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Repertórios Interpretativos, Modelo de Ação Discursiva e Análise da Conversação, temas abordados que nos mostram um jeito diferente de se fazer Psicologia, a Psicologia Discursiva. O que mostramos anteriormente são as várias possibilidades de se fazer Psicologia Discursiva, seja focando em conceito ou modelos específicos, no caso repertórios interpretativos e Modelo da Ação Discursiva (MAD), ou sedimentando o trabalho em uma perspectiva mais fluída orientada pela Análise da Conversação (AC).

A Psicologia Discursiva, historicamente, vem se desenvolvendo como campo do conhecimento humano, e nessa história ênfases diferenciadas vão sendo criadas e implementadas. Em seu início, o conceito de repertórios interpretativos foi muito importante e bastante utilizado, principalmente para a análise de material derivado de entrevistas. Posteriormente, o MAD foi proposto como modelo para a análise, contudo, como os próprio proponentes do modelo alertam (Edward & Potter, 1993), sem a intenção de ser um modelo completo dos processos discursivos, nesse momento focando em conversações naturalistas, isto é, que ocorrem de maneira menos formal que as entrevistas, como conversas a mesa de jantar, diálogos de julgamentos em tribunais etc. Ambas formas de análise foram, conforme citado por Edwards (2005), influenciadas pela Análise da Conversação, tida como uma ferramenta capaz de analisar de forma minuciosa e empiricamente orientada as práticas relacionais pautadas pela conversação.

Temos, pois, uma maneira de se fazer psicologia em que podemos focar em diferentes ferramentas analíticas como os repertórios interpretativos (focando em conteúdo), o modelo da ação discursiva (focando o manejo de estruturas como a factualidade, o fato/interesse e a responsabilização), e a análise da conversação (foco no processo conversacional construtor de sentidos).

Para melhor compreendermos as diferenças entres essas abordagens ao fenômenos do discurso, podemos resgatar a construção como metáfora guia para entendermos as diferenças entres esses três modos de produzir sentido. Assim, podemos dizer que analisar os repertórios interpretativos seria compreender de que é feito a construção: tijolos, concretos, aço, ferro; analisar por meio do modelo da ação discursiva seria compreender como são feitas as estruturas que compõem a construção: a fundação, as pilastras, os arcos que seguram o teto; e utilizaríamos a análise da conversação para compreender o processo de construção: as técnicas utilizadas por pedreiros, engenheiros, pintores, para transformar as matérias primas e montá-las de tal forma que se transformem, efetivamente, em uma edificação.

Para além dos modelos e recortes conceituais, fica claro uma preocupação central da Psicologia Discursiva, o foco na análise do processo de construção e uso de descrições sobre pessoas e eventos presentes na fala e nos textos (Potter & Edwards, 2005). Especificando o modo pelo qual a Psicologia Discursiva trabalha, Potter e Edwards (2005) nos dizem que ela:

Ela examina como as descrições factuais são montadas, como são construídas como solidamente enraízadas ou desconstruídas como falsas, e como elas lidam com a responsabilização (ou outra coisa) das persongens e dos falantes. Nós focamos particularmente no que nós (provisoriamente) chamamos ‘mente e realidade’ – como as pessoas se utilizam do senso comum de uma realidade ‘externa’ como um tipo de cenário para, e um domínio de evidências do qual se pode realizar inferências, um espectro de estados mentais e características pessoais.

Nós também enfatizamos a organização retórica, como as descrições e suas inferências rotineiramente (e não apenas em contextos de disputa) estão sintonizadas quanto a possíveis ou imaginadas versões alternativas. As descrições são construtoras de seus objetos. Isto não quer dizer que a fala traz

coisas para o mundo, mas, ao contrário, que descrições são categorizações, distinções, contrastes; sempre há alternativas relevantes disponíveis. Isto permite que as descrições sejam performáticas; elas oferecem uma construção invés de outra, produzida em contextos sequenciais e retóricos, em que as características imediatas contam para produzir as ações. (p.243)

Ressaltadas as formas de se fazer Psicologia Discursiva, suas similaridades e diferenças, utilizaremos no presente trabalho, como forma de construir e analisar os dados, constituindo-se como fio conductor desse processo, a noção de repertórios interpretativos, isto é, o foco será no conteúdo, porém sem deixar de lado a análise da linguagem em uso, o modo como são construídas as descrições e as diferentes funções possivelmente assumidas quando do seu emprego na fala, procurando, portanto, incorporar insights das várias formas anteriormente descritas de se produzir sentido dentro do espectro da Psicologia Discursiva, buscando utilizá-las de forma complementar.

