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C APÍTULO II – R ISCO C IBERNÉTICO

4. P ERSPETIVAS FUTURAS

4.1. Q UARTA R EVOLUÇÃO I NDUSTRIAL

O mundo, num cômputo geral, enfrenta um período desafiante. A indústria está em transformação, a uma velocidade vertiginosa, de forma transversal, falando-se de uma nova Revolução Industrial, com a premissa de aumentar o rendimento global e melhorar a qualidade de vida das populações.

Esta Revolução, a Quarta, está a provocar alterações profundas. Com base na conectividade digital e com o uso massivo da internet, deparamo-nos com novas potências emergentes a todos os níveis (tecnológico, económico e industrial) como a China e a Índia. Através da interligação em rede de máquinas e sistemas de produção e equipamentos, existe a criação de redes inteligentes e independentes ao longo da cadeia de valores63 das empresas, controlando os processos de produção.

Também denominada como a Revolução 4.0 implicou uma mudança de paradigma, quer nos sistemas de produção, quer nos modelos de negócio, em que a “Internet das Coisas”64 65, a Inteligência Artificial66, a robótica, a biotecnologia,

nanotecnologia, veículos autónomos, o “Big Data”67, armazenamento de energia e a impressão 3D são as questões fulcrais. O Big Data “can be a source of significant value

63 Michael Porter, na obra de Competitive Advantage de 1985, designa a cadeia de valores como a ideia de ver uma organização como um sistema com subsistemas com inputs, processos de transformação e outpus. Trata-se, portanto, do conjunto de atividades desempenhadas no processo das organizações, encontrando- se as relações com fornecedores, ciclos de produção e de venda, até à distribuição final ao consumidor. 64 “É um conceito que significa interligar os aparelhos do dia-a-dia, máquinas, equipamentos de transporte, eletrodomésticos, e mesmo pequenos objetos de uso diário à internet, interagindo entre si e “lendo” o ambiente à sua volta através de sensores (temperatura, humidade, presença, etc), transformando objetos estáticos em elementos dinâmicos de uma rede integrada, cujas centrais utilizarão essa informação de forma inteligente. Prevê-se que esta forma de ligação digital estimule o surgimento de novos produtos e serviços diferenciados.”, Vide PINHEIRO, Vanda Cardoso - Indústria 4.0 a quarta revolução industrial [Em linha]. Lisboa : Compete 2020, 2016.

65 Com a relação triangular entre as coisas-serviços-pessoas, através das plataformas digitais.

66 “AI encompasses all intelligent “agents” (computer systems) that have the capacity to learn, adapt and successfully operate in dynamic and uncertain environments. They are mostly immaterial, or machines without motor functions”, In KESSLER, Denis - How artificial intelligence will impact the (re)insurance

industry. Focus [Em linha]. (March 2018) p. 10. “A Inteligência Artificial engloba todos os “agentes” inteligentes (sistemas computacionais) que têm a capacidade de aprender, adaptar e operar com sucesso em ambientes dinâmicos e incertos. Eles são principalmente imateriais, ou máquinas sem funções motoras.” 67 Trata-se dos “sistemas informáticos que existem hoje em dia, os computadores de elevada capacidade e as redes de comunicação abrangentes e de baixo custo, que fazem com que seja possível armazenar com rapidez uma grande quantidade de informação, que depois de tratada e analisada em tempo real, facilitará tomar decisões com base nessa informação de valor com mais precisão e confiança”, In PINHEIRO, Vanda Cardoso - Indústria 4.0 a quarta revolução industrial [Em linha]. Lisboa : Compete 2020, 2016.

for society, enhancing productivity, public sector performance and social participation”68.

Segundo SCHWAB, escritor pioneiro sobre esta revolução, “O futuro do emprego será feito por vagas que não existem, em indústrias que usam tecnologias novas, em condições planetárias que nenhum ser humano já experimentou”. A substituição de trabalhadores por máquinas pode trazer um aumento dos empregos que tragam maior gratificação e segurança aos trabalhadores. De acordo com o estudo Man and Machine in

Industry 4.0: How will Technology Transform the Industrial Workforce Through 202569, existirá um aumento de 6% no número de empregos até 2025 na Alemanha, na área das TI e softwares.

No entanto, segundo os economistas ERIK BRYNJOLFSSON e ANDREW MCAFEE,70 existe um risco de aumento de desigualdade. Com o conjunto limitado de

competências técnicas no mercado de trabalho, estima-se que, nos próximos cinco anos, as principais economias mundiais irão perder aproximadamente cinco milhões de empregos71, com alterações nas remunerações: cargos cognitivos e recreativos com elevados salários, contrastando com ocupações manuais com diminuídos salários, que se espera que acelere nos próximos anos em setores maioritariamente não-industriais. O capital substituirá a mão-de-obra no setor dos serviços, observando-se aqui o fosso entre os retornos do capital vs trabalho (sendo que os retornos de capital intelectual e físico, com inovação, são bastante superiores aos retornos da mão-de-obra).

