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3 CAPÍTULO 2 A CIBERCULTURA E A CULTURA DO FAÇA VOCÊ MESMO 3.1 A SOCIEDADE IMERSA NO CIBERESPAÇO

4 CAPÍTULO 3 O COLETIVISMO, A TECNOLOGIA E O EMPREENDEDORISMO CRIATIVO INFLUENCIANDO PRÁTICAS NA CENA MUSICAL INDEPENDENTE

4.2. PWR RECORDS: UM SELO INDEPENDENTE PARA AS MINAS

Atualmente discute-se muito a questão do empoderamento feminino e como este tem ajudado as mulheres a serem vistas de forma mais autônoma dentro da sociedade.

Primeiramente, empoderamento feminino é diferente de feminismo. Feminismo é resumidamente um movimento que prega a ideologia da equidade social, política e econômica entre os gêneros. Empoderamento feminino é a consciência coletiva, expressada por ações para fortalecer as mulheres e desenvolver a equidade de gênero. É uma consequência do movimento feminista e, mesmo estando interligados, são coisas diferentes. Empoderar-se é o ato de tomar poder sobre si. Dessa forma, também é possível fazer o empoderamento de outros grupos sociais, como o empoderamento negro e até empoderamento dos idosos, por exemplo. As pessoas oprimidas ou que recebem menos atenção na nossa sociedade, muitas vezes não têm consciência de seu próprio poder, e as mulheres estão incluídas neste grupo. É daí que surge o empoderamento. As mulheres precisam reconhecer que elas são capazes, para então poder começar a fazer mudanças. (ASSIS, 2017)

Segundo Kamila Rymajdo (2016), as mulheres que estão à frente de selos ou gravadoras são claramente uma necessidade dentro de uma indústria musical frequentemente dominada pelos homens, e que muitas vezes esta indústria, na visão da autora, se encontra estagnada por isso. Ela observa que os selos femininos ainda

são minorias e quase que invisíveis, mas aos poucos estão conquistando o seu espaço dentro da cena musical. A autora ainda levanta a questão, “por que ainda é muito mais difícil para as mulheres atravessar o lado comercial da música?”. Observa-se aqui que a presença feminina no cenário musical independente sempre existiu, mas majoritariamente como público consumidor.

No olhar de Rymajdo (2016), no futuro o mais provável é que, para a próxima geração de mulheres na música, o contexto em torno dos selos femininos seja alterado dramaticamente, já que o mundo (esperançosamente) passará da estrutura do patriarcado de uma vez por todas.

A abordagem musical do “faça você mesmo” concentra-se na produção de música própria utilizando de todos os recursos disponíveis, desde a criação até a divulgação.

O movimento punk incorporou muitas estratégias do “faça você mesmo” que já estavam presentes, como produzir música de forma independente, gravar seus próprios discos, organizar shows e elaborar formas de divulgação e difusão autênticas e autônomas, como os fanzines. Tornou-se um estilo musical, uma forma de comportamento jovem, uma estética da moda. (NUNES; VAZ, 2015 p.7)

A participação feminina na cultura punk, iniciada nos anos 70, foi um ponto crucial. A presença de mulheres na cultura DIY emergiu com o movimento Riot Girrrl, iniciado nos Estados Unidos, na década de 90. “O riot girrrl possibilitou que as garotas participassem como artistas e também como produtoras culturais, extrapolando os limites do consumo de música para a própria articulação política e identitária” (GOTTLIEB; WOLD, 1993).

Ao rejeitar estilos e formatos mainstream, que representariam a adequação a um modelo comercial de feminilidade, as riot girrrls criaram redes de relacionamento que reforçavam a crítica ao padrão de uma cultura jovem branca e de classe média que haviam herdado. Além disso, criticavam as limitações de comportamento impostas pelo patriarcado ao seu direito de ocupação do espaço público, de uso do corpo, de fazer rock. O próprio termo riot girrrl passou a se relacionar tanto ao estilo musical, agressivo e DIY, quanto ao discurso político feminista, sendo resgatado nas décadas posteriores pela militância ciberfeminista. (NUNES; VAZ, 2015 p.7)

Ao abordar esse assunto, busca-se aqui exemplificar a representatividade que as mulheres estão tendo dentro da cena musical alternativa brasileira nos dias atuais, como é o caso do selo independente PWR Records, de Recife. Para o site AzMina, a PWR Records é um selo sobre representatividade.

