UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DISTÚRBIOS DO DESENVOLVIMENTO
KELLY FERREIRA
PUNIÇÃO FÍSICA EM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIAS DE UM MUNICÍPIO DE BAIXA RENDA: UM ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO
KELLY FERREIRA
PUNIÇÃO FÍSICA EM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIAS DE UM MUNICÍPIO DE BAIXA RENDA: UM ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO
Dissertação apresentada a Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento.
Orientadora: Profa. Dra. Cristiane Silvestre de Paula
KELLY FERREIRA
PUNIÇÃO FÍSICA EM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIAS DE UM MUNICÍPIO DE BAIXA RENDA: UM ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO
Aprovado em 14 de agosto de 2007.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________ Prof a Dra. Cristiane Silvestre de Paula - Orientadora
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________________ Prof. Dr. Décio Brunoni
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________________ Prof a Dra. Denise Martin Coviello
Universidade Católica de Santos
São Paulo 2007
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
Primeiramente eu agradeço a Deus por ter me colocado numa família tão especial.
Agradeço aos meus pais Iracema e João Carlos pela imensa dedicação e apoio tanto nas horas de decisões quanto naquelas horas de sofrimento, sempre me orientando e confortando com uma simples e/ou um simples gesto, como um abraço.
Mãe e pai vocês não imaginam o tamanho do meu amor por vocês.
Aos meus irmãos Junior e Kenia que sempre me apoiaram apesar de me acharem meio louca por estudar tanto. Obrigado pelas horas cedidas por vocês, afinal a caçula tem que ter privilégios. Amo vocês!
Aos meus cunhados Kelly e Silmar que se uniram aos meus irmãos tornando belas famílias cheia de amor.
Ao meu tio Toninho, sem palavras... como ele mesmo diz! Tio você sabe que eu te amo!
À minha vozinha Abigail pelo grande exemplo de vida que vem nos mostrando em seus 87 anos.
Ao meu avô Oldemar, in memorian, pois se estivesse conosco neste momento se
orgulharia deste título.
Agradeço aos meus pimpolhos Pedro Henrique e Beatriz pelas palavras desconcertantes, pelas brincadeiras me dando ânimo e incentivo de continuar sempre. E ao Enzo que está por vir. A titia ama vocês!
Agradeço ao meu namorado Gustavo que neste curto tempo me fez perceber o quanto é bom amar alguém. Te amo!
Às minhas amigas Giulliana e Isabella que sempre me deram força de uma forma descontraída, em nossos momentos de msn me fazendo rir, em nossas caminhadas a praia para desabafar. Enfim amigo é para essas coisas. Adoro vocês!
Ao Ricardo Colletti que se dedicou com sua sabedoria, in english!! Obrigado.
À Daniela e Aline que dividindo o mesmo espaço diariamente, compartilhamos bons momentos juntas.
Aos amigos da Unisantos que indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho. Em especial a Michele e Álvaro.
Agradeço a minha orientadora Cristiane pelas horas de dedicação, mostrando e dividindo sua sabedoria. Obrigada por me ensinar que sempre é possível ir mais além, superando limites. Foi um grande desafio!
Agradeço a professora Denise e ao professor Décio que através das críticas construtivas enriqueceram este trabalho.
Aos professores doutores do Mackenzie por terem me ensinado a fazer ciência.
Aos colegas que ao longo desta trajetória adquiri: Aline, Renata, Ana Carolina, Margareth, Maria Luiza e Adilson. Valeu, vencemos mais uma batalha!
RESUMO
A violência pode ser considerada toda ação danosa à vida e à saúde do
indivíduo. Crianças e adolescentes, por sua maior vulnerabilidade e dependência,
costumam ser vítimas freqüentes de atos abusivos. Entre as práticas educativas
mais comuns utilizadas pelos pais está incluída a punição corporal. Não foram
identificados estudos epidemiológicos realizados no Brasil sobre violência doméstica
contra crianças e adolescentes com deficiências, mas parece razoável supor que as
taxas neste grupo vulnerável também sejam altas. Os objetivos deste estudo foram:
(1) determinar a freqüência de punição física de crianças e adolescentes com
deficiências físicas e sensoriais em comunidade urbana de baixa renda na região
metropolitana de São Paulo; (2) descrever o tipo de punição sofrida por estas
crianças e adolescentes no ambiente doméstico, segundo o tipo de deficiência; e (3)
comparar a punição física de crianças e adolescentes com deficiências físicas,
sensoriais e sem deficiências. Método: estudo de corte transversal realizado com
amostra populacional de um bairro de baixa renda do município de Embu, São
Paulo. A amostra foi composta por 811 crianças e adolescentes com idade entre
zero e 17 anos de idade. Os instrumentos utilizados foram o CORE questionnaire
para avaliar violência doméstica e o Questionário de Associação Brasileira de
Empresas de Pesquisa (ABEP) para a determinação de classes econômicas. Como
os dados deste estudo fazem parte do Estudo Brasileiro de Violência Doméstica
(BrazilSAFE), as definições de punição física grave e não grave foram baseadas
neste. Resultados: Nesta amostra, 47 crianças/adolescentes (5,8%) apresentavam
algum tipo de deficiência física e/ou sensorial segundo informação das mães.
na amostra total, assim como na subamostra de deficientes: 61,7% de punição física
não grave e 10,6% de punição física grave nos últimos doze meses. Na punição
física não grave as palmadas nas nádegas apresentaram-se em evidência, já na
punição física grave, bater nas nádegas com objetos como vara, vassoura, pedaço
de pau ou cinto se destacou. Verificou-se ainda que as crianças e adolescentes com
deficiência sensorial apresentaram maior chance de sofrer punição física não grave
que os deficientes físicos (OR: 5,0; IC 1,2-20,4. p 0,03). Conclusão: Devido às altas
taxas de punições encontradas, seria de extrema importância a implementação de
sistemas de prevenção da violência praticada contra as crianças e adolescentes
com deficiência. Entidades de proteção à criança\adolescente e serviços de apoio a
famílias, com atenção especial àqueles que possuem deficiência sensorial, ou seja,
menos visíveis, podem vir a contribuir para melhor assistência evitando o
agravamento dos problemas e o surgimento de novos casos.
ABSTRACT
Violence can be considered as any action that is injurious to the life and health
of an individual. Children and adolescents, due to their greater vulnerability and
dependence, are frequently victims of abusive acts. Among the educational
practices that parents most commonly use, we find corporal punishment. There have
been no epidemiological studies identified in Brazil about domestic violence against
handicapped children and adolescents, but it seems reasonable to suppose that the
numbers in this vulnerable group are also high. The objectives of this study are: (1)
to determine the frequency of physical punishment in physically and sensorially
handicapped children and adolescents in a low-income urban community in the
metropolitan region of São Paulo; (2) to describe the type of punishment suffered by
these children and adolescents in the domestic environment, according to the type of
handicap; and (3) to compare the physical punishment of children and adolescents
having physical, sensorial and no handicaps. Methods: transversal study with a
populational sample in a low-income neighborhood in the city of Embu, São Paulo.
