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A efetivação das atividades na sala de aula

Descreveremos, a seguir, todas as etapas das atividades que foram aplicadas durante as 30 horas/aula que permanecemos na sala de aula com a turma do III Nível D da EJA. Detalharemos aspectos que se destacaram durante as etapas percorridas nas atividades, que consideramos como as mais ricas de informações, tecendo comentários sobre os resultados apresentados, segundo uma análise com aporte teórico sustentado por referenciais sobre as características e especificidades da Educação de Jovens e Adultos, o ensino de matemática por atividades e o uso de materiais manipulativos na sala de aula, imersos numa perspectiva de alfabetização funcional matemática.

Nossas observações foram constituídas a partir da construção de informações por meio de anotações no diário de pesquisa, de entrevistas coletivas com os alunos, e gravações audiovisuais.

De uma seqüência composta por vinte e duas atividades, foram aplicadas dezenove em sala de aula. A seguir, enfatizaremos os fatos mais marcantes ocorridos durante a concretização de algumas delas.

Foto 06: Alunos desenvolvendo atividades Imagem: Daniele Esteves

A Terra é redonda? A visão dos alunos sobre a forma da Terra e o lugar que nela ocupam (4 horas/aula)

A Atividade 01 (A forma da Terra) tinha entre seus objetivos discutir com os alunos sobre a visão empírica que eles possuíam sobre a forma da Terra e, se essa concepção assemelhava-se à visão científica sobre o tema. Era de nosso interesse também conhecer como os alunos viam o mundo, qual o lugar que ocupavam e sua importância no mundo, as relações que estabeleciam com o mundo, enfim, quais os conceitos, impressões, observações e imagens que possuíam do tamanho, da forma e das dimensões do mundo em que vivemos.

Atividade 01: A forma da Terra OBJETIVOS:

Verificar se a concepção empírica dos alunos é igual a concepção científica em relação à forma da Terra;

Construir um entendimento científico sobre a forma da Terra; Apresentar a esfera como forma geométrica;

Propiciar situações que ajudem os alunos a superar o egocentrismo, a fim de que possam ver e sentir melhor os pontos de vista dos outros.

PROCEDIMENTOS PARA O PROFESSOR: Organizar a turma em um grande círculo;

Iniciar a atividade com uma conversa sobre o que os alunos pensam a respeito do lugar onde vivem;

Solicitar aos alunos que desenhem a Terra como sendo um observador fora dela; Discutir sobre os desenhos apresentados, levantando hipóteses e questionamentos;

Apresentar algumas formas geométricas;

Levantar semelhanças e diferenças entre as formas apresentadas (planas e não-planas); Enfatizar a forma esférica, detalhando sobre a esfera e seus elementos principais.

Iniciamos a atividade com uma dinâmica de grupo, na qual uma de suas finalidades era ‘quebrar o gelo’ entre nós e os estudantes, visto que aquele era nosso primeiro contato com a turma.

MATERIAL:

Papel sulfite, lápis preto, lápis coloridos, transferidor, canetas hidrocor e borracha.

Com todos os dezessete presentes naquela noite dispostos num grande círculo, foi solicitado a cada aluno que sorteassem o nome de um colega de classe e descrevesse-o em seguida para que todos adivinhassem quem era o escolhido. Após acertarem o nome da pessoa, permitíamos que o participante descrevesse a si mesmo, concordando ou não com as características que haviam sido enunciadas.

Pretendíamos, dessa forma, incentivá-los ao diálogo, falando de algo que deveriam conhecer bastante: seus colegas de classe e eles mesmos. Com isso, preparávamos os alunos para a atividade em si, onde precisariam falar e descrever sobre a Terra.

Permanecemos com as carteiras dispostas em círculos, e conduzimos a atividade por meio de uma entrevista semi-estruturada, mas com matizes de uma conversa informal.

O estranhamento inicial causado pelas inúmeras diferenças de metodologia utilizada nas atividades e na organização da sala de aula foi externado pela fala dos alunos, quando revelaram que “nunca haviam assistido uma aula de matemática sentados daquele jeito”. (grifo nosso)

Interrogados sobre o que pensavam a respeito do mundo em que viviam, os alunos mostraram-se preocupados com aspectos relacionados à violência, à poluição, à degradação do meio ambiente. Entretanto, ressaltaram que o lugar onde viviam (Natal/RN) era muito bom e ainda conseguia manter-se de certa forma a margem dos graves problemas listados.

Então, perguntamos se apesar de morarem num lugar “bom para se viver”, se eles sentiam-se como integrantes de um mundo maior, bem mais complexo e com graves problemas do que a cidade do Natal, ou se todas as notícias veiculadas a respeito desses assuntos levantados vinham de lugares muito distantes, longe de suas realidades e, portanto, não interferiam em suas vidas e nem eles interferiam nos problemas.

As respostas obtidas mostraram que os alunos sentiam-se como parte integrante de tudo, e que “o mundo somos todos nós!”, e, portanto, estavam também passíveis de sofrer as conseqüências de todos os problemas que acometem o planeta. Porém, creditavam a sua religiosidade o fato de habitarem um lugar que consideravam “um paraíso” e por esse motivo estavam distantes desses fatos caóticos, uma vez que “Essas coisas não acontecem por aqui porque Deus protege a gente”.

A religiosidade também surgiu no momento em que pedimos aos estudantes que descrevessem o mundo, desenhando uma espécie de retrato falado da Terra. Logo após, narrariam suas características, a exemplo da dinâmica que havíamos realizado no início da aula. Pretendíamos a partir dos desenhos (Anexo A) discutir alguns conteúdos matemáticos como figuras planas, não-planas e formas geométricas, principalmente a esfera. A forma da Terra, que acreditávamos ser um ponto pacífico entre todos, gerou uma polêmica discussão, dividindo opiniões na classe sobre essa forma.

Um trecho do diálogo com a turma ilustra seus conflitos de idéias e opiniões entre ciência e religião:

Pesquisadora: Eu quero que vocês falem das características da Terra Aluna V: Ah! Já sei! Se é redonda, se é quadrada, é isso?

Aluna M23: Eu não sei se é redondo, se é quadrado! As pessoas que estudam

isso pode tá mentindo. Tem outros planetas que também são terra e ninguém sabe como ele é. Se é redondo, se é quadrado.

Pesquisadora: Mas, e os estudos? Aluna M: Às vezes é muita mentira!

Pesquisadora: E as fotos que os livros mostram? Aluna V: A Terra é redonda com certeza!

Aluna M: Só quem sabe é Deus! Deus diz uma coisa e tem muita gente que

diz outra

Pesquisadora: Quem acha que e a Terra é redonda? Aluno J: Pelo menos é o que dizem. Eu tenho quase certeza Aluna G: Acho que é quadrada

Aluna L: Mas as estrelas não giram, minha filha! Se a Terra for quadrada,

como é que ela vai girar? Só se ela der cambalhotas! [risos]. Bota uma roda quadrada num carro e vê se ele vai andar!