A Quarta Revolução Industrial revela a interdependência de redes de infraestruturas críticas, incluindo transportes, energia, comunicações, água, resíduos sólidos, trazendo grandes oportunidades para a inovação e riscos complexos inerentes. Uma maior rede pode contribuir para o aumento da resiliência e aproveitamento das economias de escala: com os ganhos já referidos em eficiência e produtividade, com a

68 COUNCIL OF EUROPE. Consultative Committee of Convention for The Protection of Individuals With Regard to Automatic Processing of Personal Data - Guidelines on the protection of individuals with regard

to the processing of personal data in a world of big data [Em linha]. Strasbourg : Council of Europe, 2017.

“Pode ser uma fonte de valor significativo para a sociedade, aumentando a produtividade, o desempenho do setor público e a participação social”.

69 LORENZ, Markus [et al.] - Man and machine in industry 4.0: how will tecnology transform the industrial workforce through 2025 [Em linha]. Boston : Boston Consulting Group, 2015.

70 SCHWAB, Klaus - The fourth industrial revolution : what it means, how to respond [Em linha]. Geneva : World Economic Forum, 2016.

71 CANN, Oliver - Five million jobs by 2020 : the real challenge of the fourth industrial revolution [Em linha]. Geneva : World Economic Forum, 2016.

expansão contínua dos transportes e comunicações que levará a uma diminuição dos seus custos. Isto permite a abertura a novos mercados com o impulsionamento do crescimento económico. Para a sociedade, facilitará o acesso a volumes de informação e conhecimento, comunicação e expressão da opinião, mobilizando o apoio social, ambiental e político. Não obstante, a margem para falhas sistémicas aumenta, afetando a sociedade relativamente a ataques cibernéticos.

4.1.1.AS EMPRESAS

Esta nova revolução, apesar de garantir mais e melhores oportunidades de negócio, implica uma adoção de profissionais habilitados e preparados para auxiliar e lidar com estes novos paradigmas, cujo valor central passará a estar na informação e nos dados.

Segundo SCHWAB, as principais mudanças verificam-se no modelo de produção e organização empresarial e no marketing e relação com o cliente, nomeadamente “alterações nas expectativas dos clientes”, “produtos mais inteligentes e mais produtivos”, “novas formas de colaboração e parcerias”, “transformação do modelo operacional e conversão em modelo digital”.72 Com o surgimento de plataformas globais

e novos modelos de negócio urge a necessidade de adaptação imediata da cultura e forma organizacional de cada empresa.

“A questão para todas as indústrias e empresas, sem exceção, deixou de ser “haverá rutura em minha empresa?” mas sim, “quando ocorrerá a rutura, quando irá demorar e como ela afetará a mim e a minha organização?””73

Portanto, o grande desafio para as empresas em relação aos recursos humanos, na posição deste autor, passará por manter hierarquias flexíveis, com o poder menos centralizado e com mais camadas a tomarem decisões, obter novas formas de recompensar e medir desempenho. Dever-se-á apostar na qualificação dos recursos humanos para estes novos processos e capitalizar as empresas para que consigam implementar estas modificações e não ficarem em desvantagem competitiva.

A cadeia de valores ganha também uma nova forma, com um novo “ecossistema digital” com uma troca constante e infinita de dados e informações, não só ao nível de

72 SCHWAB, Klaus - The fourth industrial revolution. Geneva : WEF, 2016, p. 7. 73 SCHWAB, Klaus - The fourth industrial revolution..., p. 21.

fornecedores, mas também de clientes. Estes últimos deixam de ter uma experiência passiva e passam a influenciar diretamente na conceção de soluções no mercado. Aqui, será possível reduzir os custos logísticos, pois a troca de informações conduzirá a uma maior difusão de conhecimentos e necessidades/pedidos, levando consequencialmente, a um equilíbrio entre a oferta e a procura. Focando-nos do lado da oferta, as empresas conseguirão antecipar-se à procura dos consumidores (pois dispõem de informação adicional que anteriormente não dispunham), produzindo apenas o necessário, controlando os stocks e evitando perdas. Adicionalmente, a eficiência no uso das máquinas e o tempo de produção dos equipamentos melhora substancialmente, reduzindo-se, portanto, os custos e otimizando os processos (com um aumento da rapidez e qualidade da produção). Muito destes resultados deve-se a fatores como o desenvolvimento do marketing, das vendas e dos canais de distribuição. Por outro lado, relativamente à procura, os consumidores tornaram-se mais exigentes, com novos padrões de consumo, construídos muitas vezes, através da opinião em massa potencializada com o acesso às redes. Os clientes tornam-se assim no núcleo da economia, com os objetivos a passarem pelo melhor atendimento dos mesmos por forma a corresponder às suas expectativas. Concluindo, com este equilíbrio, os consumidores tiveram a possibilidade de, através da tecnologia, ganhar novos produtos e serviços, capazes de aumentar a eficiência e o prazer pessoal de cada um.

