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2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.2 Teatro vs Jardim de Infância?

2.2.1 Proximidades e distâncias entre “culturas”

[A] Arte, como espaço de expressão do homem, atravessa todas as fronteiras que ele próprio ora artificialmente cria, ora dramaticamente destrói ao longo da vida. A liberdade individual e a ordem institucional são duas faces da mesma moeda em permanente conflito. Esta parece ser a realidade, com as especificidades e matizes de cada cultura. (Lima, 2018, p.7)

A cultura de escola e a cultura de um espaço artístico coexistem na “mesma moeda”, no entanto, distanciam-se, apesar das suas constantes dinâmicas de cumplicidade (Lima, 2018). Tendo consciência destas proximidades e/ou distanciamentos, as subjetividades entre estas mantêm-se, num sentido de inclusão ou de exclusão com as aprendizagens que desenvolvem, uma vez que, muitas vezes, não são encarados como conhecimentos académicos válidos, com as suas próprias matérias, o que advém da cultura artística.

A cultura escolar tem uma forte tendência de compartimentar os saberes, dando primazia ao racional, procurando sempre alguma segurança, o que conduz a “uma separação cada vez maior entre o desenvolvimento cognitivo e o emocional” (UNESCO, 2006, p. 7). Em contrapartida, segundo Brilhante (2007), a cultura artística estimula a “autoconsciência,

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espoleta a questionação, desenvolve o inconformismo e o desejo de quebrar barreiras” (p.4). Para Assis (2017), existe uma cultura escolar que está há muito enraizada e que parece não ser possível alterar:

Esta cultura escolar está de tal forma interiorizada nas relações de poder, nos papéis e nos graus de autonomia assumidos por cada um, na gestão dos tempos e dos espaços de aprendizagem e nos mecanismos de controlo, que se tornou natural, como se não fosse possível fazer de outra maneira. (p. 22)

Como é que, por vezes, é tão difícil conciliar estes dois contextos, cujas prioridades são, em vários aspetos, análogas ou afins?

No caso português, o perfil específico de desempenho profissional do Educador de Infância também veio dar relevância às Artes no JI, clarificando, no plano curricular, o que se espera do educador:

d) Promove, de forma integrada, diferentes tipos de expressão (plástica, musical, dramática e motora) inserindo-os nas várias experiências de aprendizagem curricular;

e) Desenvolve a expressão plástica utilizando linguagens múltiplas, bidimensionais e tridimensionais, enquanto meios de relação, de informação, de fruição estética e de compreensão do mundo;

f) Desenvolve actividades que permitam à criança produzir sons e ritmos com o corpo, a voz e instrumentos musicais ou outros e possibilita o desenvolvimento das capacidades de escuta, de análise e de apreciação musical;

g) Organiza actividades e projectos que, nos domínios do jogo simbólico e do jogo dramático, permitam a expressão e o desenvolvimento motor, de forma a desenvolver a capacidade narrativa e a comunicação verbal e não verbal;

h) Promove o recurso a diversas formas de expressão dramática, explorando as possibilidades técnicas de cada uma destas. (Decreto-Lei n.º 240/2001, III, anexo n. º1)

Todavia, os ambientes escolares e os artísticos possuem algumas fragilidades na sua conciliação, pois, nos ambientes escolares, assiste-se a uma supremacia das capacidades cognitivas sem reconhecer que a valorização da cultura artística deve “ser admitida como

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uma carga cultural importante em que a aceitação dos sentimentos e emoções devem ser uma das finalidades da educação” (Marques, 2012, p. 4).

Em relação ao Teatro, segundo Gagliardi (1998), a escola é vista como um dos espaços mais apropriados para as primeiras e tão importantes aproximações à prática teatral entre crianças independentemente das suas diferenças. Será pertinente sublinhar que o Teatro visa a formação global da criança, constituindo-se como um espaço de diálogo e experimentação (Bezelga et al., citado por Abreu, 2014), que permite a descoberta de capacidades do próprio individuo, mas também do grupo. Segundo estes autores, as crianças que são privadas das diversas linguagens artísticas manifestam dificuldades de expressão das suas ideias, dos seus pensamentos e sentimentos, reprimindo-os.

As OCEPE (2016) consideram também que as diferentes linguagens artísticas que fazem parte da EA são meios de enriquecer as possibilidades de expressão e de comunicação das crianças. Andrea (2005) partilha da mesma ideia e vai mais longe, referindo que “a utilização da expressividade através das linguagens artísticas torna-se o veículo pelo qual o indivíduo é posto em confronto consigo próprio, com os outros, com o espaço que o rodeia e com aquilo que lhe é proposto numa necessidade de julgar o que recebe e intervir com o que sente” (p. 11).

É necessário encontrar formas de complementaridade entre Teatro e Escola sem descurar as especificidades de cada uma destas realidades. É necessário encontrar pontos de contacto entre ambas as culturas, por exemplo através da fruição de espetáculos de teatro “como parte integrante de um processo rico e regular de trabalho” (António & Falcão, 2015, p.30).

Num panorama escolar de muita repetição e conteúdos, o Teatro deverá estar presente delicadamente como agente de transformação, na perspetiva de contribuir para o desenvolvimento do gosto estético, do confronto de ideias, da formação do sentido crítico, da aprendizagem do trabalho em grupo e do estímulo da imaginação e da fantasia. Segundo Dohme (2011), através, por exemplo, das leituras/histórias encenadas para a infância, que tantas vezes não interessam aos docentes, abrindo novas perspetivas ao mundo infantil, “onde a realidade e a fantasia se sobrepõem” (p.7). De acordo com o mesmo autor, e a título de exemplo, as histórias/leituras encenadas podem possibilitar uma autêntica EA, pois, vão além do encantamento. Quando selecionadas, estudadas e

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organizadas adequadamente, podem ter a função de educar e formar, uma vez que preconizam autênticas lições devida, dando contexto a situações, sentimentos e valores que, quando isolados, são difíceis de serem compreendidos pelas crianças. Essas narrações desencadeiam processos mentais que levarão à formação de conceitos capazes de nortear o desenvolvimento de valores éticos e a valorização da autoestima e da cooperação social (Idem, 2011).