The sample included 811 children and adolescents aged from 0 to 17 years. The
instruments used were the CORE questionnaire to evaluate domestic violence and
the Questionnaire of the Brazilian Association of Research Enterprises (BARE) to
determine economic classes. Being that the data in this study are part of the
Brazilian Study of Domestic Violence (Estudo Brasileiro de Violência Doméstica
(BrazilSAFE), the definitions of severe and non-severe physical punishment are
based therein. Results: In this sample, 47 children/adolescents (5,8%) presented
some type of physical and/or sensorial handicap according to information given by
(67.6%) and severe punishment (19.6%) were identified, as was found in the
handicapped sub-sample: (61.7%) of non-severe physical punishment and severe
punishment (10.6%) during the last twelve months. In non-severe punishment
slapping of the buttocks was prominent, while in severe punishment, slapping the
buttocks with objects, such as a pole, a broom, a wooden stick or a belt were more
prominent. We also verified that sensorially handicapped children and adolescents
have a greater chance of suffering non-severe physical punishment than do those
that are physically handicapped (OR: 5,0; IC 1,2-20,4. p 0,03). Conclusion: Due to
the high rate of punishments encountered, it would extremely important that systems
be implemented to prevent the violence practiced against handicapped children and
adolescents. Entities to protect the child and adolescents as well as support services
for the family, with special attention to those who are sensorially handicapped, or, if
you will, those who are less visible, can contribute to a better assistance prevetting
the aggravation of the problems and the sprouting of new cases.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 Pirâmide etária da população do município de São Paulo...22
Quadro 1 Tamanhos de amostra necessários para estimar a prevalência p com
intervalo de confiança de 95% e precisão relativa...42
Quadro 2 Amostra final segundo faixa etária e sexo das crianças e adolescentes
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Descrição da Amostra total (N=811) e sub amostra com crianças e
adolescentes deficientes (N=47)...53
Tabela 2 Freqüência do tipo de punição (N=811)...55
Tabela 3 Punição segundo perpetrador por grupo com e sem deficiência; análise
univariada: odds ratio com intervalo de confiança de 95% [OR (IC
95%)] e valores de p para o teste de qui-quadrado (N=811)...57
Tabela 4 Fatores associados e tipo de punição por tipo de deficiência segundo
análise univariada: odds ratio com intervalo de confiança de 95% [OR
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO... 14
2 REVISÃO DA LITERATURA... 16
2.1 VIOLÊNCIA... 16
2.1.1 Violência Doméstica... 19
2.1.2 Violência Doméstica contra a criança no Brasil... 21
2.2 PRÁTICAS EDUCATIVAS... 24
2.3 FATORES ASSOCIADOS À PUNIÇÃO FÍSICA NO AMBIENTE DOMÉSTICO... 29
2.4 DEFICIÊNCIAS... 31
2.4.1 Punição física contra a criança com deficiência... 34
3 OBJETIVOS... 38
4 MÉTODO... 39
4.1 DESENHO DO ESTUDO... 39
4.2 LOCAL DE REALIZAÇÃO DO ESTUDO... 39
4.3 AMOSTRAGEM... 40
4.3.1 Tamanho e composição da amostra... 42
4.4 INSTRUMENTOS... 44
4.4.1 Questionário específico do WorldSAFE (CORE questionnaire)... 44
4.4.2 Questionário de associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)... 46
4.5 VARIÁVEIS INCLUÍDAS NO ESTUDO... 46
4.5.1 Desfecho clínico... 46
4.5.3 Treinamento dos entrevistadores... 47
4.5.4 Procedimento para a coleta de dados e considerações éticas... 48
4.5.5 Armazenamento dos dados... 50
4.5.6 Análise estatística... 51
5 RESULTADOS... 52
6 DISCUSSÃO... 60
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 66
REFERÊNCIAS... 68
1. INTRODUÇÃO
Conceitualmente, a violência pode ser considerada toda ação danosa à vida e
à saúde do indivíduo, caracterizada por maus-tratos, cerceamento da liberdade ou
imposição da força. A criança e o adolescente, por sua maior vulnerabilidade e
dependência, são vítimas freqüentes de atos abusivos (EISENSTEIN & SOUZA,
1993).
No Brasil, assim como em outras partes do mundo, independentemente de
cultura, da classe social, raça ou sexo, crianças são vítimas cotidianas da violência
doméstica. O convívio num ambiente hostil acaba por dificultar o desenvolvimento
saudável e adequado dessas crianças, prejudicando-as em nível individual, familiar
e social (VASCONCELOS, 2006).
Os pais utilizam diversas estratégias de socialização para orientar o
comportamento de seus filhos durante sua formação e seu desenvolvimento. Estas
estratégias são geralmente denominadas práticas educativas parentais. Entre as
práticas educativas mais comuns está incluída a punição corporal que segundo
Gershoff (2002) trata-se da punição administradas pelos pais e que ferem as
crianças.
Vários fatores de risco podem estar associados à violência doméstica contra a
criança e o adolescente, tornando-os mais vulneráveis. Entre os fatores mais
conhecidos, podemos citar o isolamento social, a idade e o sexo da
criança/adolescente, além dos portadores de deficiências de qualquer modalidade,
visual, auditiva, física ou mental, encontra-se em uma posição de maior
Segundo Bordin et al (2006) são raros estudos populacionais nacionais que
estimam a magnitude da violência doméstica. Ao mesmo tempo, uma das únicas
pesquisas no campo que teve como objetivo estimar a prevalência de punição física
grave de crianças/adolescentes em comunidade de baixa renda apontou um alto
índice (10,1%) de violência no ambiente doméstico, sendo que as vítimas têm
probabilidade aumentada de se tornarem futuros agressores, e quando presente a
violência intrafamiliar, a saúde mental das crianças/adolescentes pode estar
comprometida.
Não foram identificados estudos epidemiológicos realizados no Brasil sobre
violência doméstica contra crianças e adolescentes com deficiências, mas parece
razoável supor que as taxas neste grupo vulnerável também sejam altas. Assim, a
realização de pesquisas nesta área é de extrema importância para compreensão do
quadro atual.
É a partir deste pressuposto que o presente estudo utilizará o banco de dados
do Estudo Brasileiro da Violência Doméstica (BrazilSAFE) fazendo uma nova análise
relacionada às práticas educativas como a punição física de crianças e adolescentes
2.REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Violência
A violência constitui-se atualmente em um dos mais graves problemas de
saúde pública, sendo um fenômeno observado no Brasil e em diversos outros
países. Dados das Nações Unidas indicam que há pelo menos 50 conflitos étnicos
ou políticos violentos atualmente em andamento no mundo, apontando um número
estimado de 1,5 milhões de mortes de crianças devido à violência na última década.
Esses conflitos também resultaram em quatro milhões de crianças seriamente
feridas e 10 milhões de crianças traumatizadas (SALOMON, 2002).
A Organização Pan-americana de saúde (OPAS) conclui:
A violência, pelo número de vítimas e a magnitude de seqüelas orgânicas e emocionais que produz, adquiriu um caráter endêmico e se converteu nem problema de saúde pública em muitos países (OPAS, 1993).
Torna-se difícil compreender a violência devido seu grau de subjetividade e
controvérsia. No entanto podemos tentar compreendê-la em suas variadas formas
de acordo com o referencial teórico de alguns autores, considerados como
referência para este assunto.
Em 1996, a World Health Assembly declarou a violência como o problema de
saúde pública mais freqüente da atualidade. Nesta oportunidade a Organização
Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu a tipologia que caracteriza os diferentes tipos
de violência e as conexões entre eles. Esta tipologia divide a violência em três
áreas: (1) violência interpessoal que pode ser dividida em violência familiar que se
refere à violência entre membros da família e parceiros íntimos, e violência
violência também pode ser classificada de acordo com sua natureza: física, sexual,
psicológica ou envolvendo privação e negligência (WHO, 1999).
