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Finalmente, apresenta-se a análise do último provérbio selecionado: (XX) Dou um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair dela.

Unidades de informação: 1) Dou um boi

2) para não entrar numa briga 3) e (dou) uma boiada

2) para não sair dela.

1-2 não precisava testemunha. Se casamento fosse bom Condição

Texto 17

O CASO DA PENHORA DA BOIADA

Luis Antônio Matias Soares

Adia teu julgamento enquanto ouves ambas as partes Schottus

I

Nós mineiros temos um ditado antigo, mas bastante conhecido e muito citado por brasileiros de todas as regiões: “dou um boi para não entrar numa

briga e uma boiada para não sair dela”.

Antes de prosseguirmos na leitura do caso do boi e da boiada, vamos tentar desvendar de onde poderia ter-se originado esse ditado?

Com certeza será necessário que retornemos um bocado no tempo e no espaço: o desbravamento e a colonização da região das Minas Gerais tiveram início por volta do século XVI e foi levado a efeito principalmente pelos bandeirantes que partiam do povoado de São Paulo em busca de ouro e pedras preciosas.

Muito da nossa história e dos nossos costumes começam de fato a se formar e a se montar exatamente ali, como um quebra-cabeça. Em 1693 – por exemplo – foram descobertas importantes jazidas de ouro na serra de Sabarabuçu, próximo aos ribeirões do Carmo e do Tripuí. Essa e outras descobertas provocaram um intenso contingente migratório para a região.

Este crescimento populacional trouxe como conseqüência imediata o desenvolvimento do comércio: para atender às necessidades de toda aquela gente tornou-se essencial a presença dos comerciantes, principalmente daqueles que lidavam com produtos alimentícios derivados da agropecuária.

O gado teve então um papel preponderante tanto no que concerne ao desbravamento inicial da região quanto na posterior interiorização do processo de colonização do Brasil. Na medida em que os ―tropeiros‖ iam adentrando pelo território brasileiro rumo às terras localizadas a oeste de Minas Gerais e àquela região do nosso território atualmente pertencente ao Estado de Goiás, expandiam igualmente a colonização portuguesa.

Diante de todos estes fatores, deu-se o enriquecimento de muitas famílias de mineradores e comerciantes. É possível então que uma das primeiras fontes na origem do referido ditado tenha sido exatamente o seio dessas famílias ricas, muitas delas proprietárias de grande quantidade de gado.

Outro importante fator reside no fato de que a exploração do ouro desencadeou muitas rivalidades e guerras entre as variadas populações da colônia. Temos como exemplo maior a sempre citada Guerra dos Emboabas, confronto travado entre os são paulinos (os moradores de São Paulo) e os demais habitantes da região das minas (portugueses, etc.) pela exploração das jazidas de ouro. É possível então que tenha se tornado muito comum entre o povo dizer-se

que se ―dava um boi para não entrar numa briga, mas uma boiada para não sair dela‖. E aqueles em verdade eram tempos de muitas e muitas ―brigas‖.

Vemos assim que muito da nossa cultura e dos nossos costumes – e entre eles certamente se encontram os ditados populares – descende diretamente do tempo passado, da história não muito distante da vida de homens e mulheres que nos antecederam no tempo e no espaço.

[...]

Quando se tenta classificar essas orações sob o ponto de vista da Gramática Tradicional, pode-se encontrar uma divisão em quatro orações: 1) Dou um boi; 2) para não

entrar numa briga 3) e (dou) uma boiada 4) para não sair dela. Apesar de se ter explicitado

essas orações, sabe-se que nem todas as análises tradicionais realizam tal divisão, já que o verbo dar está elíptico na que se considerou terceira oração. Todavia, observando essa divisão, as orações 1) e 2) seriam, respectivamente, oração principal e subordinada adverbial final. Quanto à 3) e à 4), a primeira seria principal e a segunda, subordinada adverbial final. Além disso, é possível considerar, também, as orações complexas (1-2) estabelecendo uma adversidade com as orações complexas (3-4), o que levaria a pontuar o e com o valor de mas e a classificar e uma boiada para não sair dela como coordenada sindética adversativa em relação à Dou um boi para não entrar numa briga.

Segundo Halliday (1985/2004), nas porções de texto Dou um boi/ para não entrar

numa briga, a segunda oração seria hipotática de realce, expressando propósito. Nas porções e (dou) uma boiada/ para não sair dela, a segunda oração também seria hipotática de realce,

no eixo tático, há orações paratáticas. No eixo lógico-semântico, os pares (3-4) funcionam como paratáticas de extensão para os pares (1-2).

Conforme Matthiessen e Thompson (1988), no nível da articulação de orações a classificação em hipotáticas e paratáticas seria semelhante às de Halliday (1985/2004), demonstradas no parágrafo anterior. Todavia, eles ressaltam que, além da articulação de orações, é importante observar as relações retóricas que emergem no discurso.

O que chama atenção no uso dos provérbios é que, por esse gênero apresentar, como característica marcante, as metáforas, em todos os textos analisados a presença dos provérbios não se explica por meio do significado literal das palavras que o constituem, mas pelo sentido figurado que as compõe. Como nesse texto o autor procura explicar a origem das palavras, o uso desse provérbio estará mais associado a dizer o porquê da presença de vocábulos como boi, boiada e briga em Dou um boi para não entrar numa briga e uma

boiada para não sair dela.

Nessa perspectiva, a escolha de palavras tais como boi no provérbio poderia estar associada a O gado teve então um papel preponderante tanto no que concerne ao

desbravamento inicial da região quanto na posterior interiorização do processo de colonização do Brasil. O que justifica a palavra briga pode ser demonstrado em trechos

como: desencadeou muitas rivalidades e guerras. Os pares antônimos entrar e sair, do provérbio, colaboram para o significado geral de contraste, já que tanto Dou um boi para não

entrar na briga quanto e uma boiada para não sair dela se configuram como núcleos e

caracterizam-se por constituírem situações diferentes em alguns aspectos (um boi para entrar numa briga e uma boiada para não sair dela). Nesse sentindo, esses dois grandes núcleos estabelecem uma relação multinuclear de contraste. Em cada núcleo, há duas unidades de informação, no primeiro núcleo, encontra-se: 1) Dou um boi; 2) para não entrar e, no segundo: 3) Dou uma boiada 4) para não sair dela. Entre as unidades de informação (1-2) e (3-4), que estabelecem relação núcleo-satélite, nota-se a emergência da relação de propósito, tendo em vista que essa se caracteriza pelo fato de os satélites – para não entrar e para não

sair dela – serem realizados através das ações apresentadas pelos núcleos – dar um boi e dar