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Propriedades magn´eticas em grande escala do ciclo solar

No documento Estudos numéricos do dínamo solar (páginas 35-41)

Observa¸c˜oes do ciclo magn´etico solar

2.1 Propriedades magn´eticas em grande escala do ciclo solar

A observa¸c˜ao formal de manchas solares, e o ent˜ao nascimento da F´ısica Solar, come¸cou nos primeiros anos do s´eculo XVII, quando elas foram observados pela primeira vez atrav´es de um telesc´opio. Estas observa¸c˜oes foram feitas quase simultaneamente por quatro homens em pa´ıses diferentes: Johann Goldsmith (1587-1616) na Holanda, Galileo Galilei (1564- 1642) na It´alia, Chirstopher Schneider (1575-1650) na Alemanha e Thomas Harriot (1560- 1621) na Inglaterra. Dos quatro, o mais proeminente ´e Galileo, j´a que ele foi o primeiro a propor que as manchas solares pertencem ao sol e n˜ao s˜ao corpos distantes da sua superf´ıcie. Ele descreveu a forma e o tempo de vida de manchas individuais, assim como de grupos de manchas.

Por´em, o registro di´ario oficial do n´umero de manchas solares come¸cou no observat´orio de Zurique somente em 1749 (Fig. 2.1), e quase um s´eculo depois Schwabe (1843) reportou a varia¸c˜ao c´ıclica no n´umero de manchas solares a cada 11 anos. A classifica¸c˜ao di´aria em manchas solares individuais e grupos de manchas come¸cou s´o em 1849 com o trabalho de

R. Wolf (Schove, 1983). Durante estes primeiros dias de medi¸c˜ao sistem´atica, a varia¸c˜ao peri´odica na atividade solar foi expressa atrav´es do ´ındice de manchas solares de Wolf, definido como:

R ≡ k(10g + f) , (2.1)

onde f ´e o n´umero de manchas individuais, g ´e o n´umero de grupos (usualmente conhecidas como regi˜oes ativas), e k ´e um fator de corre¸c˜ao usado para ajustar varia¸c˜oes nas condi¸c˜oes de observa¸c˜ao. Embora o n´umero de Wolf seja uma medida subjetiva, que envolve a contagem de manchas a olho, ele concorda muito bem com outras medidas quantitativas modernas da atividade solar como: o fluxo de r´adio em 10.7 cm, o fluxo magn´etico absoluto, a largura da linha de HeI em 10830˚A, ou o ´ındice k de CaII (veja uma discuss˜ao completa a respeito em Schrijver e Zwaan, 2000).

Figura 2.1: M´edia mensal do n´umero de manchas solares desde 1750 at´e o presente (Imagem extra´ıda de http://science.msfc.nasa.gov).

A natureza magn´etica das manchas solares foi descoberta por Hale (1908), que atrav´es de observa¸c˜oes espectroscopias di´arias das manchas detectou o desdobramento Zeeman nas suas linhas espectrais, evidenciando a existˆencia do campo magn´etico. Depois de uma d´ecada da observa¸c˜ao, Hale et al. (1919) e o seu grupo de colaboradores reportaram outras

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propriedades importantes das manchas solares referentes `a sua polaridade anti-sim´etrica em ambos os hemisf´erios, `a invers˜ao de polaridade que acontece a cada 11 anos e tamb´em ao seu comportamento atrav´es do ciclo. O conjunto destas propriedades, bem como a varia¸c˜ao peri´odica no n´umero de manchas, s˜ao conhecidas como as propriedades em grande escala do ciclo magn´etico solar. Elas podem ser resumidas da seguinte forma:

1. As manchas solares aparecem unicamente numa faixa de latitudes entre ±35◦

(em ambos lados do equador solar). Esta regi˜ao ´e conhecida como a latitude de atividade. As primeiras manchas solares de um ciclo aparecem nas latitudes m´edias, as manchas seguintes tendem a formar-se em latitudes progressivamente mais baixas, de tal forma que as ´ultimas manchas do ciclo aparecem pr´oximas do equador. Esta tendˆencia ´e conhecida como lei de Sp¨orer.