A violência também é compreendida de forma relacional:
A violência é simultaneamente a negação de valores considerados universais: a liberdade, a igualdade, a vida... a violência não é necessariamente condenação à morte ou, ao menos, esta não preenche seu significado exclusivo. Ela tem por referência a vida, porém a vida reduzida, esquadrinhada, alienada; não a vida em toda a sua plenitude, em sua manifestação prenhe de liberdade. A violência é uma permanente ameaça à vida pela constante alusão à morte, ao fim, à supressão, à anulação (ADORNO, 1993).
Já para esta a autora, a violência tem um caráter instrumental, ou seja, é um
meio que necessita de orientação e justificação dos fins que persegue. A violência é
um problema da sociedade, que desde a modernidade o tem tratado no âmbito da
justiça, da segurança pública e também como objeto de movimentos sociais
(ARENDT, 1990).
Minayo (1994) relata que há tempos existe uma preocupação do ser humano
em entender a essência do fenômeno da violência, sua natureza, suas origens e
meios apropriados, a fim de atenuá-la, preveni-la e elimina-la da convivência social.
Para entendê-la há necessidade de se voltar a especificidade histórica, concluindo
então que na configuração da violência se cruzam problemas da política, da
economia, da moral, do Direito, da Psicologia, das relações humanas, institucionais,
e do plano individual. A partir daí consegue-se hoje apresentar uma classificação
geral em 3 tipos:
(1) Violência Estrutural, aquela que oferece um marco à violência do
comportamento e se aplica tanto às estruturas organizadas e institucionalizadas da
família como aos sistemas econômicos, culturais e políticos que conduzem à
opressão de grupos, classes, nações e indivíduos, aos quais são negadas
conquistas da sociedade, tornando-os mais vulneráveis que outros ao sofrimento e à
levando os indivíduos a aceitar ou a infligir sofrimentos, segundo o papel que lhes
corresponda, de forma “naturalizada”.
Verifica-se então que o locus da violência estrutural é exatamente uma
sociedade de democracia aparente, que apesar de conjugar participação e
institucionalização e advogar a liberdade e igualdade dos cidadãos, não garante à
todos o pleno acesso a seus direitos, pois o Estado volta suas atenções para
atender aos interesses de uma determinada e privilegiada classe (NETO, 1999).
(2) A Violência de Resistência que se constitui das diferentes formas de
resposta dos grupos, classes, nações e indivíduos oprimidos à violência estrutural.
Esta categoria de pensamento e ação geralmente não é “naturalizada”; pelo
contrário, é objeto de contestação e repressão por parte dos detentores do poder
político, econômico e/ou cultural.
(3) A Violência da Delinqüência que é aquela que se revela fora da lei
socialmente reconhecida.
Além da violência que leva à morte, convivemos de modo cotidiano e oculto
com várias outras formas de vitimização. A violência doméstica ou intrafamiliar foi
registrada durante toda a história em diferentes países e culturas, e é sem dúvida,
responsável por milhares de crianças e adolescentes vitimados no Brasil (KRUG,
2002).
Este estudo terá como foco principal a da violência doméstica que será
2.1.1 Violência Doméstica
O conceito de violência intrafamiliar é tratado como ação ou omissão que
prejudica a integridade física e psicológica da criança ou tolhe sua liberdade e direito
ao pleno desenvolvimento, podendo ser cometida dentro e fora de casa, por
qualquer membro da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida,
mesmo sem laços de sangue (DAY et al., 2003).
Segundo Azevedo e Guerra (1995), existem diversas terminologias para
definir este tema: abuso, castigo, disciplina, maus tratos, violência, violência
doméstica, vitimização e vitimização doméstica.
A violência doméstica é aquela exercida contra a criança e o adolescente na
esfera privada (ASSIS, 1994; DESLANDES, 1994).
A violência doméstica é um fenômeno reconhecido desde a Antigüidade. Em
1985, foram encontradas múmias de 2000 a 3000 anos, cuja análise revelou uma
freqüência muito maior de fraturas entre mulheres e crianças que entre homens,
dado sugestivo de violência em tempos de paz (ULLOA, 1996). Em 1871, na cidade
de Nova York, vizinhos de uma criança espancada, denunciaram o fato à sociedade
protetora dos animais, por falta de instituição apropriada. Algum tempo depois, foi
criada uma sociedade para a prevenção de crueldade com as crianças. Somente em
1961, é que o abuso infantil recebeu maior atenção dos profissionais de saúde e da
sociedade em geral, com a descrição da síndrome da criança espancada por Kempe
et al (1962), onde relataram através da publicação de um artigo, que os traumas
eram provocados pelo abuso físico dos pais, com o intuito de demonstrar a
severidade dos sintomas e a necessidade da conscientização sobre o perigo dos
síndrome é descrita quando a criança é repetidamente sacudida pelos pais que
reagem ao seu choro contínuo, e acomete, principalmente, a lactentes menores de
seis meses. Os sintomas do bebê sacudido são variados, incluindo apatia, crises
convulsivas, irritabilidade e falta de apetite (PIRES, 1999).
Apesar de a violência doméstica ser descrita desde a Antigüidade, somente
há cerca de 30 anos é que o tema vem sendo sistematicamente discutido por
pesquisadores da área de saúde e somente a partir da década de 70 que a violência
passou a ser umas das principais causas de morbi-mortalidade, principalmente na
população de adolescentes e adultos jovens das grandes cidades (STRAUS &
GELLES, 1995; GELLES, 1997; MINAYO & SOUZA, 1998).
Araújo (2002) ressalta que a violência intrafamiliar continua ocorrendo e é
mantida pela impunidade, pela ineficiência de políticas públicas, pela ineficácia das
práticas de intervenção e prevenção e pela cumplicidade silenciosa dos envolvidos
(vítima, demais parentes, não agressores e profissionais da área).
Mesmo sabendo da importância do tema, ainda são bastante escassas as
investigações sobre o efeito indireto e complementar da violência familiar em
processos de adoecimento mais complexos ou sobre os efeitos na saúde da criança
em conseqüência do testemunho de violência entre outros membros da família. Um
dos possíveis motivos para a carência de pesquisas desse tipo é a dificuldade de
isolar o efeito da violência familiar em processos envolvendo fatores de risco
relacionados entre si, nos quais o estabelecimento de hierarquia entre os mesmos é
2.1.2 Violência Doméstica contra a criança no Brasil
A violência contra a criança é um tema que merece atenção, principalmente
num país tão populoso como o Brasil.
Em 1997, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o
Brasil possuía 30 milhões de crianças e 34 milhões de adolescentes. Chama
atenção a falta de estrutura pública para a atenção a esta população. A maior
expressão da violência estrutural que sofre esse grupo etário são os 20 milhões de
crianças e adolescentes brasileiros de 0 a 17 anos que se encontram em situação
de pobreza, vivendo com renda média mensal familiar de até meio salário mínimo
per capita, o equivalente a US$ 42,5. Além disso, o país é conhecido pela grande
desigualdade social, pelas baixas taxas de escolaridade e pela extrema
concentração de renda, que atingem as famílias e fazem sofrer uma multidão de
adolescentes que enfrentam a concorrência e as restrições do mercado de trabalho
simultaneamente à elevada pressão da sociedade de consumo.
Apesar do grande número de crianças e adolescentes no Brasil, dados do
SEADE - Sistema Estadual de Análise de Dados (2005), revelam que a base da
pirâmide etária (gráfico 1) vem se estreitando cada vez mais e a população idosa
continua crescendo como mostra o breve histórico.
Em 1981, o grupo etário que havia mais pessoas era o de 0 a 4 anos de
idade; em 1986, era o de 5 a 9 anos; em 1992, era o de 10 a 14 anos; em 1998, os
maiores percentuais estavam concentrados nas faixas de 10 a 14 e de 15 a 19 anos;
em 2001, o maior era somente o de 15 a 19 anos, mas a sua proporção já começava
percentual na população continuou em queda, aproximando-se daquele do grupo de
20 a 24 anos.
No outro extremo, a população de 60 anos ou mais de idade continuou
crescendo gradativamente: representava 6,4% da população em 1981; subiu para
8,0% em 1993 e chegou a 9,6% em 2003. Em números absolutos, isso significa que,
dos quase 174 milhões de pessoas, 16,7 milhões tinham, no mínimo, 60 anos de
idade.
Gráfico 1
Pirâmide Etária da População Município de São Paulo
Fonte: Fundação IBGE. Fonte: Fundação SEADE.
(*) População projetada.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, a gravidade dos
maus-tratos na infância foi reconhecida no Brasil no final da década de 80, quando a
época, também foram criados os Conselhos Tutelares para proteger os direitos das
crianças e adolescentes (BRASIL, 1990).
No Brasil, a magnitude da violência familiar ainda não pode ser bem
dimensionada. O reconhecimento recente do problema, a utilização de diferentes
definições do fenômeno pelas instituições e pesquisadores responsáveis pelas
estatísticas disponíveis, a diversidade das fontes de informações existentes e a
inexistência de inquéritos populacionais nacionais são alguns dos fatores que
dificultam estimativas mais acuradas (REICHENHEIM, 1999).
A grande maioria dos estudos sobre violência contra crianças e adolescentes
no Brasil, refere-se a amostras clínicas, atendidas em serviços especializados. Estes
estudos apontam que a agressão física é o abuso mais comum, atingindo crianças e
adolescentes de ambos os sexos e de todas as idades, sendo a mãe e/ou o pai os
agressores mais freqüentes (DESLANDES, 1994).
Estudos com amostras populacionais que buscam estimar a magnitude e
descrever as características de violência contra criança no ambiente doméstico são
raros no Brasil. Um dos únicos estudos, o estudo piloto do BrazilSAFE, foi conduzido
no município de Embu, São Paulo, com uma amostra de 89 famílias utilizando o
instrumento padronizado CORE questionnaire. Seus resultados apontam uma taxa
de prevalência de 10,1% de punição física grave de crianças/adolescentes (BORDIN
et al., 2006).
Um estudo epidemiológico realizado no Rio de Janeiro com 1.685 estudantes
selecionados aleatoriamente nas escolas públicas e particulares do município de
São Gonçalo no Estado do Rio Janeiro constatou que 14,6% dos estudantes sofriam
No estado do Paraná, foi realizado estudo incluindo crianças da 4ª e 5ª séries
e adolescentes da 7ª e 8ª séries de três escolas, públicas e privadas, da cidade de
Curitiba (N=472). Os dados mostraram que a punição corporal como prática
educativa é utilizada com bastante freqüência (88,1%) entre os estudantes de todos
os níveis sócio-econômicos (WEBER et al., 2004).
Outro estudo recente com amostra de estudantes foi realizado em Taubaté,
interior do Estado de São Paulo. Por meio de entrevistas com pais de 454 escolares
das primeiras três séries do ensino fundamental de escolas públicas e particulares
da cidade, os autores identificaram que pais/cuidadores que acreditavam na punição
física como método educativo, agrediam fisicamente seus filhos com bastante
freqüência (64,8%) (VITOLO et al., 2005).
Portanto, apesar das importantes diferenças metodológicas dos quatro
estudos brasileiros citados, todos eles apontam altas taxas de punição física contra
crianças e adolescentes em decorrência da prática educativa utilizada com
freqüência pelos pais. Afinal, o que é uma prática educativa?
2.2 Práticas educativas
No convívio diário, os pais procuram direcionar o comportamento dos filhos no
sentido de seguir certos princípios morais e adquirir uma ampla gama de
comportamentos que garantam independência, autonomia e responsabilidade, para
que mais tarde possam desempenhar adequadamente seu papel social. Neste
sentido, se esforçam para suprimir ou reduzir comportamentos que sejam
considerados socialmente inadequados ou desfavoráveis, como também para
papel de agentes de socialização dos filhos, os pais utilizam diversas estratégias e
técnicas para orientar seus comportamentos. Essas estratégias de socialização
utilizadas por eles são denominadas por alguns autores de práticas educativas
parentais (GRUSEC & LYTTON, 1988; MUSSEN, CONGER, KAGAN & HUSTON,
1990; NEWCOMBE, 1999).
Segundo Alvarenga (2001), as práticas educativas podem ser divididas em
dois grupos: as práticas educativas não-coercitivas e as práticas educativas
coercitivas. Dentre as práticas não-coercitivas encontram-se as explicações
baseadas nas conseqüências ou nas convenções, as negociações, as mudanças
nos hábitos dos filhos e os comandos verbais não-coercitivos. Já as práticas
coercitivas incluem agressão verbal, ameaça de punição, privação ou castigo,
coação física e a punição física.
A introdução da disciplina na vida da criança envolve um contexto de
interação entre pais e filhos em que a criança começa a ser confrontada com as
regras e padrões morais da sociedade através das práticas educativas parentais. O
conjunto de estratégias disciplinares utilizadas pelos pais pode ser dividido em duas
categorias distintas: as estratégias indutivas e as estratégias de força coercitiva. A
primeira delas caracteriza-se por atingir o objetivo disciplinar indicando para a
criança as conseqüências do seu comportamento para as outras pessoas e
chamando sua atenção para os aspectos lógicos da situação. Já as estratégias de
força coercitiva caracterizam-se pela aplicação direta da força, incluindo punição
física, privação de privilégios e afeto, ou pelo uso de ameaças dessas atitudes.
Ambos os tipos de estratégias têm por função comunicar à criança o desejo dos pais
de que ela modifique seu comportamento, bem como pressionar a criança a
Para Gomide (2003), as práticas parentais podem desenvolver tanto
comportamentos pró-sociais quanto anti-sociais, dependendo da freqüência e
intensidade com que o casal parental as utiliza. As práticas educativas que podem
levar ao desenvolvimento de comportamentos anti-sociais são chamadas de práticas
educativas negativas, sendo seis as mais encontradas na literatura: negligência,
abuso físico e psicológico, disciplina relaxada, punição inconsistente e monitoria
estressante. Quanto às práticas educativas positivas, que colaboram para o
adequado desenvolvimento pró-social da criança, se destacam 1) a monitoria
positiva: é definida como o conjunto de práticas parentais que envolvem atenção e
conhecimento dos pais acerca do local onde o filho se encontra e das atividades que
são desenvolvidas pelo mesmo; são ainda componentes da monitoria positiva as
demonstrações de afeto e carinho dos pais, principalmente as relacionadas aos
momentos de maior necessidade da criança, quando, por exemplo, eventos
aversivos ocorrem com ela. O apoio e o amor dos pais são à base da monitoria
positiva, que, unida ao interesse real pela criança, cria o ambiente propício para a
revelação infantil e afasta a necessidade da fiscalização estressante por parte dos
pais; 2) o comportamento moral: definido como sendo o processo de modelagem de
papéis na identificação e nas interações humanas, no que se refere principalmente a
normas e valores transmitidos através do modelo parental.
Dessa forma, essa prática educativa está ligada aos comportamentos morais
transmitidos aos filhos pelos pais, através de seus próprios comportamentos,
diálogos etc., referentes a temas como justiça, generosidade, empatia entre outros.
Autores afirmam que crianças que sofrem abusos dos pais têm maior
probabilidade de sofrerem problemas de saúde, problemas de comportamentos,
apáticas, medrosas e desinteressadas já que as mesmas quando punidas
freqüentemente pelos pais, não discriminam o “certo do errado” (SILVARES, 2004;
GOMIDE, 2004).
Para Larzelere (2000) a punição corporal leve aplicada por pais amorosos e
com certos cuidados em geral é efetiva. Entre estes cuidados podemos citar: a
coerência nas atitudes; o cuidado com a intensidade da punição, levando em conta a
idade da criança; evitar ao máximo a perda de controle; a punição deve vir
acompanhada de diálogo e usada após aviso prévio; e assim por diante. Além disso,
o ambiente familiar positivo tende a amenizar os efeitos da punição corporal.
Não há um consenso sobre esse assunto, no entanto pode-se dizer de forma
geral que os autores concordam que a utilização indiscriminada da punição corporal
poderá levar a prejuízos durante o desenvolvimento infantil.
Para finalizar, ressaltamos que a punição corporal pode ser diferenciada do
abuso físico, uma vez que a primeira se caracteriza pelo uso da força física para
corrigir ou controlar um comportamento, mas sem a intenção de machucar. O
segundo, no entanto, é o resultado potencial da punição corporal, que resulta das
práticas de punição administradas pelos pais e que ferem a criança (GERSHOFF,
2002).
2.3 Fatores associados à punição física no ambiente doméstico
O abuso físico intrafamiliar é multidirecional, pois poderá ocorrer entre
quaisquer de seus membros, por exemplo: pais e filhos, irmãos, casal, entre outros.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) define como abuso e maus-tratos
negligência ou outro tipo de exploração que resultem em danos reais ou potenciais
para a saúde, sobrevivência, desenvolvimento ou dignidade da criança no contexto
de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder (WHO, 1999).
Alguns autores demonstram suas considerações e definições em relação a
violência física a seguinte forma:
Violência física é considerada como um ato executado com intenção, ou intenção percebida, de causar dano físico a outra pessoa. O dano físico pode ir desde a imposição de uma leve dor, passando por um tapa até o assassinato. A motivação para este ato pode ir desde uma preocupação com a segurança da criança até uma hostilidade tão intensa que a morte da criança é desejada (GELLES, 1979).
A violência contra criança/adolescente constitui-se em todo ato ou omissão
dos pais, parentes, responsáveis ou instituições capazes de causar danos físico,
sexual e psicológico à vítima. Ainda a autora define que a violência física é o uso da
força física contra a criança e o adolescente, causando-lhes desde uma leve dor,
passando por danos e ferimentos de média gravidade, até a tentativa ou execução
do homicídio (MINAYO, 2002).
As conseqüências da violência familiar na saúde infantil podem ser
classificadas por dois eixos. O primeiro discerne as conseqüências traumáticas
(físicas), as emocionais ou afetivas, os agravos habitualmente explorados pelo
domínio da saúde materno-infantil (desnutrição, baixo-peso ao nascer, etc.), e, por
exclusão, as outras conseqüências que não se enquadram em nenhum dos grupos
anteriores. O segundo eixo classifica as conseqüências com relação ao tempo
decorrido entre a exposição à violência e o aparecimento do agravo. Neste sentido,
as conseqüências podem ser imediatas, mediatas ou de longo prazo
(REICHENHEIM, 1999).
Segundo Krug et al. (2002) vários fatores tornam a criança mais vulnerável a
sofrer agressão física no ambiente doméstico. Podendo citar diversos fatores, por
punição física na infância por parte dos pais, problemas de saúde mental materno e
violência conjugal. Além disso, também são importantes fatores socioculturais, como
pobreza, má distribuição de renda, normas e valores culturais, e suporte social.
Desta forma, as crianças de todas as faixas etárias e condições sócio-econômicas
podem ser vítimas de abuso físico, psíquico ou sexual cometidos pelos pais
biológicos, adotivos e outros membros da família.
As vítimas, muitas vezes, não relatam o fato, por não saberem se expressar
verbalmente ou por temerem a reincidência do abuso. Quando são adolescentes, no
entanto, tendem a não suportar a agressão, e por apresentarem mais condições
físicas e emocionais, confrontam a situação ou fogem dela (DE ANTONI,
MESQUITA & KOLLER, 1998).
O Relatório de violência elaborado pela OMS, em 2002 é a primeira revisão
detalhada deste problema e aponta que a vulnerabilidade quanto à violência física, o
abuso sexual e a negligência dependem da idade da criança e do adolescente. As
crianças estão em maior risco de sofrer abuso físico que os adolescentes, sendo
que a idade de maior risco tem variação de um país para outro. Na China as
crianças que sofrem abuso físico estão entre 3-6 anos, na Índia entre 6-11 e nos
Estados Unidos entre 6-12 anos de idade. Estudos realizados na Finlândia, na
Alemanha e no Senegal mostram que a maioria das vítimas de abuso físico era
menor de dois anos de idade (KRUG et al., 2002).
Ainda, segundo o relatório, quanto ao sexo, geralmente os meninos estão em
maior risco de serem vítimas de punição física severa que as meninas. Ao mesmo
tempo, crianças prematuras, gêmeos e com alguma desvantagem, como deficientes
físicos e mentais, apresentam risco elevado de abuso físico e negligência. Em
solteiros, de baixo nível socioeconômico, desempregados e com menor instrução.
Finalmente, ainda apontam forte associação entre pobreza e maltrato infantil (KRUG
et al., 2002).
Na perspectiva social, o risco de abuso físico intrafamiliar está relacionado ao
isolamento social, à falta de uma rede de apoio social e afetivo e aos eventos de
vida estressantes, como dificuldades financeiras e desemprego. O estudo de Crouch
(2001) e Wilson (2001) confirmam a associação entre o risco de abuso físico e a
percepção da ausência de uma rede de apoio.
Por outro lado, quanto mais coesas estiverem à família e a escola em relação
a valores e estilos de comportamento positivos, melhor a criança poderá
desenvolver suas capacidades. O risco para o abuso está nas informações e
comportamentos contraditórios encontrados nos diferentes microssistemas. A
criança poderá tornar-se confusa em relação ao tipo de comportamento esperado
em determinada situação. Isto pode ocorrer, por exemplo, quando é estimulada na
escola a tomar decisões e, em casa, não pode, sequer, opinar. A escassez de
ambientes e a falta de conexão entre eles também poderão ser fatores de risco, pois
o mesossistema poderá não se configurar como uma rede (GARBARINO &
ECKENRODE, 1997).