Perante um cenário musical no qual muito se fala sobre a inserção feminina e onde a manifestação não corresponde à ação, Hannah Carvalho e Letícia Tomás, resolveram criar um selo no qual as mulheres são capazes de ampliar sua atuação na música em todo país. Uma observação importante é que o selo exige apenas que a banda tenha uma integrante feminina e que esta tenha o protagonismo.

Figura 3. Hannah Carvalho. Foto: I Hate Flash

A ideia da criação do selo surgiu quando elas resolveram mapear bandas alternativas do país que tinham pelo menos uma integrante mulher na sua formação e assim construíram uma lista colaborativa online. A lista hoje tem cerca de 390 bandas e projetos envolvendo mulheres.

O selo e a lista acabaram também se tornando uma resposta ao machismo cotidiano que elas encontraram no mercado musical. Segundo Letícia (2017), “Há muito machismo velado, de técnico de som falando para baterista que ela não sabia montar o

instrumento até casa4 dizendo que não confiava em nosso trabalho” ela ainda enfatiza que a “mulher sempre foi vista como intérprete” e que é algo muito positivo “vê-las se impondo e mostrando sua autonomia artística”.

Figura 4. Hannah Carvalho e Leticia Tomás. Foto: Bands on Frame

(...) percebi que a gente conhecia poucas daquelas bandas, a ideia depois da lista era fazer um site pra fazer matérias sobre cada uma, criar uma forma de separar todas por gêneros pra ficar mais fácil de achar e tal, mas isso era muito complicado, aí a gente desistiu. Hannah sempre quis fazer um selo e eu sempre quis trabalhar com música feita por mulheres. Depois de muito vai-não-vai e muito apoio dos nossos amigos, criamos o selo. (TOMÁS, 2017 – Entrevista com Renan Guerra)

Para o idealizador do site Hits Perdidos, Rafael Chioccarello (2017), a PWR Records “tem uma forte atuação tanto local como nacional em promover as artistas com muitos critérios muito bacanas. A rede de contatos vai se expandindo e elas tem o

cuidado de fugir das ciladas que a música independente proporciona no meio do caminho”.

Estamos finalmente sendo ouvidas! Antes de começar o selo, eu sempre escutava que éramos poucas, mas nossos trabalhos de pesquisa, a formação da lista e diversos outros contatos mostraram isso como uma mentira: somos muitas, mas ainda somos poucas ocupando lugares de destaque, tanto na frente quanto atrás dos palcos. Aos poucos o movimento natural da cena foi não conseguir ignorar mais nosso presença, mas ainda estamos bem longe de uma situação igualitária.(TOMÁS, 2017 – Entrevista com Rafael Chioccarello)

Para Letícia e Hannah, o maior desafio em ter um selo independente é pensar e realizar dentro das suas limitações, tanto financeiras quanto ideológicas. Elas afirmam que o caminho mais fácil nunca é o mais correto.

Penso em qual a nossa função todos os dias. Teoricamente não há nada que um selo faça que uma banda não possa fazer. Elas já se viram bem em marcar show, lançar material e divulgar. É por isso que queremos transcender esse mercado e fazer ações que integrem mulheres na música. (TOMÁS, 2017 – Entrevista com Kaluan Bernardo)

Hoje o casting do selo independente PWR Records, conta com as artistas e bandas: In Venus, PAPISA, Lari Pádua, Miêta, Katze, My Magical Glowing Lens, Walkstones, Cora, Não, Não Eu e Ema Stoned. Sendo que, o primeiro projeto lançado pelo selo foi PAPISA, o qual é composto pela multi-instrumentista Rita Oliva. PAPISA é autora e produtora de sua própria obra, ou seja, compõe, toca e produz suas músicas. Em entrevista para o site AzMina, a artista revela que sempre quis fazer algo em que ela gravasse todo o conteúdo.

Figura 5. Alguns lançamentos da PWR Records. Fonte: Hits Perdidos

Figura 6. As minas da PWR Records. Foto: I Hate Flash

Outra novidade que o selo dispõe, é a criação de zines colaborativos, abrindo oportunidades para todas as mulheres do Brasil mostrar a sua arte e desta forma também ser divulgada dentro da cena independente. Letícia ressalta que os “Zines já foram veículos muito importantes nos tempos de glória das riot grrrl” e para ela os zines, são uma forma barata e acessível de divulgação do selo e também das artistas.

