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PROTAGONISTA, CARACTERIZAÇÃO E REVELAÇÃO Diferente dos seres humanos, que precisam de esperança para

viver, os personagens requerem expectativas, como aponta Doc Comparato (2009). O autor explica que um homem esperançoso é feliz. Já um homem que cria expectativas é acometido por muita ansiedade e tensão, sendo este o ser ideal para ser colocado na nar- rativa. Além disto, o fato do personagem ser sincero, dele se revelar ao público, também é um aspecto que o diferencia do ser humano, que por vezes, tem a dissimulação como parte de suas imperfeições. Campos (2007) usa o termo perfil para falar da aparência exterior dos personagens e das suas qualidades subjetivas. Em sua lista de composição de perfil de personagem, ele inclui desde nome, estilo de vestir, funções sociais até suas motivações para atingir seus obje- tivos. Além disso, ele explica que é a soma de características que um personagem possui aplicados em forma de adjetivo. Este conjunto de particularidades determina o modo que o personagem percebe e age no seu mundo.

Campos (2007) esclarece que na narrativa, o personagem pode ser apresentado com uma combinação de traços, todavia, eles se revelam no momento de ação. Estas características dos personagens podem tanto se afirmar no momento da revelação quanto se contradizer. Em McKee (2011), há a distinção entre caracterização e revelação de personagem. O conjunto de traços como gênero, personalidade, classe social, emprego etc. compõem a caracterização. Ela é feita de, segundo McKee (2011, p. 105): “[...] todos os aspectos da huma- nidade que podem ser conhecidos quando tomamos notas sobre alguém todo dia”. Como no perfil, a caracterização, então, é formada por adjetivos concedidos aos personagens.

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Já a revelação do personagem, para McKee (2011), ocorre por meio das decisões que ele toma sob pressão. Quanto maior for a pressão, mais se conhece sobre o personagem, pois é neste instante que ele faz suas escolhas e mostra se ele é ou não feito daqueles adjetivos lhe atribuídos anteriormente. Pode-se afirmar que a caracterização oculta o verdadeiro personagem.

Com isto, se compreende que o personagem pode mudar, permitindo que o espectador tenha outra percepção dele a partir do momento em que ele faz as escolhas nos momentos de conflito. Desta forma, a revelação pode contradizer o caráter exibido inicialmente.

“Anti-herói”, “herói fora de série”, “herói sem nenhum caráter” são títulos que podem ser dados a Walter White. Como professor, pai, marido ou como produtor de drogas e assassino, o protagonista do programa contagia o espectador com sua inteligência e disposição para sair vencedor das situações que enfrenta, mesmo que a vitória custe a vida de desconhecidos ou de seus próprios familiares. Inicialmente, Walter White é apresentado com a caracterização de um professor de química do Ensino Médio, que além de enfrentar o desinteresse dos alunos, sofre bullying. Apesar disso, ele é fascinado por química e reconhece que é extremamente qualificado para a posição que ocupa na escola. Em seu segundo emprego, numa lava- dora de carros, Walter contém-se e aceita as ordens de seu patrão abusivo.

Na vida de Walter nada lhe parece atrativo até então. Ele tem uma personalidade pacata, seu dia-a-dia é tomado pela rotina, tem um filho por nascer, Walter Jr. possui necessidades especiais e seu orçamento é curto demais para lidar com as despesas. Quando o

Incidente Incitante o acomete, o câncer no pulmão, sua visão de mundo muda e ele reconhece em si mesmo uma capacidade especial que pode lhe trazer a solução para as circunstâncias nas quais vive. O surgimento dos conflitos durante o programa faz o personagem transformar-se, e, com sua mudança, ele contradiz o ser que ele era inicialmente, pois aos poucos ele toma atitudes que um professor honrado não tomaria, por exemplo. No piloto de Breaking Bad são expostos vários componentes do perfil de Walter White, os quais contrastam com o homem que ele se torna após se envolver com o crime.

Após chantagear Jesse Pinkman, Walter dá início à jornada da sua revelação, na qual se desenvolve a cada atitude frente aos conflitos, tenta combater inimigos que surgem, quer reconquistar a família e enriquecer. Como McKee (2011) propõe, o protagonista deve ter força de vontade para conquistar seu objeto de desejo. No caso de Walter White, ele é voluntarioso, o que ele almeja é dinheiro e está disposto a se tornar criminoso para obtê-lo. Ele entra pelo atalho do crime, o qual pode levá-lo a ter a autonomia e o reconhecimento que ele não obteve em sua carreira de químico.

Percebe-se que, na evolução de Walter White, aos poucos, ele toma medidas a seu favor que o tornam um personagem contraditório, no sentido de que ele não é um ser constante, mas que nos conflitos faz escolhas que surpreendem e contam ou acrescentam algo novo sobre seu caráter, o que em termos de narrativa, aumenta a dimen- são do personagem. No episódio End Times, o décimo segundo da quarta temporada, Walter reconhece que ele viveu sob a ameaça de morte durante um ano, fez suas escolhas, e as consequências destas se aproximam dele.

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Até o final de Breaking Bad, Walter é um protagonista ativo. Ele terminou sem a reconciliação com a família, no entanto, conseguiu o dinheiro e se vingou de inimigos. Ele não se via como derrotado diante das adversidades, e unia sua força de vontade com suas ati- tudes e movia-se para vencer. Walter passou por um processo de transformação que de um homem que era inicialmente apático e desinteressante, se tornou ao mesmo tempo herói e anti-herói. Herói por sua disponibilização em solucionar os conflitos e anti- -herói devido aos meios que utilizava para superar suas tribulações.

NÍVEIS DE CONFLITO, COMPLEXIDADE