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Razão de sexo e números absolutos da população escrava por município da capitania/província de Santa Catarina e mapa da população livre e escrava em

porcentagem

Município

População escrava

1796 1805 1810 1840 1855 1857

Desterro 2271 3201 3700 4336 3692 3978

São José 412 485 566 2252 2442 2831

São Miguel 788 897 927 1371 1404 1506

Laguna 953 1262 1377 2299 2997 3365

São Francisco 767 872 623* 1244 1344** 2736

Lages - - - 290 1077 1195

Total 5191 6717 7193 11792 12956 15611

Razão de sexo escrava

1796 1805 1810 1840 1855 1857

Desterro 190 199 182 142 112 109

São José 212 267 179 152 152 170

São Miguel 375 283 208 174 163 161

Laguna 176 144 181 122 130 133

São Francisco 125 130 147 131 134 133

Lages - - - 79 89 104

Média da Província 194 188 181 140 128 132

Mapa da população livre em números absolutos

1796 1805 1810 1840 1855

Desterro* 7 980 8 777 10 300 15 032 18 547

São José 1 679 2 111 2 231 8 194 10 420

São Miguel 1 970 2 601 2 634 5 829 10 772

Laguna 3 359 4 422 5 006 10 502 19 918

São Francisco 3 686 4 421 4 165** 6 896 13 523***

Lages - - - 2 423 4 756

Porto Belo - - - 4 825 9 428

Total 18 674 22 332 24 336 53701 87 364

Mapa da população livre e escrava por vila em porcentagem

Município

População livre em %

1796 1805 1810 1840 1855

Desterro 78 73 74 78 83

São José 80 81 80 78 81

São Miguel 71 74 74 81 88

Laguna 78 78 78 82 87

São Francisco 83 84 87* 85 91

População escrava em %

1796 1805 1810 1840 1855

Desterro 22 27 26 22 17

São José 20 19 20 22 19

São Miguel 29 26 26 19 12

Laguna 22 22 22 18 13

São Francisco 17 16 13* 15 09

Fontes: Rezumo Geral de toda a população pertencente ao Governo da Ilha de Santa Catharina, formado pelos mapas que derão os officios de cada um dos Distritos do mesmo Governo. Em 1º de janeiro de 1796. Acervo Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, conjunto documental 3,3,17.(Apud CESCO, Susana. Floresta, agricultura e cidade: transformações ambientais e sociais na ilha de Santa Catarina no século XIX. Tese de Doutorado, UFRJ, 2009); Ofício do Governador da Ilha de Santa Catarina, Luís Maurício da Silveira, ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Visconde de Anadia, enviando mapas das vilas, freguesias, tropas e engenhos e o desenho do aquartelamento das Tropas de Linha. AHU – Santa Catarina, cx. 11. doc. 37, 28,23, 18,15. (Projeto Resgate); BRITO, Paulo José Miguel de.

Memória Política sobre a Capitania de Santa Catarina escrita em 1816. Lisboa; Academia Real das Sciencias, 1829. PP 40-45; Relatórios dos Presidentes de Província dos anos de 1841, 1855 e 1857.

*: Não foram contabilizados os dados populacionais do Distrito de Itapocoroy.

**: Não foram contabilizados os dados populacionais do Distrito de Paraty.

OBS: A vila de Lages foi desmembrada da Província de São Paulo em 1820, passando só a partir de então a pertencer a Santa Catarina. Além disso, São Miguel e São José, pelo menos até 1810, eram freguesias da capital Desterro. Contudo, por seus dados serem apresentados sempre separadamente, foram consideradas na análise de maneira isolada, mesmo antes da elevação de ambas as localidades a categoria de vila. A freguesia da Enseada de Brito, mesmo sendo na terra firme, teve seus números agregados ao município de Desterro.

O quadro anterior demonstra que a população livre era muito superior aos escravizados. Desse modo, pode-se seguramente concluir que o grosso da farinha de mandioca era produzido por indivíduos livres, seja como agregados de grandes proprietários de terras ou como pequenos produtores independentes que recorriam à mão de obra familiar e, algumas vezes, poderiam contar com poucos escravos.

Vale a pena retomar que a importância desses dados para essa pesquisa consiste no fato de que parte dos Juízes Municipais eram proprietários de escravos e estavam inseridos na produção de farinha de mandioca. Desse modo, discutir aspectos da escravidão na vila permite dimensionar o tamanho daquela elite local.