“Digital strategy and the integration of digital technologies into companies’ strategies and operations in ways that fundamentally alter the value chain is emerging as a significant source of competitive advantage and driving dramatic changes in the products and services companies bring to market, as well as how they do business”74

4.1.2.SETOR SEGURADOR

A seguradora, enquanto subscritora de um risco, tenta extrair o máximo de dados possíveis, através de questionários e dados estatísticos, por forma a inferir o comportamento do segurado. Por outro lado, o segurado pretende manipular o risco,

74 Radding apud WORLD ECONOMIC FORUM. Global Agenda Council on the Future of Software & Society - Deep shift : technology tipping points and societal impact [Em linha]. Geneva : World Economic Forum, 2015, p. 9. “A estratégia digital e a integração das tecnologias digitais nas estratégias e operações das empresas de forma a alterar fundamentalmente a cadeia de valores, está a emergir como uma fonte significativa de vantagem competitiva e a gerar mudanças dramáticas nas empresas de produtos e serviços trazidas para o mercado, bem como as suas maneiras de fazer negócios.”

através da ocultação/deturpação de informação e manipulando os preços. Tudo isto remonta-se à assimetria da informação existente neste setor.

No entanto, com os desenvolvimentos entusiastas da IA e do Big Data, as informações são abrangentes, acessíveis a partir de diversas fontes e disponíveis em tempo real e a menor custo75. A informação pode agora ser vista como um produto. Produto esse, comercializável e processado através da IA, diminuindo assim a assimetria da informação.

A InsurTech (tecnologia no setor de seguros) trata-se da digitalização da indústria seguradora, com a utilização da IA, por forma a trazer valor acrescentado para a sua cadeia de valores. Esta nova tecnologia acarreta novos canais de distribuição e um aumento da concorrência, com uma vantagem competitiva para as empresas que a utilizam. Segundo MICHAEL BRUCH,

“There is huge potential for Artificial Inteligence to improve the insurance value chain. Initially, it will help automate insurance processes to enable better delivery to our customers. Policies can be issued, and claims processed, faster and more efficiently”.76

Os benefícios prendem-se com uma melhoria da eficiência e precisão desde a subscrição de seguros (de forma automatizada) e processamento de sinistros, até à análise de risco, atenuando a carga administrativa e aumentando a capacidade das seguradoras para monitorizar os riscos em evolução, com uma deteção de fraude e resposta a reclamações mais eficaz. O conhecimento e perceção sobre os riscos aumenta, o que permite a criação de novos produtos, personalizados, adequados às necessidades crescentes dos clientes, com uma melhor correspondência entre o risco e o respetivo preço, redefinindo a proposta de valor e redirecionando os colaboradores para uma função mais comercial – o valor central é o cliente e a sua fidelização.

Segundo MICHAEL COOK77, consultor de sinistros na PWC,

75 KESSLER, Denis - How artificial intelligence will impact the (re)insurance industry. Focus [Em linha]. (March 2018) p. 8.

76 Michael Bruch, Head of Emerging Trends na AGCS. Vide SHEEHAN, Matt - Artificial intelligence risks may outweigh benefits, reports Allianz. Reinsurance News [Em linha]. (29 mar. 2018).

“Existe um enorme potencial para a inteligência artificial melhorar a cadeia de valor dos seguros. Inicialmente, ajudará a automatizar os processos de seguro para permitir uma melhor entrega aos nossos clientes. As políticas podem ser emitidas e as reclamações processadas de maneira mais rápida e eficiente”. 77 Vide SHEEHAN, Matt - Digitalisation will ‘redefine’ insurance claims handling: PwC. Reinsurance News [Em linha]. (12 Jul. 2018).

“The future role of a claims professional will largely be driven by the type of claim – simpler settlements will be dealt with through technology, freeing up time for experts to work on more complex claims. New roles will also be created including a customer concierge, new product development such as parametric driven insurance for climate change, and the provision of loss prevention services.”78

Não obstante, este setor enfrenta também um elevado risco operacional. Este risco advém, em grande parte, da terceirização do setor. De outra forma, o risco sistémico também está aqui presente. Sendo que a IA é constituída por algoritmos, existe o risco de todas as seguradoras/resseguradoras confiarem nos mesmos algoritmos, com os mesmos

inputs (inputs esses importados pelos Humanos) para os mesmos fluxos de dados. Isto

culmina num acumular de perdas para o setor caso todos os algoritmos tenham a mesma falha. Desta forma, seria relevante efetuar análises/auditorias frequentes aos algoritmos, com medidas de mitigação incorporadas.

