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Define-se Transpessoal pelo que transcende a pessoa, tudo o que permite ir além da mesma. No seu conjunto, o Transpessoal constitui um novo paradigma científico da psicologia.

“No início do 3º milénio um novo paradigma começa a ganhar força/corpo a Psicologia Transpessoal, centrada na totalidade. Um novo vertex de visão holístico, sobre o ser humano que integra a transdisciplinaridade, propondo a complementaridade e convergência entre a ciência moderna e a tradição sapiencial, buscando a compreensão do mundo através do resgate da unidade do conhecimento. Esta abordagem, segundo Nicolescu, se alicerça na dinâmica advinda da acção de múltiplos níveis de realidade simultaneamente transcendendo a noção cienticifista de uma realidade unidimensional, na lógica aberta do terceiro incluído, transgredindo a dualidade cartesiana, e no enfoque da complexidade, segundo o filósofo EdgarMorin.” (Leloup, 2004, p. 11).

Para Maslow (2004), existem três revoluções no desenvolvimento da Psicologia Ocidental: A Psicanálise, o Behaviorismo, a Psicologia Humanista que coloca ênfase no potencial de auto desenvolvimento assim como a psicanálise (que se refere à “função psicanalítica do Eu”) contribuiu para a saúde do ser humano, servindo de transição para a Abordagem Transpessoal, a quarta revolução que enfatiza os estados ampliados e transcendentes da consciência. Mas Leloup vai mais longe e considera uma “quinta força, que transcende a polaridade pessoal-transpessoal, com o mesmo rigor investigando e conjugando a dimensão egóica com as fronteiras expandidas além do ego, aliando raízes e asas, centrada na consciência de inteireza: a abordagem transdisciplinar holística. Trata-se de uma visão inclusiva que integra todas as forças, considerando-as na ordem da complementaridade e não do antagonismo.” (Leloup, 2004, p. 12).

Na perspectiva holocentrada, Leloup e Weil denominam normose à patologia da normalidade referindo-se ao conformismo e estagnação da dinâmica evolutiva inerente à realidade humana, considerando a normalidade uma patologia da manutenção do status quo.

O processo de humanização individuação do ego ao ser é considerado através de “uma via interior, de um olhar para dentro para que o ser humano chegue a uma plenitude” (Leloup, 2004, p. 12).

Leloup vai mais longe sobre esta perspectiva que “ concilia o existencial com o essencial, o estado real de saúde é quando a essência transparece na existência, como afirma Graf-Durkheim. Além da normose, portanto, transcendendo a dicotomia perversa entre ciência e consciência, entre profano e sagrado, entre conhecimento e amor, consideramos testemunhos paradigmáticos de saúde plena, seres humanos iluminados, como Cristo e Buda, arquétipos supremos de educadores e terapeutas, no estado da excelência total.” (Leloup, 2004, p. 12).

Jean-Yves Lleloup em 1992 foi o inspirador e o orientador da fundação do colégio internacional dos terapeutas no Brasil, a Universidade Holística Internacional de Brasília, Unipaz. Inspirada na tradição dos terapeutas da Alexandria, que considera o corpo, a psique, a consciência e a essência como uma “proto-abordagem holística”. Podemos ver que as raízes deste novo paradigma transpessoal/holístico vem do primeiro século da nossa era, na transição do judaísmo para o cristianismo.

A Unipaz tem uma visão transdisciplinar para a saúde integral na arte de cuidar do ser.

“É necessário que estejamos abertos a todas as manifestações da mente, as quais, muito antes de pertencer a uma ou outra escola psicológica ou de ser propriedade de uma religião instituída, são, acima de tudo, questões do Homem no planeta terra. Fazem parte de sua natureza, e assim devem ser consideradas, não podendo ser dissociadas, fragmentadas ou relegadas no setting terapêutico.

Este é, “um dos importantes avanços da Psicologia Transpessoal: a abertura incondicional ao estudo e à compreensão de todo e qualquer conteúdo da manifestação da mente humana. Assim, as características básicas nesta psicoterapia são: a vivência dos conteúdos relatados em diferentes níveis de consciência, bem como a ampliação do conceito do inconsciente, observados os níveis diferenciados,

superiores, que favorecem positivamente o trabalho terapêutico.”, (Saldanha, 1999, p. 20).

“A partir de uma visão de ecologia profunda, e de uma definição de saúde como um estado de bem-estar psicossomático, social, ambiental e cósmico, postulada pela Organização Mundial de Saúde, três categorias de terapeutas são reconhecidas: a clínica, a social e a ambiental.” (Leloup, 2004, p. 13).

O conceito de Psicologia Transpessoal surgiu da evolução da Psicologia Humanista. A Psicologia Transpessoal tem raízes no existencialismo, no humanismo e na fenomenologia, integrando os conceitos antigos e mais recentes tais como: Epistemologia, antropologia, religiões comparadas, psiquiatria transcultural, arte, pedagogia, física quântica, neurobiologia e teoria dos sistemas. Neste sentido é um conceito em evolução, integra os novos conhecimentos sobre a natureza humana em qualquer domínio (M. Simões, 1997).

O transpessoal tem uma atitude de questionamento sobre as crenças e paradigmas assumidos, propondo abordagens inovadoras na procura do conhecimento e estudo da espiritualidade.

