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2.1. Hidrocolóides

2.1.2. Alginato

2.1.2.2. Propriedades estruturais

Co-polímeros binários de elevado peso molecular, os alginatos são constituídos por sais de ácido alginico com um grau de polimerização na gama de 50-3000, correspondendo a pesos moleculares entre os 10 e os 600 kDa[21]. Estes polissacáridos

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são compostos por unidades de ácidos α-L-gulurónico (G) e β-D-manurónico (M) ligados entre si por ligações glicosídicas do tipo 1→4[22].

Draget et al. (2006) referem que a primeira informação sobre a estrutura sequencial dos alginatos surgiu através da obra de Haug. Recorrendo a hidrólise ácida parcial e fracionamento, conseguiram separar o alginato em três frações com composições muito diferentes. Em duas das frações existiam moléculas praticamente homopoliméricas de ácido gulurónico e manurónico, respetivamente, contudo a terceira fração apresentava proporções quase iguais de ambos os monómeros (M e G), e mostrava conter uma grande quantidade de resíduos de dímeros MG. Concluiu-se, então, que o alginato era formado por regiões homopoliméricas de M e G, denominadas por bloco M e bloco G (Figura 2), intercaladas com regiões de estrutura alternada (bloco MG). Este último tipo de blocos intitula-se por regiões heteropoliméricas.

Foi, ainda, demonstrado através de enzimas degradantes e por espetroscopia RMN que sequências alternadas com blocos GGM e MMG, também, estavam presentes[5].

Figura 2. Estruturas dos constituintes do alginato[23].

(a) Monómeros; (b) Cadeia; (c) Conformações e sequência esquemática da cadeia de alginato β-D-manurónico (M) α-L-gulurónico (G)

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Na cadeia polimérica do alginato, os monómeros têm tendência a encontrar a sua estrutura energeticamente mais favorável. O ácido β-D-manurónico (M) tende a apresentar uma configuração 4C1 e liga-se com as suas unidades vizinhas através das

posições 1 e 4. No que respeita ao ácido α-L- gulurónico (G), este apresenta uma configuração 1C4 com ligações glicosídicas 1→4[21].

A configuração epimérica dos grupos carboxilo define como as unidades de açúcar estão ligadas. Deste modo, existe uma ligação diequatorial em M-M, diaxial em G-G e uma equatorial-axial em M-G. A carga e a massa dos grupos carboxilos concedem as estas diferentes configurações, graus distintos de extensão e flexibilidade. Verificou-se que a configuração M-G é a mais flexível (MG>MM>GG) e a G-G a que confere maior rigidez ao alginato[21].

O comportamento do alginato está dependente do seu peso molecular e da proporção e distribuição dos ácidos manurónicos e gulurónicos presentes. Estes parâmetros dependem da variedade de alga marinha utilizada para produzir o alginato, ou seja, diferentes algas, com condições sazonais e de crescimento desiguais, sintetizam alginatos com composições e estruturas diferentes[24]. Geralmente os alginatos produzidos a partir de estirpes antigas L. hyperborea apresentam maiores teores de ácido gulurónico (G) comparativamente aos alginatos conseguidos através da A.

nodosum e L. japónica que são caracterizados pelo baixo teor em blocos G e por

originarem géis de baixa resistência. O alginato com maior empregabilidade comercial obtido a partir da M. pyrifera (único tipo de alginato presente no catálogo da Sigma Chemicals) produz géis com menor resistência relativamente aos obtidos a partir da L.

hyperborea, mas maior comparativamente a alginatos com o mesmo teor de ácido

gulurónico[5].

Como o alginato apresenta polidispersividade relativamente ao peso molecular, a média da distribuição dos pesos moleculares será o valor a considerar. Esta distribuição pode ter implicações na aplicação deste hidrocolóide, pois fragmentos de baixo peso molecular possuindo, apenas, blocos G curtos podem não fazer parte na formação da rede do gel e, por conseguinte, não contribuir para a resistência do mesmo[5].

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2.1.2.3. Propriedades Físicas

2.1.2.3.1. Ligações iónicas

A característica mais importante do alginato, tanto no setor industrial como do ponto de vista tecnológico, está relacionada com a sua capacidade de ligação a catiões divalentes, como Ca2+ e Ba2+, conduzindo eventualmente à formação de um hidrogel[25].

Este polissacárido apresenta propriedades de ligação características, onde a afinidade para com os catiões dependem da sua composição[5]. No alginato, as afinidades características são uma propriedade exclusiva dos poliguluronatos, enquanto os polimanuratos não possuem, praticamente, seletividade[5].

Segundo Draget et al. (2009), a afinidade do alginato para com os metais alcalino-terrosos aumenta na ordem de Mg << Ca < Sr < Ba, característica única do alginato relativamente a outros polianiões (ácido péctico, p.e.). Através de experiências que envolveram a diálise de equilíbrio do alginato, constatou-se que a seletividade para metais alcalino-terrosos e elementos de transição aumentou consideravelmente com o acréscimo do teor de resíduos de α-L-guluronato nas cadeias. Os blocos de polimanuratos (-MM-, p.e.) e os blocos alternados demonstraram a quase ausência de seletividade[5].

A elevada seletividade entre iões análogos como os metais alcalino-terrosos demonstrou que a forma de ligação não pode ser só realizada por ligação eletrostática não-especifica, mas também por alguma quelação provocada por características estruturais dos blocos G[5]. O modelo proposto por Morris, Rees e Smidsrød, denominado de “egg box” explica esse efeito (Figura 3).

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Figura 3. Ligação de catiões divalentes com o alginato – modelo “egg box”[25]. (a) Quelação de catiões divalentes; (b) Formação de junções intercadeias

Um conhecimento aprofundado da composição e das propriedades de ligação iónicas é uma mais valia para a selecção de um alginato, que garanta ter as propriedades do material desejado[25].

2.1.2.3.2. Solubilidade

Existem três parâmetros que determinam e limitam a solubilidade do alginato na água. Eles são o pH, a força iónica do meio e o teor de iões gelificantes, sendo neste último que reside o problema da dureza da água (teor de iões Ca2+)[6].

Por titulação potenciométrica, Haug (1964) verificou que a constante de dissociação (pKa) para os monómeros de ácido manurónico e gulurónico foi de 3,38 e 3,65, respetivamente. Quanto à constante de dissociação do polímero alginato, esta difere ligeiramente das constantes dos resíduos monoméricos. Os valores verificados dependem da força iónica do solvente e da concentração de alginato[5].

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Quando o pH da solução sofre uma redução, as soluções de alginato podem comportar-se de duas formas distintas. Uma diminuição abrupta no pH conduz a uma precipitação das moléculas de ácido algínico enquanto que, uma libertação lenta e controlada de protões pode originar a formação de um gel de ácido algínico[5].

A adição de ácido a uma solução de alginato conduz à precipitação das moléculas de ácido algínico dentro de uma gama de pH reduzida. Esta gama de pH depende do peso molecular, da composição química e da sequência do alginato. Alginatos que possuam mais estruturas com blocos heteropoliméricos (blocos MG) precipitarão a valores de pH mais baixos relativamente a alginatos com mais blocos homopoliméricos (M e G)[6].

A alteração da força iónica afeta o comportamento do polímero, nomeadamente na extensão da cadeia e consequentemente na viscosidade da solução, interferindo, assim, na solubilidade do alginato. Caso se pretenda aplicar estes polissacáridos na presença de elevadas concentrações de sais, os alginatos devem ser, a priori, hidratados em água pura, seguindo-se a adição do sal em agitação mecânica.

2.1.2.3.3. Hidratação

Normalmente, os alginatos são comercializados na forma de pó e necessitam previamente de uma dissolução em água para serem utilizáveis. Este hidrocolóide possui uma grande afinidade com a água e facilmente produz grumos quando adicionado a esta. Por isso, é fundamental que exista um controle na molhagem e hidratação do alginato, de forma a garantir a sua funcionalidade[27].

Para dissolver completamente o alginato, recorre-se muitas vezes a misturas com alguns ingredientes, como açúcares, antes de ser colocado em água e utiliza-se, também, misturadores com elevada tensão de corte para quebrar os grumos formados. Além disso, o alginato pode ainda ser disperso depois de misturado com óleo vegetal ou glicerol[28].

Após ficar totalmente molhado, o alginato deve ser completamente hidratado. Para isso, a solução de alginato sofre um aquecimento a pelo menos 70 °C antes de ser

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utilizada. Este aquecimento em água permite que a estrutura de alginato se abra e possibilite a entrada das moléculas de água na estrutura de alginato para hidratar todos os sítios ativos da molécula. Na hidratação do alginato é necessário que exista um excesso suficiente de água, pois soluções com mais de 25 % de solutos de baixo peso molecular (açúcar, p.e.) irão competir, com sucesso, pela molécula de água, fazendo com que o alginato não se hidrate adequadamente. A hidratação adequada do alginato requer dissolução em água a baixas concentrações de soluto (menos de 10 %-15 %) e aquecimento a cerca de 80 ºC antes de ser utilizado como agente gelificante[28][29].

2.1.2.3.4. Estabilidade

O alginato possui a capacidade de formar géis a frio na presença de iões cálcio. Além disso, estes géis de alginato podem sofrer tratamento térmico sem se derreterem[30].

Os alginatos com elevados ácidos gulurónicos conseguem produzir géis com boa estabilidade ao calor (à exceção de moléculas com baixo peso molecular), contudo a infiltração de água (sinerese) ocorre no congelamento e descongelamento. Quanto aos alginatos com elevados ácidos manurónicos estes produzem géis mais fracos mas mais elásticos e com boa estabilidade no congelamento e descongelamento[30].

O alginato de sódio em pó deve ser armazenado num local seco e fresco sem exposição solar, assim este conseguirá ter uma durabilidade de vários meses. No congelador, este pode ser conservado durante vários anos, sem alterações significativas do peso molecular. Contudo, o mesmo não se verifica com o ácido algínico seco, que tem uma estabilidade bastante limitada, a temperaturas normais, resultante de uma degradação catalisada por ácido intramolecular[6].

É importante ter conhecimento dos fatores que determinam e limitam a estabilidade das soluções aquosas de alginato e das reações químicas responsáveis pela degradação[6].

Para Draget et al. (2009), a viscosidade relativa de uma solução de alginato pode diminuir drasticamente ao longo de um curto período de tempo, em condições

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favoráveis à sua degradação. Quanto às ligações glicosídicas, estas estão sujeitas à degradação ácida e alcalina, e à oxidação por radicais livres.

Os alginatos são, também propícios ao crescimento microbiano, uma vez que correspondem a derivados de fontes naturais[6].

2.1.2.3.5. Viscosidade

A viscosidade intrínseca de uma solução de alginato está diretamente relacionada com o comprimento das moléculas de alginato envolvidas. A adição de outros sais também influencia a viscosidade final do meio e tal acontece com a adição de iões cálcio a uma solução de alginato, onde se verifica um aumento da viscosidade da solução devido à parcial e não-permanente ligação cruzada[21].

Uma solução viscosa de alginato apresenta propriedades de pseudoplasticidade (a viscosidade diminui com o aumento da tensão de corte), resultantes do comprimento de cadeia polimérica e da rigidez das moléculas hidratadas[21].

A viscosidade indicada para uma determinada aplicação pode ser conseguida através da escolha de uma vasta gama de tipos de alginato comercialmente disponíveis. Alginatos de baixo e elevado peso molecular oferecem texturas ligeiramente distintas e a sua concentração pode ser ajustada de forma a satisfazer os requisitos texturais e reológicos pretendidos (Figura 4)[21].

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Figura 4. Variação da viscosidade de alginato em função da sua concentração e peso molecular. [21].

2.2. Gelificação do alginato

Os géis são classicamente definidos como uma série de substâncias com propriedades características de sólidos, que apresentam um excesso de solvente presente. A gelificação de polissacáridos resulta da reticulação física através de interações polímero-polímero e, normalmente, apresentam mais de 90 %(m/m) de água ou de solução eletrolítica aquosa[31].

A característica mais importante resultante da estrutura em bloco do alginato é a sua capacidade de formar géis[21], através de interações do tipo ligações iónicas que envolve a presença de catiões divalentes específicos, como Ca2+[31]. Comparado com a maioria dos polissacáridos gelificantes, o alginato apresenta a capacidade de se dissolver a frio (em um meio livre de cálcio)[32] e formar géis estáveis ao calor[21]. Apesar dos géis de alginato não serem dependentes da temperatura, a cinética do seu processo de gelificação pode ser alterada por mudanças de temperatura, assim como, as propriedades finais dos géis de alginato[6].

V is c o si d a de ( m P a .s ) Concentração (%) Alto Médio Baixo Graus típicos de peso molecular

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A formação de géis com iões cálcio é o tipo de gelificação que tem suscitado maior interesse na indústria alimentar[21].

2.2.1. Géis alginato-cálcio

Para que o alginato possa reagir com o cálcio e formar um gel, tem de possuir uma determinada proporção de ácido gulurónico (G) e estes devem estar em bloco (- GGG-, p.e.)[21]. As regiões de ácido gulurónico de uma molécula de alginato ligam-se fisicamente a outra região semelhante, através de interações cadeia-Ca2+-cadeia[21]. Os restantes blocos (bloco M e bloco MG) não participam nestas interações, estando apenas associados à elasticidade do gel[21].

A interação entre as moléculas de alginato e os iões cálcio pode ser explicada pelo modelo “egg-box”, em que os iões cálcio encaixam-se entre as cadeias de ácido gulurónico do alginato de forma análoga a um ovo dentro de uma caixa de ovos (Figura 5).

Figura 5. Gelificação do alginato com iões cálcio no modelo “egg-box”[21].

Blocos-G

Ca2+

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O mecanismo de formação do gel baseia-se nas reações intra e intermoleculares do ião cálcio com as moléculas de alginato, em que se formam ligações cruzadas entre os grupos carboxilo e os iões cálcio, e interações com os átomos de oxigénio eletronegativos dos grupos hidroxilos[24].

Este mecanismo inicia-se com a associação entre cadeias que possuem sequências de guluronatos formadoras de dímeros, onde estas cadeias se assemelham a uma fita que incorporam catiões divalentes de determinado tamanho (Figura 5). O processo fica concluído quando a quantidade de ião Ca2+ representa, aproximadamente, 50 % da concentração estequiométrica. Depois ocorre a conexão dos dímeros, no qual a quantidade de Ca2+ necessária é aproximadamente 100 %, com o aumento do tamanho do agregado. Quando os valores de concentração de Ca2+ correspondem a quantidades superiores a 100 %, poderá existir associação do Ca2+ com as sequências alternadas de ácido manurónico (M) e gulurónico (G). A presença de elevadas quantidades de Ca2+ promove a formação de agregados de grandes dimensões, que podem levar à precipitação do polímero[24][33].

A formação de um gel de alginato de cálcio deve ser considerada como um processo de permuta iónica, onde o contra-ião de um alginato solúvel em água permuta com o ião cálcio obtendo-se o fenómeno denominado de transição sol-gel1. O contra- ião, como o sódio p. e., apresenta uma menor afinidade para com a cadeia de alginato comparativamente ao cálcio, mas quando comparado com o ião potássio, este apresenta maior afinidade[21].

A capacidade de formação do gel assim como a resistência resultante estão diretamente relacionadas com o número e o comprimento das zonas de junção, quantidade de blocos G e seu comprimento médio, respetivamente. Elevadas quantidades de blocos G e longas cadeias desses mesmos blocos originam alginatos com elevada reatividade ao cálcio e potenciais formadores de géis resistentes[21].

O tratamento de uma solução de alginato semi-diluída (1-2 %) com um catião divalente (Ca2+, p.e.) resulta na formação de géis ionotrópicos. A capacidade de ligação iónica do alginato representa a característica básica no controle da formação do

1 Transição sol-gel é um fenómeno onde uma suspensão coloidal (sol) ou uma solução transforma-se em gel através do

estabelecimento de ligações entre as partículas ou entre as espécies moleculares, levando à formação de uma rede sólida tridimensional[21].

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hidrogel. Assim, um gel de alginato pode ser descrito como uma rede contínua dilatada com água onde as ligações físicas cruzadas unem distintas cadeias de polissacáridos [25].

2.2.2. Sinerese

Após a gelificação, as moléculas de água são aprisionadas na rede de gel de alginato por ligações de hidrogénio. Contudo, ainda apresentam liberdade de migração por difusão, pois se contrair a rede de gel, algumas moléculas de água irão ser expulsas para fora. Este efeito é denominado de sinerese e acontece com bastante frequência em vários sistemas de biopolímeros em gel[21].

Em géis de alginato, a sinerese depende de parâmetros como a proporção M:G, a concentração de cálcio, o mecanismo de configuração e o peso molecular[21]. Géis preparados a partir de alginatos com baixo peso molecular apresentam menos sinerese relativamente a géis com elevado peso molecular e, alginatos que apresentem níveis elevados de sequências alternadas MG e segmentos elásticos flexíveis na rede do gel exibem níveis mais elevados de sinerese[21]. A presença de cálcio em excesso promove, também, a formação de géis com sinerese e a gelificação interna tende a formar géis com menos sinerese em comparação com os géis de alginato definidos externamente, porque a proporção entre o cálcio e o alginato é fácil de controlar[21].

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