Outrossim, existe uma preocupação particular para este setor que, para além de interiorizarem nos seus métodos operacionais a IA, as seguradoras também irão, tendencionalmente, segurar este risco, obrigando a uma análise e processamento da informação, sinistros, por forma a conseguir avaliar e quantificar o mesmo. O desenvolvimento destes algoritmos capazes de processar e extrapolar um volume infinito de dados, permitiu o desenvolvimento de muitos serviços (e.g. acesso a crédito, comercialização de seguros), descurando de um custo indireto valioso, a privacidade, custo esse discutido devidamente no próximo capítulo.

Debruçando-nos no ramo Vida, as alterações são bastante significativas. Por um lado, com o envelhecimento da população, as despesas médicas, os cuidados de longa duração são superiores para as seguradoras. O mesmo acontece, com o perfil dos segurados, que serão, à partida, mais “conservadores” à subscrição de novos métodos e novos tipos de apólices, perturbando as relações com os segurados mais idosos. Por outro lado, com as alterações na categoria biológica, como as inovações no campo da genética, as pessoas idosas podem viver de forma independente e com maior longevidade, com

78 “O papel futuro de um profissional de sinistros será, em grande parte, impulsionado pelo tipo de sinistro – os mais simples serão resolvidos por meio da tecnologia, permitindo maior tempo para que os especialistas trabalhem em tipos de sinistros mais complexos. Também serão criados novos cargos, incluindo um

concierge do cliente, desenvolvimento de novos produtos, como seguros paramétricos para mudanças

menor despesas e maior qualidade de vida, reduzindo os internamentos, custos e as taxas de mortalidade para as seguradoras.

Relativamente ao ramo Patrimoniais, sendo que o erro humano se prende como a principal causa dos sinistros, a automatização das máquinas poderá levar a uma menor frequência de acidentes. No entanto, aqui nasce o problema da responsabilização: quem é o responsável quanto existe uma falha na tecnologia? Provavelmente, o criador do algoritmo, sendo que o erro humano estará sempre subjacente a todas estas novas questões.

Quando falamos dos ramos acidentes de trabalho e acidentes pessoais, as alterações são também notórias. Primeiro, através da IA, surgem novos tipos de ferramentas de monitorização, com a substituição de maquinaria em situações mais propícias a sinistros (e.g. refinarias, construção civil). Esta nova forma de subscrição permite prever os riscos com mais precisão (novamente pelo enorme volume de dados), reduzindo assim as perdas subjacentes e aumentando a exatidão no preço.

Destacando o risco financeiro, as novas tecnologias permitem auxiliar as seguradoras a gerir o risco de liquidez e de crédito das suas atividades de investimento. Repetidamente, pela análise e tratamento de um volume infinito de dados, é possível melhorar as avaliações e previsões probabilísticas do comportamento dos fundos financeiros analisando de melhor forma estes riscos e ainda os deveres e obrigações regulamentares enfrentadas pelos gestores destes fundos.

A indústria seguradora era o setor dos dados. Hoje, o panorama mudou, e o verdadeiro setor de dados é o setor TI79. A “Internet das Coisas” e o Big Data permitem, com a enormidade de quantidade de dados existentes, uma maior gestão e interpretação dos mesmos, sendo possível avistar um novo papel por parte das re/seguradoras e, principalmente, das corretoras: um papel com maior peso em consultoria financeira e gestão de risco, ao invés da simples subscrição/transferência de risco. Assim, pretende-se combinar o Homem e a Máquina. Com esta junção, combina-se a criatividade e

79 KESSLER, Denis - How artificial intelligence will impact the (re)insurance industry. Focus [Em linha]. (March 2018).

sensibilidade humana com a análise automatizada e sintetizada de grandes volumes de dados (“Man Machine Learning”)80.

Não obstante todos estes benefícios, este tipo de modelo comporta-se de forma semelhante aos modelos tradicionais, dependendo dos dados e de comportamentos passados para prever riscos futuros. A única diferença é que é mais rápido e eficiente que os modelos anteriores, pois lida com um volume de dados nunca antes medido. No entanto, com os recentes desenvolvimentos dos riscos emergentes, deparamo-nos com falta de informação passada sendo, na mesma medida, dificultada a sua análise. Espera- se que, com os desenvolvimentos entusiastas da Quarta Revolução Industrial, e com o desenvolvimento de aquisição de informação, no futuro, este tipo de modelo seja amplamente bem-sucedido.