e destes no entorno. As fazendas eram as principais unidades da zona rural. Ao redor da casa da fazenda, os filhos e os outros parentes construíam suas casas, formando pequenos núcleos de habitação. Espalhados pelas terras da fazenda, os parceiros construíam suas barracas de taipa ou barreadas. Já os pequenos proprietários viviam espalhados pelo vale, formando bairros rurais. Os parceiros assistiam à casa da fazenda para visitas, instruções, abastecimento e assistência, quando necessário. Os parceiros e os trabalhadores rurais eram instáveis, com deslocamento constante. O transporte na área rural era em mulas e cavalos, trilhas e estradas que permitiam a passagem de jeep com dificuldade, mas eram consideradas boas e úteis.

Ele identificou que como em outras áreas rurais do país, havia entre a população rural de Chonin uma mobilidade muito grande. 40% da população residia na região há 5 anos ou menos; 60% há 10 anos ou menos e 74% há menos de 15 anos. Essa mobilidade entre os parceiros era ainda maior: 72% deles residiam na região há menos de 10 anos. (OBERG, 1956, p. 48, tradução da autora).

Metade da população tinha mais de 20 anos de idade. Havia instabilidade populacional, principalmente entre os parceiros e trabalhadores da agricultura. A expectativa de vida era de 40 anos. O autor considerava que a baixa expectativa de vida contribuía para a baixa produtividade, haja vista que na zona rural somente 10.4% da população tinha mais de 40 anos. (OBERG, 1956, p. 2, tradução da autora).

Essa questão da mobilidade (migração interna) dos posseiros também foi analisada por Castaldi (2008, p. 327), no bairro de Catulé. O autor estudou o caso específico de um povoado

(bairro rural), chamado Catulé, que tinha em torno de 10 famílias. Esse povoado ficava na fazenda São João da Mata, município de Malacacheta, no Vale do Mucuri. A história da chegada dessas famílias é representativa da cultura sertaneja. Nesse grupo havia somente uma pessoa alfabetizada. O membro mais velho e que também era o líder do grupo, Manuel S., foi para a região de Malacacheta no ano de 1917. A região era mata fechada e ele abriu uma picada e constituiu uma posse, que garantia direito à titulação. Em 1920, já viúvo, ele casou novamente. Quando o sogro faleceu, ele pagou as dívidas do finado, ficando ele e a esposa com a posse do terreno. Mas, no ano de 1943, Manuel perdeu a posse (picada aberta por ele na mata e terra herdada por herança, devido ao falecimento da esposa) para novos extremantes, criadores de gado, que colocavam gado em sua roça. Sem condições financeiras de arcar com cercas, ele se viu obrigado a vender as terras que tinha o direito preferencial de legitimar junto à Secretaria de Agricultura. Manuel pagava a taxa de ocupação sobre 30 alqueires, mas quando procurou a coletoria de Malacacheta, segundo os registros da coletoria, o terreno não passava de 3 alqueires. Mesmo apresentando os recibos que ele tinha guardado dos pagamentos, o comprador pagou somente por 3 alqueires e, ainda, fiado.

Manuel ainda tentou tirar outra posse na região do Urupuca, mas o extremante colocava gado em sua roça. Devido aos contratempos, ele desistiu de ser posseiro e passou a trabalhar como agregado. Aos 58 anos de idade, ele passou a ser parceiro. Depois de um tempo lavrando a terra o proprietário o moveu para outra área. Ele ficou na nova área por uns dois anos quando o fazendeiro vendeu a terra e ofereceu para ele se transferir para o Catulé, onde ele residia há uns 3 anos. Outros moradores do Catulé também foram obrigados a venderem suas posses ou propriedades por terem gado lançado nas roças, ou por disputa de divisa com fazendeiros. (CASTALDI, 2008, p. 328).

Os dois autores esclarecem a mobilidade da frente de expansão. Oberg (1956, p. 20- 23) apresenta o esgotamento da terra por técnicas de uso ineficazes, tais como queimada, como o fator da mobilidade. Castaldi (2008, p. 328) apresenta outra motivação para a mobilidade: a dificuldade em manter a posse ou pequena propriedade por coação. Pode-se afirmar que havia ambas as motivações, assim como, uma terceira que era motivada pelo crescimento do grupo, as terras eram poucas e uma parte do grupo se movia.

Castaldi (2008, p. 338-340) observa que a reprodução social da comunidade tinha relação tanto com o tamanho da terra que ocupavam quanto com o tamanho da população. Para que os moradores pudessem se deslocar de suas casas para a roça, era preciso que o território não fosse muito extenso, mas o suficiente para as famílias produzirem. O modelo de

cooperação vicinal, no qual os moradores se reúnem para ajuda mútua na preparação da terra, servia como um mecanismo natural de contenção do grupo. Se o número de famílias fosse muito grande, exigiria que o território fosse muito extenso, o que dificultaria o trabalho de cooperação vicinal. Por isso, quando a população crescia demasiadamente, havia um movimento de expulsão do excedente demográfico. O grupo expulso formava-se em outro bairro e repetia o mesmo ciclo. Nesse modelo de cooperação, o compadrio tinha um papel importante.

Oberg (1956, p. 23, tradução da autora) observou este tipo de migração, mas como fenômeno das tribos indígenas isoladas. Para ele quando a população de uma tribo crescia demasiadamente e pressionava os recursos naturais, algumas famílias eram movidas.

A migração que Castaldi (2008) observou no grupo de Catulé, que estava ocorrendo após a chegada da frente pioneira, era diferente da migração por Oberg pelo grupo de Chonin. Segundo Antonio Candido (1971, p. 169-171, 176-177, 185-189, 200-203), no livro Os

parceiros do Rio Bonito, a migração, motivada pela fazenda, levava a uma completa perda dos

mínimos vitais de reprodução cultural, na medida em que a inserção dos trabalhadores nas novas dinâmicas sociais se dava de forma precária. Para o autor, a mobilidade das populações rurais, anterior à fazenda, possibilitava manter o equilíbrio com o meio ambiente, seja procurando novas terras, quando as que habitavam se encontravam desgastadas, ou por motivos diversos. A mobilidade que se via entre a população rural, no decorrer das décadas de 1940-1950, motivada pela expropriação e impossibilidade de tirar nova posse, estava conduzindo os trabalhadores a perda dos seus padrões de cultura tradicional e, por isso, a

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