2. As manchas solares aparecem principalmente em pares nos dois lados do equador solar; a mancha principal em um par tem a polaridade oposta `a mancha compa- nheira. Al´em disso, as manchas (principais e companheiras) do hemisf´erio norte tˆem a polaridade oposta `aquelas do hemisf´erio do Sul. Elas invertem a polaridade a cada 11 anos; assim o per´ıodo total do ciclo de atividade magn´etica ´e de 22 anos. Esta propriedade ´e conhecida como lei de Hale;

3. Uma linha reta juntando as manchas principal e companheira num par apresenta sempre uma inclina¸c˜ao com respeito `a linha equatorial. Esta inclina¸c˜ao vai de ∼ 30◦

para pares de manchas nos primeiros anos do ciclo, at´e ∼ 10◦

para pares de manchas nas etapas finais. Esta ´e conhecida como lei de Joy;

4. 1 a 2 anos ap´os o n´umero de manchas solares alcan¸car o m´aximo, o campo magn´etico nas regi˜oes polares (ou seja, em latitudes acima de 60◦

) inverte a sua polaridade. As regi˜oes polares s˜ao quase unipolares em cada hemisf´erio e alcan¸cam o m´aximo de fluxo magn´etico total logo antes do m´ınimo de manchas solares. Isto revela uma diferen¸ca de fase de ∼ π/2 entre o campo magn´etico presente nas manchas, orien- tado na dire¸c˜ao azimuthal, e o campo magn´etico presente na regi˜ao polar, o qual ´e predominantemente dipolar.

5. O come¸co de um ciclo de manchas solares acontece logo antes do fim do ciclo pr´evio. Isto significa que as manchas solares pertencentes a dois ciclos chegam a aparecer

simultaneamente. A sobreposi¸c˜ao de dois ciclos sucessivos ´e de aproximadamente 2-3 anos.

6. A magnitude dos campos magn´eticos nas manchas ´e ao redor de 103 G. A magnitude

do campo dipolar difuso ´e da ordem de dezenas de Gauss.

Todas estas caracter´ısticas podem ser observadas em diagramas que contˆem as latitudes de surgimento de manchas solares em fun¸c˜ao do tempo. Estes gr´aficos s˜ao chamados diagramas de Borboleta de Maunder. Na Fig. 2.2 s˜ao mostradas duas classes de diagramas de borboleta: o gr´afico superior cont´em unicamente a latitude de surgimento das manchas, nele pode-se observar que nas primeiras etapas do ciclo as manchas solares aparecem ao redor dos 30◦

e ent˜ao, o lugar de surgimento migra progressivamente em dire¸c˜ao ao equador. O gr´afico inferior nele cont´em um mapa sin´otico da componente radial do campo magn´etico, de tal forma que ´e poss´ıvel acompanhar tamb´em a evolu¸c˜ao da componente dipolar, que se encontra em oposi¸c˜ao de fase com o campo toroidal predominante nas manchas solares.

´

E importante destacar que al´em do comportamento peri´odico descrito acima existe tamb´em uma componente flutuante no ciclo solar a qual se manifesta no n´umero de man- chas solares de cada ciclo (que determina a amplitude do ciclo) e na dura¸c˜ao de cada per´ıodo (ver a Fig. 2.1). De fato, o per´ıodo de meio-ciclo varia entre 8 e 15 anos e a ampli- tude entre ciclos varia normalmente por um fator de at´e ∼ 3. No entanto, j´a houve per´ıodos nos quais nenhuma mancha solar foi reportada, como aquele ocorrido entre 1645 e 1715 (Maunder, 1890), conhecido como o ”m´ınimo de Maunder”(Eddy, 1976), e tamb´em ciclos similares de atividade reduzida como o ”m´ınimo de Sp¨orer”por volta de 1500, ou o ”Grand Minimum”no s´eculo 12 1. A parte randˆomica do ciclo solar, a qual vem sendo estudada

atrav´es da teoria do caos ou da teoria estoc´astica, n˜ao ser´a discutida neste trabalho.