Um estudo descritivo e correlacional, realizado em um hospital de ensino, em
2004, objetivando conhecer se, dentro do contexto de violência doméstica, os pais
utilizam a violência física como prática educativa. Foi utilizada entrevista
semi-estruturada para caracterizar a população, e situações do cotidiano familiar para
identificar a atitude dos pais no processo de educação. Os resultados mostraram
que a situação de maior vulnerabilidade para o uso de violência física foi a de
criança furta algo, com 31,7% dos casos. Foi significante (p= 0,02) o uso da
violência física como prática disciplinadora, associado ao desemprego. Quarenta por
cento da população afirma impor sua vontade sobre seu filho, e 57% ter apanhado
de seus pais em situações de impor limites. Julga-se importante o conhecimento e a
reflexão dos fatores que envolvem a violência doméstica, para alicerçar programas
de prevenção e que sejam capazes de gerar uma consciência coletiva (CARMO et
al., 2006).
Fato que merece atenção especial é que a violência entre membros do casal
também pode vir acompanhada da violência específica contra a criança. Isto torna
difícil compreender o efeito isolado de cada fator contribuinte no processo de
ocorrência desses problemas (HILBERMAN, 1980). Algumas pesquisas têm
mostrado que essa concomitância tem efeito sinérgico sobre a saúde da criança e
que a gravidade da situação conjunta é maior que a soma dos efeitos dos dois
abusos em separado (KASHANI et al., 1992).
Um dos principais estudos brasileiros nesta área, já citado anteriormente, foi
realizado no município de Embu. Os autores identificaram dois fatores associados à
violência doméstica contra a criança e o adolescente: experiência materna de
punição severa na infância (amostra total, OR=5,3, p=0,047) e problemas de saúde
mental na criança/adolescente (sub-amostra de 4-17 anos, n=67, OR=9,1, p=0,017)
(BORDIN et al., 2006).
2.4 Deficiências
Os portadores de deficiências sempre foram vistos de maneira diferente na
infinitas de diferentes órgãos sociais e profissionais. Desde os primórdios, as
pessoas com deficiência são marginalizadas através da segregação social (MACIEL,
2000).
As deficiências que daremos enfoque neste estudo são aquelas
compreendidas como: deficiência sensorial, ou seja, alterações na fala, visão e/ou
audição, e aquelas do tipo deficiência física envolvendo deficiência motora,
dificuldade de locomoção, má formação, amputação etc...
Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, através da fonte do IBGE de
maio de 2001, relata que 10% população de São Paulo é constituída por deficientes.
Dentre esses deficientes 5% são representados através dos deficientes mentais e os
5% restantes são representados pelas demais deficiências, ou seja, física, auditiva,
visual e múltiplas.
A complexidade e as controvérsias que envolvem este tema serão
abordadas através de diversos autores.
Segundo o Relatório “Retratos da Deficiência no Brasil” lançado pela
Fundação Getúlio Vargas e pelo Banco do Brasil, o Censo de 2000 apresenta dados
estatísticos sobre pessoas com percepção de incapacidade (PPIs) . Os PPIs são
convencionado como aqueles que se declaram incapazes de ouvir, andar ou
enxergar, os indivíduos com deficiência mental e aqueles com algum tipo de
deficiência física ou motora (NERI et al., 2003).
A Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e
Desvantagens (CIDID) conceitua deficiência como a perda ou anormalidade de
estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente,
e, a incapacidade, como a restrição, resultante de uma deficiência da habilidade
conseqüência direta ou resposta do indivíduo a uma deficiência (OMS, 1989). Já a
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) descreve
que deficiências são problemas nas funções ou nas estruturas de corpo como um
desvio significativo ou uma perda (CIF, 2003).
Com o intuito de demonstrar a relevância da coerência terminológica, no
âmbito das políticas sociais, será destacada a definição esposada no Decreto
Federal nº 3298/99: “deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou
função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gere incapacidade para o
desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano”
(BRASIL, 1999).
Autores mostram que a pobreza crônica afeta as crianças pelo seu impacto
no comportamento dos pais e pela escassez de recursos disponíveis na comunidade
fazendo com que às crianças sejam consideradas motivo de incômodo para os
mesmos. Em tais circunstâncias, as crianças estão mais propensas a sofrer
agressões físicas no ambiente doméstico (KRUG et al., 2002; ULLOA, 1996).
O Brasil possui umas das mais elevadas taxas de desigualdade, que
persiste com uma elevada concentração de renda. Cerca de 50 milhões de pessoas
vivem em condições miseráveis, com quantias insuficientes para suprir as
necessidades diárias de alimentação. Explicada por diferenciais regionais, de
gênero, raça e educação, a desigualdade social produz efeitos drásticos sobre as
condições de vida, saúde e mortalidade da população (NERI et al., 2003). A pobreza
é um fenômeno multidimensional, cujas causas estão relacionadas à falta ou
dificuldade de acesso a ativos físicos, sociais e humanos. Esta não é um fenômeno
puramente econômico, não se caracteriza apenas pela falta de acesso a riquezas
saúde e habitação, além de não ser respeitados os direitos humanos. Além disso, a
pobreza tende a reproduzir-se intergeracionalmente por meio de fatores que afetam
as possibilidades de desenvolvimento dos sujeitos, em cada uma das etapas do seu
ciclo de vida, durante seguidas gerações. Isto pode explicar o fato de um número
significativo de pessoas portadoras de deficiência serem oriundas de classes sociais
baixas e, portanto, com dificuldade de acesso á informação e aos serviços sociais
(NERI et al., 2003).
2.4.1 Punição física contra a criança com deficiência
Desde cedo à história revela uma aproximação entre violência e deficiência.
Sabe-se que os gregos eliminavam recém-nascidos portadores de deficiência física.
A cultura grega, baseada na ideologia guerreira valorizava o indivíduo forte,
saudável e corajoso e incentivava os pais a matarem seus próprios filhos, caso estes
não nascessem de acordo com o padrão de beleza e saúde vinculados fortemente
na cultura da época. Assim, a crença de que o defeito físico atingia toda uma
descendência, sustentada por médicos e filósofos, se tornava propulsora de um
padrão de comportamento social adotado por todas as famílias enquanto valores
inquestionáveis da sociedade. A prática de infanticídio na Grécia não fala, porém, do
desejo dos pais, mas antes de um desejo social fundado na ciência e na tradição
que se sobrepõe à vontade pessoal (GONÇALVES, 2003).
As crianças dadas como diferentes das outras, tanto comportamentalmente,
quanto fisicamente, estão mais expostas ao uso da força física quando outros
métodos educativos tornam-se ineficientes, sendo alvos de desejo dos adultos em
O indivíduo portador de deficiências de qualquer modalidade - seja visual,
auditiva, física ou mental - encontra-se em uma posição de grande vulnerabilidade
em relação ao não portador, sendo freqüentemente marcante a assimetria das
relações de poder na interação entre ambos. Tal “assimetria de relação hierárquica”
é multiplicada, conforme a severidade de cada caso, sendo ampliada se o portador
de necessidades especiais pertencer a um outro grupo de risco, como por exemplo,
se for mulher ou criança (WILLIAMS, 2003).
Segundo a Academia Americana de Pediatria (2001) crianças deficientes
devem ser consideradas em risco de sofrerem maus tratos e que poucas pesquisas
têm sido realizadas com foco específico na questão da violência nesta população.