“O movimento transpessoal pretende o bem-estar bio-psicoemocional-social- cultural-espiritual, de acordo com o processo evolutivo da pessoa, usando preferencialmente os estados modificados de consciência em vigília diferenciada nos quais a pessoa (ou paciente) é o seu próprio terapeuta, integrando os conhecimentos das tradições orientais (xamanismo, meditação, etc. e ocidentais (experiências místicas, de quase-morte, hipnose, sonho acordado, psicadélicas, etc.) sobre aqueles estados com os obtidos pela ciência moderna. No campo da Psicologia Transpessoal, esta é a área da psicologia, que estuda os estados modificados de consciência e os fenómenos, de qualquer tipo, com eles relacionados (sua psicofisiologia e as experiências humanas excepcionais ou diferenciadas, que decorrem deles e sua aplicação terapêutica). Trata-se de uma definição pragmática, para iniciar trabalhos inter e transdisciplinares no meio académico.” (M. Simões, 2004a, p. s).

O movimento transpessoal foi oficializado em 1968 nos Estados Unidos da América por Abraham Maslow, Viktor Frankl, Stanislau Grof e James Fadiman (embora já existisse no Oriente há muito tempo. No início do século XX as técnicas de

transformação interior tornaram-se conhecidas na Europa por Jung, Assagioli, Desoille, Viktor Frankl.

Jung segundo Decamps (1997), terá sido o primeiro a empregar o termo transpessoal, em 1917, “ die

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lich“.

Como sabemos, Jung construiu toda a sua teoria (psicanalítica) baseada numa adaptação Ocidental da psicocosmologia do Oriente. Refere que o transpessoal se encontra também no acesso ao inconsciente colectivo e os seus arquétipos.

Viktor Frankl (1997), dá uma importância primordial às aspirações religiosas como meio psicoterapêutico. Para este autor “o que cria a neurose é o isolamento em si próprio, a inflação do ego, a fixação obsessiva nas suas pequenas infelicidades, no interior das quais a pessoa anda aos círculos cheia de compaixão de si própria. O transpessoal é essa distanciação, devido a uma consciência alargada graças à qual deixamos de nos preocupar com o que nos fazia sofrer tanto.” (Deschamps, 1997, p. 51).

Robert Desoille (1997), foi influenciado por Jung, Freud e Janet, criou a técnica do sonho acordado, trata-se de uma técnica terapêutica que permite sonhar sem dormir (Leal, 2005).

“O sonho acordado dirigido se inscreve no movimento do pensamento que utiliza o imaginário como via de acesso à vida afectiva subjectiva, não há a menor dúvida. Em que se torna possível, ao paciente pela mediação da linguagem, e a tomada de consciência do sentido do seu material simbólico, de encontrar a sua verdade inconsciente” (Leal, 2005, p. 335).

Para Desoille a reestruturação da personalidade é afectada pela ascenção a níveis de consciência.

Assagioli (1997), faz a diferença entre a realização de si e a realização do eu. A realização de si (self-actualization de Maslow) tem a ver com o crescimento psicológico de abertura para o despertar para o que é religioso, ético ou estético, das potencialidades latentes de cada ser humano. Quanto à consciência do centro espiritual e realização do eu transpessoal, Assagioli considera que é apenas o reflexo do Eu espiritual ou como a sua projecção na personalidade. A psicologia transpessoal favorece este despertar do Eu através dos diferentes métodos, que implicam E.M.C. das tendências ablativas (não egoístas), mais socializadas de que o indivíduo é

capaz, criando-se uma “abertura que não volta a fechar nunca mais” (Assagioli, 1970, p. 50).

Desoille usava a expressão “imagens místicas que revelam ao interessado possibilidades de «oblatividade», de dádiva de si que pode então cultivar para grande felicidade sua e dos outros». Pode então alcançar a consciência de Eu que é, para Desoille, um «máximo de hominização, para o qual tende a consciência… a expressão do ideal mais elevado que o sujeito pode imaginar no momento considerado». A seguir, o Eu deixa este nível de puro ideal, para se tornar o princípio dinâmico da cura e de todas as transformações que se processam posteriormente.” Desoille (1997) citado por (Leal, 2005, p. 335).

O objectivo principal da Psicologia Transpessoal são as vivências subjectivas, e com grande potencial transformador permanente, mas difíceis de quantificar, o que é normal quando estudamos seres humanos com as suas idiossincrasias. Sabemos que em psicoterapia trabalha-se com a subjectividade do ser humano integrado na sua cultura, com as suas crenças e processo individual de desenvolvimento do Ego.

A Psicoterapia Transpessoal tem como objecto e instrumento central a consciência mais especificamente os estados modificados de consciência (E.M.C.), permitindo uma expansão de identidade além do ego e da personalidade. “ O que o transpessoal nos fornece é a mensagem de que, doravante, podemos abandonar a concepção do «ego encapsulado num corpo» para abrirmos a uma expansão da consciência e a uma forma mais ampla da vida por conseguinte, mais generosa da existência” (Deschamps, 1997, p. 38).

Em suma, como diz Pierre Weil “o principal contributo do transpessoal é a afirmação de viver estados de consciência sem o Eu…quando a consciência do Eu regressa, esses estados são integrados na pessoa que, no entanto foi profundamente transformada e enriquecida por eles. Possui o sentido Universal e não apenas o individual.” (Nicolescu, 1997, pp. 124-125).