Figura 7. Zine colaborativo da PWR Records. Fonte: Hits Perdidos

A PWR Records é uma iniciativa que traz esperança quanto ao futuro da música no cenário brasileiro atual. A produtora acredita que nem sempre será fácil, mas que a mudança é inevitável. “Estamos reinventando todo um sistema que sempre nos excluiu, e isso me deixa imensamente feliz, mas não satisfeita. Enquanto selo, acho que ainda nos falta brigar mais pela causa, estamos nos organizamos para estar cada vez mais presente.” (TOMÁS, 2017)

Com a digitalização, artistas e produtores podem trabalhar coletivamente, superando limitações de tempo, espaço e localização. Na internet o selo se concentra nas redes sociais como o Facebook e nas plataformas de streaming como o bandcamp, para a divulgação dos artistas. Observa-se que a música alternativa teve seus processos de circulação facilitados com o aumento das ferramentas de divulgação na internet, principalmente pelos espaços de comunicação gratuitos que a rede proporciona. Mas em tempos em que vendas de CD’s ou mesmo o streaming não dão muito dinheiro, o lucro tanto da banda quanto do selo tende a vir dos shows e do

O caminho do selo PWR Records é construído em redes sociais e serviços de streaming. As mídias sociais tornaram-se uma maneira direta de alcançar os fãs e comercializar não apenas a música, mas outras mercadorias de artistas, desde camisetas até zines.

Os selos independentes, por estarem estruturados como comunidades de produção independente, muitas vezes formados por conglomerados de artistas que se autoproduzem, buscam na colaboração uma forma de se fortalecerem e de potencializarem seu alcance dentro do seu nicho.(LIMA 2007 p.39)

A partir disso nota-se que a capacidade de criar o ambiente certo para o "processo de descoberta" para ser real e socialmente envolvido é crucial para um selo independente. A web se torna um dos principais ambientes não só de organização e conexão, mas também de distribuição e divulgação.

Figura 8. Página da PWR Records no Facebook. Fonte: Facebook

O selo utiliza o Bandcamp como plataforma principal para reunir os lançamentos do casting (figura 9). O bandcamp funciona tanto como uma plataforma de

streaming como também uma loja online de álbuns independentes. Com isso, pode-se ouvir músicas na medida em que cada artista permite, ou comprar músicas a um preço definido pelo artista. Na maioria das vezes o artista opta por deixar o preço do álbum indefinido para seus fans, permitindo que o ouvinte pague o quanto quiser ou apenas faça o download gratuitamente.

Para os selos independentes como a PWR Records, o Bandcamp pode representar um modelo de negócio justo e com uma conexão razoavelmente direta entre artista e público.

Figura 9. Perfil da PWR Records no Bandcamp Fonte: Bandcamp

Dessa maneira, percebe-se o quanto, para a PWR Records, as novas tecnologias, e principalmente o streaming, que possibilitaram novas formas a serem exploradas, principalmente em relação a distribuição de seus artistas, o alcance, a monetização e a divulgação. Entende-se aqui a importância da existência do streaming para que tanto os selos independentes como também os próprios artistas tenham maior controle sobre os modos de lançamento e promoção de seus discos.

Em suma, no contexto digital, o conceito de independente passou a significar, na maioria dos casos, a cultura "faça você mesmo", em que o próprio artista, ou o

artista e seu empresário produzem o disco, divulgam, distribuem e produzem os shows como é o caso da PWR Records. É dessa maneira que os selos independentes sobrevivem afinal, dando suporte aos músicos que não se encaixam na estrutura das grandes gravadoras, e tomam a iniciativa de produzir e conduzir suas próprias carreiras através da internet, usando os meios que a rede oferece para se divulgar e estabelecer contato direto com seu público, criando meios de fazer seu trabalho crescer e às vezes, promovendo estratégias de grande sucesso fora dos sistemas tradicionais de circulação de música.