Johnson & Drum (2006) realizaram um estudo de revisão que levou à
conclusão de que o maltrato pode ter um efeito adverso profundo na saúde dos
indivíduos com atrasos intelectuais. Concluiu também que indivíduos com atrasos
intelectuais têm maiores riscos de experimentarem o maltrato do que indivíduos sem
estes atrasos. Segundo os autores, dados da prevalência do maltrato entre
indivíduos com atrasos são escassos, mas sugerem que o espaço do problema é
considerável. Assim, parece que o maltrato é mais freqüente entre indivíduos com
inabilidades do que para indivíduos sem inabilidades e tende a ser mais elevado
para indivíduos com inabilidades intelectuais do que para indivíduos com outras
inabilidades (JOHNSON & DRUM, 2006).
Um estudo do tipo longitudinal realizado no período de 1991 á 2001 na
província de Zangarosa teve o objetivo de determinar em uma ampla série de
crianças maltratadas, a prevalência de crianças com deficiências e suas
características demográficas, a freqüência do tipo de maltrato e do maltratador e os
pelo autor foi: uma enfermidade que dura um período de tempo prolongado ou
indefinido, que requer cuidados médicos especializados, tendo como resultado dos
sintomas da enfermidade alterações das atitudes físicas, psíquicas e sensoriais que
ocasionam limitações funcionais e importantes nas atividades de vida diária. No
período do estudo foram atendidas 1115 crianças que sofreram maus tratos. Desta
amostra, 62 (5,56%) apresentavam algum tipo de deficiência física, psíquica e/ou
sensorial. Verificou-se então que a negligência física (82,2%) foi o tipo de maltrato
mais freqüente e 16,1% destas crianças sofreram vários tipos de maus tratos e o
agressor mais freqüente foi à mãe. O autor concluiu que a maioria dos casos de
maltratos em crianças com incapacidades, a etiopatogenia não está relacionada pela
presença de um fator de risco individual como a deficiência, sendo que está
relacionada com a existência de fatores de riscos familiares, sociais e ambientais, e
quanto mais estes fatores de riscos se associarem ao redor da criança com
deficiência, maior será a possibilidade de maltrato (GONZALVO, 2002).
Este mesmo autor realizou um estudo de revisão dos últimos 10 anos visando
identificar estratégias para a prevenção de violência e maus tratos em crianças com
deficiência e definiu que crianças apresentam maior risco de sofrerem situação de
violência e maus tratos, não por serem deficientes, mas pela interação de fatores de
risco individuais associados a fatores familiares, social, cultural, ambiental e
econômico, como já havia mostrado no estudo anterior. Também inclui neste
trabalho que os profissionais de saúde têm um efeito importante sobre a saúde e
bem estar das crianças com deficiências e suas famílias e que a prevenção de
situações de violência evita dores físicas, sofrimentos emocionais, outras seqüelas
A preocupação com a violência praticada contra crianças deficientes é tanta
que a Associação Americana de Psicologia (APA, 2003 apud WILLIAMS, 2003)
publicou documento contendo deliberações específicas sobre o tema. Este
documento afirma que há no momento pouca articulação entre as entidades de
proteção à criança e as organizações que fornecem atendimento na área de
educação especial, situação também que é válida para a realidade brasileira. Dentre
as deliberações destacam-se: incluir informações sobre a criança deficiente nos
registros dos órgãos oficiais e em todos os estudos epidemiológicos sobre abuso e
negligência infantil; recomendar serviços de apoio para as famílias e encorajar a
disseminação da pesquisa nesta área a advogados, assistentes sociais e nos cursos
de formação de educadores e psicólogos.
Vale ressaltar que a maioria das pesquisas disponíveis sobre punição física
contra a criança com deficiência é baseada em amostras da conveniência, portanto,
pesquisas baseadas em amostras populacionais são necessárias para fornecer
3. OBJETIVOS
1. Determinar a freqüência de punição física de crianças e adolescentes com
deficiências físicas e sensoriais em comunidade urbana de baixa renda na região
metropolitana de São Paulo.
2. Descrever o tipo de punição sofrida por estas crianças e adolescentes no
ambiente doméstico, segundo o tipo de deficiência.
3. Comparar a punição física de crianças e adolescentes com deficiências físicas e
4. MÉTODO
4.1. Desenho do estudo
Estudo de corte transversal realizado com amostra populacional.
Os dados deste estudo fazem parte do Estudo Brasileiro de Violência
Doméstica (BrazilSAFE) coordenado pela Profa. Dra. Isabel A S Bordin, Psiquiatra
da Infância e Adolescência do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal
de São Paulo. A coordenadora do BrazilSAFE, assim como a co-investigadora Profa.
Dra. Cristiane S de Paula autorizaram a utilização destes dados.
4.2. Local de realização do estudo
O município de Embu, com 232.165 habitantes é um dos mais violentos do
país, com taxa de mortalidade por homicídio de 100,8 por 100 mil habitantes em
2002, taxa esta bastante superior à da cidade de São Paulo (38,9) e a da região a
que pertence (55,2). Apenas 4,4% das pessoas responsáveis pelos domicílios têm
rendimento maior que 10 salários mínimos, taxa esta bastante inferior à do estado
de São Paulo (14,3%) e também à da região em que o Embu está situado (17,0%)
(SEADE, 2005).
O Jardim Santo Eduardo foi o bairro do município de Embu escolhido para a
realização do estudo devido às características da comunidade, como altas taxas de
violência, baixa renda da população e por ter estrutura razoavelmente necessária
4.3. Amostragem
A amostra do presente estudo foi obtida com auxílio do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Para delimitar o Jardim Santo Eduardo, foi realizada
a compatibilização de um mapa da região a ser amostrada com os mapas dos
setores censitários1 do IBGE, que identificam os bairros. Dessa forma, verificou-se
que o Jardim Santo Eduardo era composto por 12 setores censitários. Como esse
número era muito pequeno, a região foi dividida em conglomerados, ou seja,
agrupamentos menores de domicílios (quarteirões inteiros ou parte de grandes
quarteirões). Utilizando-se as informações do IBGE, supusemos que cada
conglomerado tivesse cerca de 50 domicílios. Dessa forma, o Jardim Santo Eduardo
foi dividido em 60 conglomerados.
O plano de seleção da amostra compreendeu uma amostragem probabilística
(com igual probabilidade) de conglomerados (áreas geográficas de homogeneidade
interna máxima e tamanhos semelhantes), nos quais foram identificados todos os
domicílios elegíveis. Foram considerados elegíveis, os domicílios cujos residentes
incluíssem pelo menos uma mãe com idade entre 15 e 49 anos, com pelo menos um
filho menor de 18 anos em abril de 2002 (mês de início da coleta de dados). Quando
havia, no mesmo domicílio, mais de uma mãe e/ou mais de um filho nas faixas
etárias pré-estabelecidas, eram realizados sorteios para identificar a mãe índice e a
criança índice naquele domicílio.
Para alcançar o tamanho da amostra previsto (N=864), foram sorteados 24
conglomerados do Jardim Santo Eduardo. Todos os domicílios dos conglomerados
1 Por ocasião da realização do Censo Demográfico, todo município do Brasil é dividido em setores censitários
sorteados foram visitados para a identificação de todos os domicílios elegíveis
nessas áreas.