Desse modo, levando-se em conta que o tráfico descarregava mais homens africanos do que mulheres, o Quadro VII mostra que o apelo dos produtores de farinha de mandioca de Santa Catarina por cativos africanos foi mais intenso, em termos proporcionais, do que o dos baianos dedicados a produção da mesma mercadoria. Ao mesmo tempo, essa constatação reforça a postura comercial do litoral catarinense de estar envolvido com o mercado de abastecimento. A virada do século XVIII para o XIX mostra a voracidade dos envolvidos com a expansão do mercado da farinha lidada ao chamado renascimento agrícola,229 pois por mais que os números absolutos de escravos sejam singelos se comparados com o Sudeste, a atitude de busca de inserção em um modelo de produção escravista demonstra a disposição das elites locais catarinenses em atender a demanda e acumular capitais econômicos, sociais e políticos. Do mesmo modo, a aquisição de escravos no mercado atlântico sinaliza as possibilidades de acumulação e crédito encontradas na produção da farinha de mandioca.

229 PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, s/d. cap. 10 pp.

79-93. Prado Junior argumenta que a queda na mineração, o aumento do consumo europeu e a alta dos preços em consequência das guerras, somados a crise das Antilhas produziram um contexto favorável ao fortalecimento da produção brasileira, sobretudo àquela ligada a exportação. Como sugere João Fragoso, a aceleração da produção de exportação gerava uma demanda por gêneros alimentícios, como a farinha de mandioca.

O apetite dos produtores locais por escravos era tão acentuado que o Diccionario Geographico, Histórico e Descriptivo do Império do Brazil, publicado no ano de 1845, traz o seguinte trecho sobre a Província de Santa Catarina:

“Os habitantes desta província são em geral robustos, hospitaleiros e econômicos, porém eram pobres porque gastavam o quanto ajuntavam em comprar escravos para os trabalhos rurais, e por isso que alguns eram inclinados a tratarem de demandas que geram entre as famílias inimizades que nunca se acabam.”230

A percepção de Saint-Adolphe sobre Santa Catarina expõe um projeto social pautado no uso de mão-de-obra escrava para a produção de gêneros de abastecimento.

Aponta também que, para além dos grandes plantéis, a escravidão pode ter adquirido uma forma pulverizada no interior daquele sistema de produção.

Conforme o Quadro VII, com exceção da vila de Lages, todas as demais eram intensamente envolvidas com a produção de farinha de mandioca. Seria isso uma explicação para uma razão de sexo inferior a 100 verificada no município de Lages?

Evidentemente sim, mas não só, pois Lages foi intensamente afetada pela Revolta dos Farrapos nas décadas de 1830 e 1840. Sendo assim, esse fato pode ter interferido no ritmo de aquisição de escravos na referida localidade.

As vilas que apresentam o desequilíbrio sexual mais acentuado – São José e São Miguel - ficavam no entorno da capital Desterro e a produção negociada de forma lícita era, possivelmente, comercializada via porto de Desterro. Essa característica geoeconômica ajuda a perceber a centralidade do porto de Desterro dentro do cenário provincial, mesmo com suas dificuldades técnicas de baixa profundidade em algumas áreas próximas ao porto.

Outro ponto a se ressaltar é que Desterro, nos 61 anos que o Quadro VII cobre, passa de uma taxa de razão de sexo de 190 para 109, ou seja, de quase dois escravos para cada escrava, assim atravessando para um patamar de relativo equilíbrio. Esses dados vão ao encontro das observações de Beatriz Gallotti Mamigonian de que Desterro, a partir da década de 1830, passa por um processo de transição da composição da sua população escrava que ainda era fortemente africana, mas gradualmente

230 SAINT-ADOLPHE, J. C. R. Milliet de DiccionarioGeographico, Histórico e Descriptivo do Império do Brazil. Paris: J.P Aillaud, 1845. Vol. II. p. 478. (disponível em www.memoria.nemesis.org.br).

avançava o número de crioulos.231 Desse modo, a reprodução endógena da escravaria tendia ao equilíbrio sexual. Essas observações permitem também aventar que, se comparada com as outras vilas litorâneas da província, a capital Desterro foi a que proporcionalmente mais pode ter reduzido seu apelo ao tráfico como modo de obter mão-de-obra.

São Francisco do Sul manteve uma relativa constância na relação entre os números de homens e mulheres, quase sempre por volta dos 130 homens para cada 100 mulheres cativas. Essas informações evidenciam o acesso da vila ao tráfico de africanos, porém, existem algumas peculiaridades que merecem ser mencionadas. Uma delas está relacionada aos índices de escravos classificados como pretos e pardos e a outra particularidade encontra-se nos dados sobre a família escrava. Possivelmente estas duas características sejam relacionais.

No arrolamento dos índices de pretos e pardos, no mapa de 1796, Desterro aparece com 11,5% da sua população escrava como parda; Laguna com 12,2%; São Miguel com 5,5%; São José com 5,8% e São Francisco do Sul, bastante à frente com 30,1% de pardos na sua população livre232. O Quadro VIII traz os números absolutos: