• Nenhum resultado encontrado

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.4 DEFICIÊNCIAS

2.4.1 Punição física contra a criança com deficiência

Desde cedo à história revela uma aproximação entre violência e deficiência. Sabe-se que os gregos eliminavam recém-nascidos portadores de deficiência física. A cultura grega, baseada na ideologia guerreira valorizava o indivíduo forte, saudável e corajoso e incentivava os pais a matarem seus próprios filhos, caso estes não nascessem de acordo com o padrão de beleza e saúde vinculados fortemente na cultura da época. Assim, a crença de que o defeito físico atingia toda uma descendência, sustentada por médicos e filósofos, se tornava propulsora de um padrão de comportamento social adotado por todas as famílias enquanto valores inquestionáveis da sociedade. A prática de infanticídio na Grécia não fala, porém, do desejo dos pais, mas antes de um desejo social fundado na ciência e na tradição que se sobrepõe à vontade pessoal (GONÇALVES, 2003).

As crianças dadas como diferentes das outras, tanto comportamentalmente, quanto fisicamente, estão mais expostas ao uso da força física quando outros métodos educativos tornam-se ineficientes, sendo alvos de desejo dos adultos em mudá-las (DAVOLI et al., 1994).

O indivíduo portador de deficiências de qualquer modalidade - seja visual, auditiva, física ou mental - encontra-se em uma posição de grande vulnerabilidade em relação ao não portador, sendo freqüentemente marcante a assimetria das relações de poder na interação entre ambos. Tal “assimetria de relação hierárquica” é multiplicada, conforme a severidade de cada caso, sendo ampliada se o portador de necessidades especiais pertencer a um outro grupo de risco, como por exemplo, se for mulher ou criança (WILLIAMS, 2003).

Segundo a Academia Americana de Pediatria (2001) crianças deficientes devem ser consideradas em risco de sofrerem maus tratos e que poucas pesquisas têm sido realizadas com foco específico na questão da violência nesta população.

Johnson & Drum (2006) realizaram um estudo de revisão que levou à conclusão de que o maltrato pode ter um efeito adverso profundo na saúde dos indivíduos com atrasos intelectuais. Concluiu também que indivíduos com atrasos intelectuais têm maiores riscos de experimentarem o maltrato do que indivíduos sem estes atrasos. Segundo os autores, dados da prevalência do maltrato entre indivíduos com atrasos são escassos, mas sugerem que o espaço do problema é considerável. Assim, parece que o maltrato é mais freqüente entre indivíduos com inabilidades do que para indivíduos sem inabilidades e tende a ser mais elevado para indivíduos com inabilidades intelectuais do que para indivíduos com outras inabilidades (JOHNSON & DRUM, 2006).

Um estudo do tipo longitudinal realizado no período de 1991 á 2001 na província de Zangarosa teve o objetivo de determinar em uma ampla série de crianças maltratadas, a prevalência de crianças com deficiências e suas características demográficas, a freqüência do tipo de maltrato e do maltratador e os fatores de risco sócio familiar e sócio ambientais. A definição de deficiência utilizada

pelo autor foi: uma enfermidade que dura um período de tempo prolongado ou indefinido, que requer cuidados médicos especializados, tendo como resultado dos sintomas da enfermidade alterações das atitudes físicas, psíquicas e sensoriais que ocasionam limitações funcionais e importantes nas atividades de vida diária. No período do estudo foram atendidas 1115 crianças que sofreram maus tratos. Desta amostra, 62 (5,56%) apresentavam algum tipo de deficiência física, psíquica e/ou sensorial. Verificou-se então que a negligência física (82,2%) foi o tipo de maltrato mais freqüente e 16,1% destas crianças sofreram vários tipos de maus tratos e o agressor mais freqüente foi à mãe. O autor concluiu que a maioria dos casos de maltratos em crianças com incapacidades, a etiopatogenia não está relacionada pela presença de um fator de risco individual como a deficiência, sendo que está relacionada com a existência de fatores de riscos familiares, sociais e ambientais, e quanto mais estes fatores de riscos se associarem ao redor da criança com deficiência, maior será a possibilidade de maltrato (GONZALVO, 2002).

Este mesmo autor realizou um estudo de revisão dos últimos 10 anos visando identificar estratégias para a prevenção de violência e maus tratos em crianças com deficiência e definiu que crianças apresentam maior risco de sofrerem situação de violência e maus tratos, não por serem deficientes, mas pela interação de fatores de risco individuais associados a fatores familiares, social, cultural, ambiental e econômico, como já havia mostrado no estudo anterior. Também inclui neste trabalho que os profissionais de saúde têm um efeito importante sobre a saúde e bem estar das crianças com deficiências e suas famílias e que a prevenção de situações de violência evita dores físicas, sofrimentos emocionais, outras seqüelas evitando custos econômicos para a comunidade (GONZALVO, 2005).

A preocupação com a violência praticada contra crianças deficientes é tanta que a Associação Americana de Psicologia (APA, 2003 apud WILLIAMS, 2003) publicou documento contendo deliberações específicas sobre o tema. Este documento afirma que há no momento pouca articulação entre as entidades de proteção à criança e as organizações que fornecem atendimento na área de educação especial, situação também que é válida para a realidade brasileira. Dentre as deliberações destacam-se: incluir informações sobre a criança deficiente nos registros dos órgãos oficiais e em todos os estudos epidemiológicos sobre abuso e negligência infantil; recomendar serviços de apoio para as famílias e encorajar a disseminação da pesquisa nesta área a advogados, assistentes sociais e nos cursos de formação de educadores e psicólogos.

Vale ressaltar que a maioria das pesquisas disponíveis sobre punição física contra a criança com deficiência é baseada em amostras da conveniência, portanto, pesquisas baseadas em amostras populacionais são necessárias para fornecer estimativas mais confiáveis deste tema tão importante.

Documentos relacionados