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SEÇÃO 2: Origens e contextos da instrução comercial luso-brasileira

2. Providências pombalinas para os negócios

Ao focalizar a “Era mercantilista” – correspondente à Idade Moderna ou aos tempos modernos, conforme historiadores como Falcon & Rodrigues (2006, p. 1) –, como ponto de partida para este estudo, alguns aspectos históricos indissociáveis entre os campos econômico e político são inevitavelmente suscitados. Um dos mais relevantes aspectos para a compreensão da implantação da instrução comercial encontra-se na breve noção da figura responsável por empreender as principais reformas portuguesas após o Terremoto de Lisboa (1755), na época que ficou conhecida como pombalina.

Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), mais conhecido como Marquês de Pombal47, conquistou consagração social e institucional ao se destacar no papel de primeiro- ministro durante o governo josefino. Teorizado por inúmeros estudiosos, Pombal foi responsável por aproximar Portugal das demais nações europeias através da política econômica mercantilista e das ideias iluministas, ou do „pombalismo‟. Seu envolvimento com os assuntos da corte portuguesa teve início ainda cedo, através de suas missões como diplomata a partir de 1738 em Londres, e depois de 1745 em Viena. Foi durante sua passagem

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Em poucas palavras, a letra de câmbio é um título de crédito que se estrutura como ordem de pagamento.

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Apesar de ter recebido o título de Marquês de Pombal somente a 17 de outubro de 1769, este estudo irá se referir a Sebastião José de Carvalho e Melo como Pombal para facilitar o entendimento. Para maiores informações sobre Pombal, ver Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo, de Kenneth Maxwell (1996).

fora de Portugal que Pombal se aproximou das ideias estrangeiradas e das referências iluministas que viria a adotar.

Durante o reinado de D. José I (1750-1777), Carvalho e Melo foi nomeado Secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (1750), e depois Secretário dos Negócios do Reino (1755). Entretanto, foi a partir do terremoto que as pretensões políticas do Marquês de Pombal ganharam notoriedade, quando assumiu a reconstrução de uma Lisboa independente economicamente, transformando-a no centro comercial e administrativo de Portugal. Um exemplo desse interesse esteve na construção da Praça do Comércio, onde se localizava a antiga Praça Real. Além das reformas urbanísticas, Pombal provocou reformas estruturais em diversas instâncias. Observa-se nesse período uma ampla publicação de legislação marcada pela interpretação pombalina das Luzes para a construção do Estado absolutista ilustrado português48.

Ao mesmo tempo que se empenhava na consolidação do seu próprio estatuto e na reconstrução de Lisboa, o futuro marquês de Pombal investiu naquele que era um aspecto essencial das suas convicções programáticas: a reorganização do aparelho comercial, de acordo com conhecidos parâmetros mercantilistas, visando melhorar as relações de troca com o exterior e, em particular, com a Inglaterra (RAMOS, SOUSA & MONTEIRO, 2009, p. 366).

A tradição histórica tornou o ministro-chefe do rei José I de Portugal conhecido pelo papel de benfeitor onisciente que teria desempenhado. A partir de suas medidas de alinhamento iluminista, foi possível perceber que todos os esforços de Pombal iriam denotar um anseio de promover um tipo desejado de homem e sociedade, os quais, antes de mais nada, necessitavam ser preparados. O historiador David Birmingham descreveu Pombal como:

um dos governantes mais inovadores que Portugal já teve, embora seus métodos ditatoriais tenham refletido a aspereza do absolutismo do século XVIII. Ele pertencia a uma tradição de estudiosos, diplomatas e políticos portugueses que viveram no estrangeiro e estavam familiarizados com o Iluminismo europeu. Eles tornaram-se a noblesse de robe [nobreza togada], desconfortavelmente equilibrada entre a alta burguesia e a baixa nobreza. Eram conhecidos como a elite „alienada‟ e nunca foram populares diante da nobreza arcaica da sociedade tradicional. Também não eram aprovados pelos mercadores ingleses privilegiados de Lisboa e do Porto, pois estavam

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Para conhecer mais pesquisas que tem como objeto em comum as reformas pombalinas da instrução e sua legislação, ver A legislação pombalina sobre o ensino de línguas: suas implicações na educação brasileira (1757-1827) organizado por Luiz Eduardo Oliveira (2010a).

preocupados em desenvolver uma classe mercantil nativa capaz de controlar o destino do país (BIRMINGHAM, 2015, p. 98-99).

Antes de prosseguir a compreensão da figura de Pombal, é muito importante perceber que o empenho pombalino com a instrução na “Sciencia do commercio”49 estava relacionado com sua percepção do despreparo técnico dos comerciantes portugueses, mas também caracterizava a valorização dos negociantes pela Corte portuguesa dentro do sistema de troca de interesses entre a Coroa e o papel de destaque assumido pelos homens de negócios a partir da Revolução Comercial50.