2.1.1 Regi˜oes magn´eticas bipolares

Al´em do conceito de mancha solar como a manifesta¸c˜ao principal do magnetismo solar encontra-se a id´eia de uma regi˜ao ativa. Ela ´e definida como a ´area total contendo v´arios elementos magn´eticos, como um grupo de manchas solares, a f´ecula , os filamentos e as

1Os ciclos solares anteriores `a observa¸c˜ao de manchas solares s˜ao investigados com indicadores de ativi-

dade magn´etica solar de longo prazo, como a raz˜ao dos is´otopos C14/C12 encontrados em an´eis sucessivos

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Figura 2.2: Duas classes diferentes de “diagramas de borboleta”, tempo-latitude. O gr´afico superior apresenta a latitude de surgimento de manchas individuais e grupos de manchas. A linha grossa destaca a data do m´ınimo solar, a linha tracejada marca a fronteira en- tre dois ciclos sucessivos e a linha fina mostra o local onde pequenas regi˜oes ativas, sem manchas, aparecem nos primeiros anos do ciclo (extra´ıda de Schrijver e Zwaan, 2000). O painel inferior apresenta a m´edia longitudinal do campo magn´etico. As escalas de cor em amarelo e azul indicam campos positivos e negativos, respectivamente (extra´ıda de http://solarscience.msfc.nasa.gov/dynamo.shtml).

explos˜oes (flares) solares. A maioria das vezes, duas regi˜oes ativas de polaridade oposta aparecem juntas, neste caso a regi˜ao total ´e chamada regi˜ao magn´etica bipolar (veja o Cap´ıtulo 5 de Schrijver e Zwaan, 2000).

A parte principal de uma BMR aparece normalmente na frente e em latitudes mais baixas com respeito `a parte secund´aria. Observa-se que as manchas solares que pertencem `a componente principal s˜ao maiores do que as manchas solares da componente secund´aria, e ademais giram mais r´apido do que o plasma circundante, o qual ´e uma forte indica¸c˜ao de que estes elementos magn´eticos s˜ao provavelmente gerados abaixo da superf´ıcie solar. Por outro lado, as manchas solares secund´arias das BMRs parecem retroceder ou ent˜ao ficam quietas. Estes dois movimentos relativos resultam na expans˜ao das BMRs.

A evolu¸c˜ao total das BMRs pode levar de semanas a meses, dependendo do tamanho da regi˜ao, e segue trˆes etapas principais: i) a fase de emergˆencia na qual as manchas solares s˜ao formadas; ii) o desenvolvimento m´aximo, no qual as BMRs alcan¸cam a sua m´axima expans˜ao (entre 40 e 170 Mm) e iii) a fase de decaimento na qual a ´area total da regi˜ao magn´etica diminui lentamente e as manchas solares decaem por fragmenta¸c˜ao, rompendo-se em v´arias pequenas manchas que terminam por desaparecer.

O fluxo magn´etico t´ıpico das BMRs maiores, contendo v´arias manchas solares, est´a entre 5 × 1021 e 3 × 1022 Mx (1 Mx (maxwell)= 1 G cm2), e o seu tempo de vida pode

ir de algumas semanas a meses. Nas BMRs pequenas e sem manchas, o fluxo se encontra entre 1 × 1020 e 5 × 1021 Mx, e seu tempo de vida varia de dias a semanas. ´E importante

observar que quando as regi˜oes ativas pequenas s˜ao inclu´ıdas junto com as manchas solares nos diagramas de borboleta, as asas da borboleta come¸cam a aparecer em latitudes ao redor de 60◦

(veja o diagrama superior da Fig. 2.2).

O comportamento aproximadamente bem organizado do campo magn´etico solar, tanto no espa¸co quanto no tempo, que se manifesta nas propriedades descritas acima, indica que no interior do sol deve operar um processo f´ısico capaz de induzir um campo magn´etico em grande escala. Esse processo compete com o outro capaz de dissip´a-lo, de tal forma que a evolu¸c˜ao temporal permanece peri´odica. Tal mecanismo envolve a transforma¸c˜ao de energia mecˆanica devida aos movimentos convectivos e de rota¸c˜ao do plasma em energia magn´etica, e tamb´em `a rea¸c˜ao dinˆamica da energia magn´etica sobre o campo de velocidades. Gra¸cas `a semelhan¸ca com o d´ınamo el´etrico homopolar (veja p.ex., de Gouveia Dal Pino, 1995), esse processo ´e comumente conhecido como d´ınamo. Uma grande vantagem de se estudar esses fenˆomenos para o caso do Sol, ´e que o campo de velocidades em grande escala pode ser observado atrav´es de diferentes t´ecnicas. Em seguida s˜ao apresentados os principais

Se¸c˜ao 2.2. O campo de velocidades 39

resultados observacionais, obtidos at´e a presente data, acerca dos padr˜oes de movimento na superf´ıcie e no interior solar.

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