5. CONCLUSÃO

Neste estudo, buscou-se abordar as inúmeras mudanças que ocorrem na indústria fonográfica, dentro de um paradigma das indústrias culturais em transição para um novo modelo de negócio. Observou-se que as novas formas de produção e distribuição, no âmbito da cultura do faça você mesmo, foram possibilitadas pela digitalização da música. Desde o surgimento do Fonógrafo de Edison até a era tecnológica em que vivemos, pode-se dizer que a música teve uma enorme evolução.

A indústria da música comercial hoje é uma das maiores do mundo. No entanto, ainda é uma indústria lutando para garantir uma base financeira em um mundo tecnológico que ameaça sua própria existência.

Por outro lado, observou-se o potencial de um mercado que está sendo melhor explorado na internet. Mesmo com as inúmeras tentativas frustradas da indústria cultural em ofuscar o entusiasmo dos usuários em relação à troca e compartilhamento de música, vemos surgir movimentos organizados a partir das mídias sociais, que surgem com propostas de alternativas positivas para uma iniciativa que dificilmente irá parar. Para Lessig (2004), a cultura “quer ser livre”. Ela nasceu livre e se desenvolveu assim.

O favorecimento do lucro privado sobre o bem público não é a melhor solução para a cultura, para a democratização da mesma e para a formação e incentivo de novos usuários. Deve-se equilibrar este jogo, favorecer o florescimento ou o renascimento de uma cultura livre que há muito vem sendo alvo das rigorosas leis de direito autoral baseadas no copyright.

Contudo, algumas iniciativas, como é o caso dos selos e artistas independentes podem estar querendo rever o jogo experimentando as possibilidades do download gratuito como forma de disseminação e promoção do trabalho de artistas.

Desde o nascimento da indústria fonográfica, a principal fonte de lucro para as gravadoras tem sido a venda de produtos físicos, enquanto os shows serviam como

promoção para a venda. Atualmente, vemos a lógica se inverter, com os artistas muitas vezes ganhando bem enquanto as gravadoras tem prejuízos.

Esta situação tende a continuar, com as gravadoras cada vez mais buscando alternativas para substituir a venda de produtos físicos. A Internet vira uma opção, com os streamings em alta, as grandes gravadoras estão conseguindo manter as estratégias promocionais, entretanto, dependerá delas conseguirem alinhar-se com as novas estratégias e tecnologias do mercado.

De outro, vive-se um significativo processo de transformação e desconcentração da produção, potencialmente capaz de oferecer melhores condições para a expressão da arte através da música na internet. Como se vê, uma mudança é possível. O modelo da internet veio para ficar e a indústria musical deverá se adequar da melhor forma possível.

Com o crescimento da cena independente impõe a necessidade de uma distinção mais clara entre os diferentes agentes que ocupam esse campo. Hoje, usamos a expressão “independente” para denominar tanto o músico que produziu seu álbum musical em um home studio, quanto selos como a PWR Records.

Para finalizar, é importante frisar que o panorama aqui explorado está longe de esgotar o tema. Pelo contrário, há inúmeros assuntos que merecem atenção dos pesquisadores. O objetivo foi apresentá-lo de forma coerente, a fim de que sejam explorados melhor e detalhadamente no futuro.

A indústria musical afeta diretamente a cultura contemporânea e a mídia, seja em nossas práticas diárias, na construção de identidades, na indústria da cultura, da tecnologia, etc. Então, é importante que seja melhor explorada em estudos de comunicação.

O meu olhar como musicista independente é que os ouvintes, selos independentes e novos artistas independentes que estão constantemente tentando quebrar as barreiras construídas envolta do lucro, tem motivos para se sentirem

otimistas sobre o futuro. Os artistas podem desfrutar de uma maior notoriedade mundial, e não nacional, pois a distribuição da Internet permite que novos artistas sejam ouvidos por aqueles interessados em sua música numa abrangência mundial.

Diante de todo o estudo e o percurso da pesquisa exploratória até então, é possível dizer que a cultura do faça você mesmo se fortalece com a cibercultura e participa dela como um princípio norteador, esta que surge no novo contexto sociocultural implantado com o surgimento das novas tecnologias digitais e abrindo novos caminhos para a abrangência musical. Essa cultura é o que possibilita os usuários da internet a terem seus próprios negócios e a serem parte de algo maior, como é o caso dos selos musicais independentes que hoje podem ser iniciados por qualquer usuário da rede.

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