As navegações e descobrimentos constituíram, em boa medida, uma das resultantes dessa expansão geral da economia e contribuíram, por sua vez, para acelerar tal expansão. Em um certo sentido, por sinal, a noção mesma de Revolução Comercial sublinha dois fenômenos muito importantes: a rápida ampliação e diversificação dos mercados e o impacto representado pelo afluxo de metais preciosos. Em ambos os casos, cresceram exponencialmente as possibilidades de lucro dos empresários, em associação, muitas vezes, com os negócios dos príncipes (FALCON & RODRIGUES, 2006, p. 14).

Desde o século XVI, os elementos burgueses representavam uma fonte de potenciais indivíduos habilitados a exercer algumas funções indispensáveis ao funcionamento do aparelho administrativo do poder central e para as quais a nobreza não demonstrava em geral interesse e/ou preparo. Esses indivíduos seriam especializados em contabilidade e finanças, moedas e câmbio, legislação consuetudinária e Direito Romano, registros processuais etc. Para a afirmação da supremacia real e, por conseguinte, do monopólio – sobre o uso da força, o controle fiscal e o poder de justiça –, persistia a luta dos monarcas contra as resistências locais e provinciais.

Nessa complexa redistribuição, interessava aos monarcas a aliança com a burguesia como categoria social, pois haveria inúmeras oportunidades de lucro “oferecidas pelos negócios com os príncipes, a começar pela concessão de empréstimos vultosos” de interesse dos monarcas; e haveria também o interesse burguês em “favorecer as políticas régias contra os inúmeros obstáculos feudais e corporativos que dificultavam e oneravam o trânsito e o comércio de mercadorias no interior do próprio reino”, em função, sobretudo, da resistência das administrações urbanas controladas por oligarquias paroquiais. Estava posto então uma

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Expressão utilizada por Jacome Ratton (1920, p. 192).

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Em poucas palavras, pode-se dizer que a Revolução Comercial envolveu o conjunto de transformações econômicas ocorridas na Europa entre os séculos XVI e XVIII, incluindo o fim do feudalismo, a monetarização, a fundamentação das relações mercantis e a consequente revolução industrial. Para uma compreensão mais aprofundada, ver A Era das Revoluções (1789-1848) de Eric Hobsbawm (2015, p. 19-95).

das origens do mercantilismo enquanto política de unificação dos poderes político e econômico.

Ao voltar os olhos para esses parceiros do Estado português na composição da hierarquia da incipiente sociedade capitalista, observa-se que a política adotada no tratamento dos homens de negócios entre os séculos XVII e XVIII pode ser considerada confusa, se levado em consideração que a Inquisição promoveu a perseguição reiterada aos cristãos- novos, formados em sua maioria por homens de negócios. Enquanto isso, o Reino elegia o comércio como sua principal atividade de fomento do Estado. Segundo Júnia Furtado (2006, p. 32), o lugar do comércio nos interesses do Reino era tão representativo que o rei D. José se auto-intitulava “Senhor da Conquista, Navegação e Comércio”.

Apesar do título do rei D. José, seu secretário de negócios foi o responsável por estabelecer numerosos legislações e órgãos para o aumento do controle e dos lucros sobre a atividade comercial. Uma das medidas foi a criação do Conselho Ultramarino em 1642, com o objetivo de centralizar e organizar todos os assuntos relativos ao Império Colonial. Esse órgão foi mais tarde desmembrado em outros, a exemplo da secretaria que seria assumida por Pombal, que se encarregou de tentar elevar os homens de negócios à condição de bem vistos pela nobreza. Certamente, esta estratégia pombalina visava cooptar novos interessados na participação de negócios coloniais.

A Coroa utilizou a concessão de títulos e honrarias para ter a seu lado o serviço e o capital dos grandes homens de negócios do Reino. A associação destes comerciantes com o Estado ocorreu durante a disputa por mercados cada vez mais monopolizados. Nos países ibéricos, esta consubstanciação se fez de forma efetiva, já que as necessidades de um importante comércio de cabotagem transoceânico, ligando as metrópoles às suas respectivas colônias, requeriam capitais vultosos e estrutura organizacional que nem o Estado sozinho, nem o pequeno comércio tradicional, eram capazes de responder. Na medida em que os grandes comerciantes eram os únicos que acumulavam capitais vultosos e tinham interesse em investir em negócios, eram eles os parceiros ideais no empreendimento colonial. Por isso, foram constantemente invocados a financiar o Reino em apuros, ou a arrematar os diferentes contratos para a exploração dos produtos coloniais (FURTADO, 2006, p. 35).

Estava colocada assim a estratégia pombalina de fortalecimento do Estado através do incremento de tributos que seriam pagos por negociantes e suas transações cada vez mais volumosas, bem como com as parcerias em momentos considerados críticos, como conflitos territoriais. Para que essa estratégia alcançasse êxito, era mister investir na “formação e notabilização” dos comerciantes portugueses a fim de tornar mais ágil e eficiente a máquina

administrativa do Estado, aumentar a arrecadação e promover o desenvolvimento do comércio colonial atraindo os judeus portugueses que estavam dispersos pelas praças mercantis europeias integrando-os à Corte, onde viveriam em torno do Rei e disputariam favores, títulos e cargos (FURTADO, 2006, 40-41).