O mapeamento dos 24 conglomerados sorteados do Jardim Santo Eduardo
foi realizado durante três meses consecutivos. A equipe (duplas) que realizou as
visitas domiciliares referentes ao mapeamento foi previamente treinada e
acompanhada por supervisores. Muitas vezes, a casa aparentava ser uma só,
porém seus moradores identificavam vários domicílios independentes no mesmo
terreno. O que aparentava ser o portão de uma casa podia ser a via de entrada para
diversos domicílios: em baixo, em cima, nas laterais e nos fundos. O mapeamento
realizado em duplas garantia a identificação de todos os domicílios, além de
favorecer a segurança pessoal da equipe em bairro reconhecidamente perigoso
devido ao tráfico de drogas. Com base no mapeamento, foi elaborado um banco de
dados, incluindo todos os domicílios elegíveis nos 24 conglomerados (N=996).
Domicílios fechados foram visitados várias vezes, em dias úteis e em finais de
semana, até que as informações sobre o sexo e idade dos moradores fossem
obtidas. Domicílios vazios (sem moradores) identificados durante o mapeamento
foram novamente visitados ao longo do período de coleta de dados, até que alguma
família ali se instalasse. Famílias elegíveis que ali se instalaram foram incluídas no
banco de dados do mapeamento. Apenas seis domicílios permaneceram vazios até
o final do trabalho de campo. Domicílios elegíveis por ocasião do mapeamento e que
foram desocupados antes que a mãe índice fosse entrevistada, foram submetidos
aos seguintes procedimentos: (1) se após a mudança de domicílio, a nova
residência da família fosse encontrada, essa família permanecia no banco de dados
do mapeamento; (2) se não fosse possível identificar o novo endereço da família, o
até que passasse a ser habitado por outra família (elegível ou não), que substituía a
família anterior; e (3) se o domicílio deixado pela família permanecesse desocupado,
caracterizava-se perda amostral.
4.3.1. Tamanho e composição da amostra
O cálculo do tamanho da amostra foi feito com base na estimativa de
proporções com um determinado grau de precisão (Quadro 1). Adotando a
prevalência observada no estudo piloto para violência física grave contra a criança
(10%) e determinando a precisão relativa como 20% (intervalo de confiança de p
entre 8% e 12%), o tamanho da amostra adequado para o presente estudo foi de
864 pares mãe-criança (Cochran, 1977).
Quadro 1. Tamanhos de amostra necessários para estimar a prevalência p com intervalo de confiança de 95% e precisão relativa (valor de e)*
e=50% e=45% e=40% e=35% E=30% E=25% e=20% e=15% E=10%
P N N n N N N N N N
O mapeamento dos 24 conglomerados sorteados revelou a existência de um
total de 1551 domicílios nessas áreas. Destes, seis permaneceram inabitados
durante todo o período da coleta de dados. Do total de domicílios habitados
(N=1545), 996 foram considerados elegíveis, correspondendo a 996 pares
mãe-criança. No entanto, entre os elegíveis, foram excluídos nove domicílios por ocasião
da entrevista. Os seguintes critérios de exclusão foram preenchidos: (1) o par
mãe-criança foi desfeito, pois a mãe índice havia mudado de domicílio ou falecido (N=4);
(2) a mãe índice foi “jurada de morte” por traficantes e corria risco de vida se saísse
de casa para ser entrevistada no posto de saúde (N=1); e (3) a mãe índice
apresentava deficiência mental grave, quadro psicótico ou doença física grave que a
impossibilitava de realizar a entrevista (N=4). Portanto, a amostra inicial incluiu 987
domicílios. Considerando-se uma perda amostral de 17,8%, concluímos o estudo
com uma amostra de 811 domicílios.
A amostra final do presente estudo incluiu 558 crianças (zero a 10 anos) e
253 adolescentes (11 a 17 anos), num total de 405 meninas e 406 meninos. O
quadro 2 apresenta a proporção de meninos e meninas em três faixas etárias das
crianças índice: 0 a 5 anos, 6 a 10 anos e 11 a 17 anos. O número de questionários
aplicados ao par mãe-criança variou segundo a faixa etária da criança índice.
Quadro 2. Amostra final segundo faixa etária e sexo das crianças e adolescentes (N=811)
Faixa etária (anos)
Meninas N (%)
Meninos N (%)
Total N (%)
0 – 5 157 (48,0) 170 (52,0) 327 (100,0)
6 – 10 114 (49,4) 117 (50,6) 231 (100,0)
Os motivos das perdas (N=174) incluíram: (1) recusas (N=84); (2) mais de
três faltas em entrevistas previamente agendadas com a mãe em horário de sua
escolha (N=30); (3) entrevista com a mãe realizada indevidamente no domicílio
(N=2); (4) mãe índice fez 50 anos em abril ou maio e não foi agendada para realizar
a entrevista em tempo (N=2); (5) mudança de domicílio, sem que fosse possível
identificar o novo endereço da família e sem que o domicílio desocupado passasse a
ser habitado por outra família elegível no período da coleta de dados (N=56); e (6)
dados incompletos da criança ou do adolescente.
A grande mobilidade das famílias em comunidades de baixa renda representa
importante fator responsável por perdas amostrais em estudos populacionais.
Observamos que boa parte das recusas e faltas estava associada a receio das mães
em fornecer informações da vida particular, devido ao medo gerado pelo tráfico de
drogas na região. Para estimular a colaboração das famílias, realizamos sorteios de
brindes.
4.4 Instrumentos
Para a coleta de dados do presente estudo, foram utilizados os seguintes
questionários estruturados: CORE questionnaire e Questionário de Associação
Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) (anexo 1).
4.4.1. Questionário Específico do WorldSAFE (CORE questionnaire)
O Questionnaire on domestic violence (CORE questionnaire) é um
para avaliar violência doméstica, entre outros fatores. O comitê diretor do
WorldSAFE e composto por Sadowiski L, Hunter W, Runyan D, Bangdiwala SI
(Estados Unidos), Bordin IAS (Brasil), Munhoz S (Chile), Jain D (India), Jeyaseelan L
(India), Ramiro L (Filipinas) e Hassan F (Egito). A versão brasileira deste
questionário foi traduzida e retro-traduzida por Isabel AS Bordin e Cristiane S de
Paula em 1999 (copyright em andamento).
O Core questionnaire é composto por oito sessões que coletam informações
sobre características sócio-demográficas, suporte social e familiar da mulher,
violência contra a criança, violência conjugal, uso de álcool e drogas pelo
marido/companheiro e história de violência física familiar na infância da mulher e de
seu companheiro. Uma das partes do questionário é dedicada à investigação de
problemas de saúde entre crianças e adolescentes (B6), incluindo itens sobre
deficiências.
O quadro da seção B para identificar punição física contra a criança e o
adolescente, inclui 40 itens abarcando diferentes tipos de práticas educativas
praticadas para educar crianças, feitas por pais e mães nos últimos 12 meses. Os
itens são parcialmente derivados de um dos instrumentos mais utilizados
internacionalmente denominado Parent-Child Conflict Tactics Scales (Straus, 1998)
utilizado com a permissão do autor. Além destes itens o CORE questionnaire inclui
comportamentos parentais observado em países em desenvolvimento de acordo
com a prática clínica prévia dos membros do comitê do WorldSAFE e estudos
qualitativos desenvolvidos por eles (dados não publicados). Por ex. A prática de
bater no bumbum com chinelo é tipicamente brasileira, não tendo sido incluído no