Nesse momento, creio ser importante ressaltar que o principal objetivo do presente trabalho é analisar o desenvolvimento da temática ética na e por meio da conversação entre psicólogos. O foco não está em analisar a conversação per se, portanto, a Análise da Conversação será utilizada como coadjuvante na produção de entendimento sobre o material utilizado.

Para esse objetivo, nessa dissertação, poderia se utilizar o Modelo da Ação Discursiva (MAD). No entanto, em análises preliminares, não consegui realizar um trabalho de qualidade, de tal forma que o que escrevia me parecia bastante mecânico e esterotipado, prendendo-me apenas às categorias do modelo e não atingindo de maneira satisfatória o tema ética.

Já quando utilizei como forma de análise os repertórios interpretativos, pude perceber maior desenvoltura na análise, analisando o conteúdo do discurso, no caso o tema ética, porém sem deixar de ancorar essa análise nos processos conversacionais, sujeitos à pragmatica da situação, possibilitando compreender os sentidos de ética emergindo a partir dos relacionamentos humanos. Assim, pude perceber e criar interpretações maleáveis, criativas e perspicazes. Acredito que por meio da noção de repertórios interpretativos foi possível realizar uma análise do tipo da Psicologia Discursiva, que possibilitou o estudo da temática ética de maneira interessante.

Ao justificar minha escolha pelo modo de análise calcado no estudo dos repertórios interpretativos, creio estar sendo coerente com o entendimento construcionista social do processo de produção de conhecimento, não aderindo à concepção positivista de cientista heróico que utiliza a melhor ferramenta de análise única e exclusivamente em função das características dos dados, excluindo do processo influências tidas como espúrias, de cunho pessoal e, portanto, subjetivas, mas subcrevo-me ao entendimento de que produzir sentidos por meio da escrita científica é também um processo marcado por escolhas mundanas relacionadas não apenas às características do material de análise, mas a variáveis não ideais como disponibilidade de tempo do pesquisador, habilidades específicas, preferências pessoais abstrusas.

7  –  Análise  e  discussão  

     

Tendo em vista a proposta do presente trabalho em compreender os sentidos construídos sobre ética por psicólogos que trabalham com grupos, inicialmente identificamos, nomeamos e descrevemos os repertórios interpretativos utilizados pelos participantes em situação de grupo. Juntamente com esse processo de identificação, procuramos compreender a função de seu uso em situações específicas, ou seja, em decorrência da pragmática da situação, como esses repertórios são utilizados em função da contingencialidade do momento conversacional, inserindo o seu uso em caráter contextual e situacional. O manejo da identidade no decorrer das conversas também foi um aspecto explorado, procurando entender as implicações identitárias do uso dos repertórios, compreendendo essas implicações como forma de construir retoricamente a realidade das descrições em pauta.

Utilizamos no presente estudo uma abordagem na qual interações entre os participantes do grupo foram realçadas e, a partir de tais trechos, elaboramos a análise dos repertórios interpretativos realçando não apenas os conteúdos como também seu uso interacional.

7.1  –  Episódio  1  

A atividade grupal a partir da qual utilizamos o material para a análise a seguir ocorreu no primeiro encontro do segundo grupo e constituía-se da seguinte forma: foi pedido que fizessem uma lista na qual cada uma escreveria 10 palavras que viessem à mente quando pensassem no termo “ética”. Depois pediu-se para lerem em voz alta. Após isso, deveriam em conjunto e consensualmente definir quais são as cinco palavras que sintetizam todas as outras palavras escritas individualmente. Esse grupo tinha quatro participantes.