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CAPÍTULO 2 QUALIDADE EM EDUCAÇÃO E QUALIDADE EM EDUCAÇÃO

2.5 Qualidade como modos de oferta

A segunda dimensão definida, nesta pesquisa, como qualidade na educação infantil – creche, é expressa como modo de oferta que, aqui, significa estudar a oferta de matrícula, de forma direta, feita pelo município, portanto, observar se há oferta pública estatal, ou se ela é oferecida apenas por instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, conveniadas com os municípios. A importância de analisar essa dimensão está no fato de que a creche, no Brasil, basicamente expandiu-se via convênio e não pela rede estatal, configurando-se como um dos possíveis motivos pelo fato de os municípios não terem recursos fiscais suficientes para expandir a própria rede, provocando, assim, a compra de vagas na iniciativa privada, com ou sem fins lucrativos, por meio do chamado conveniamento. Nessa modalidade, não fica sob a responsabilidade dos municípios encargos com funcionários, professores, planos de carreira e previdência social. A escolha por esta dimensão, como elemento de qualidade, está relacionada ao fato de as pesquisas indicarem que a oferta de matrículas em creche

conveniada dar-se-ia em uma condição inferior àquela ofertada em instituição pública- estatal.

A análise do percurso histórico de oferta de creche no Brasil, conforme apresentada no capítulo I, permite afirmar, a partir de autores credenciados, que esta etapa educacional foi estruturando-se, no país, fortemente marcada pela presença de iniciativas de entidades do terceiro setor, mais precisamente, atores institucionais filantrópicos. Campos (2010), por exemplo, chega a afirmar que o atual contexto em que a creche se encontra, em termos de consolidação, somente foi alcançado devido às condições construídas por estas instituições assistenciais e filantrópicas. A forte presença da LDB nesta área, anteriormente discutida, atesta a afirmação da autora.

A CF, de 1988, e a LBD (1996) estabeleceram que a responsabilidade pelo oferecimento da educação infantil é de responsabilidade prioritária dos municípios. No entanto, um obstáculo que advém é a condição financeira dos municípios. Como se sabe, a grande maioria destes entes federados é de porte pequeno, com pouca atividade industrial e, com isso, há pouca arrecadação de impostos. Isso sem contar que os impostos próprios de maior valor são de competência dos estados e da União. Nesse sentido, o que se tem são municípios sem recursos financeiros e, sob sua responsabilidade legal, um número considerável de matrículas no ensino fundamental e, também, a educação infantil.

Em pesquisa desenvolvida por Tripodi (2016) que, posteriormente, foi publicada por Tripodi, Delgado e Castilho (2018), investigaram-se quais as estratégias utilizadas pelos municípios para atender a meta 1, da educação infantil, conforme PNE (2014-2024), que prevê a expansão do sistema até alcançar a oferta de 50% de matrículas para a demanda manifesta. A primeira conclusão do trabalho é de que os entes municipais que compunham a amostra, em boa parte, tendiam a fazer parcerias com as OSC para alcançar a meta. A segunda conclusão da pesquisa diz respeito às razões para se fazer esta opção, de conveniamento, além disso, os dados da pesquisa mostraram que a variável financeira foi a única estatisticamente significativa, dentre outras variáveis inseridas no modelo.

Para Flores e Susin (2013), a política de atendimento a crianças pequenas, apoiada na atuação da sociedade civil, associada com o Estado, é uma ação que vem de um período em que as políticas voltadas para as crianças pequenas e as mais pobres estavam ligadas à assistência social. As autoras afirmam que o convênio, para o oferecimento da educação infantil no Brasil, tem como característica a coparticipação entre o poder público e entidades privadas sem fins lucrativos “podendo ser comunitárias, confessionais ou filantrópicas,

administradas por associações de moradores, entidades religiosas ou beneficentes, instaladas em comunidades que necessitem desses serviços” (FLORES, SUSIN, 2013, p. 224).

As autoras pontuam que os convênios, ao aumentarem o oferecimento, asseguram, em vários municípios brasileiros, um aumento das vagas para a educação infantil, seja pela procura social ou, pelas determinações legais no que diz respeito à ampliação da oferta. Elas explicam que essas vagas, muitas vezes, são consideradas equivocadamente como educação pública, mesmo que elas não estejam sob a responsabilidade integral do poder público, afinal, é uma vaga de uma instituição privada, não particular, com financiamento total ou parcial a partir de recursos do poder público municipal (FLORES e SUSIN, 2013, p.224). Mostram, ainda, que, no momento em que as instituições da sociedade civil assumem obrigações que são do Estado, de certo modo, estimulam uma troca de atribuições. Esse processo de ‘cooptação’ da tal força de trabalho muitas vezes é repassado à sociedade sob um discurso de ‘empoderamento’ das entidades privadas sem fins lucrativos, especialmente aquelas de natureza comunitária, quando, de fato, trata-se de uma questão complexa (idem, p, 237).

De acordo com as autoras, se, por um lado, essas instituições do terceiro setor começaram a ofertar a educação, por outro, percebe-se, neste cenário, uma manobra irresponsável no que diz respeito ao direito social à educação, até mesmo pela carência de condições técnicas de vários estabelecimentos. Outro ponto levantado por elas trata dos profissionais que fazem o atendimento à educação infantil nesses estabelecimentos que, muitas vezes, não possuem formação adequada, fazendo o trabalho de forma descontextualizada da proposta pedagógica institucional. Ressaltam, ainda, que em razão de recursos escassos que são transferidos pelo Estado, em troca desta colaboração, e, também, pelo fato de os contratados não possuírem uma formação apropriada para exercer o cargo, os profissionais vão ter uma remuneração inferior o que acaba por gerar um círculo vicioso que se dá ao envolver má remuneração e a consequente queda de qualidade do atendimento.

As autoras ainda pontuam que a parceria público-privado, para a oferta de Educação Infantil no Brasil, estabeleceu-se como uma política preferencial para a ampliação desse serviço, especialmente nas capitais e cidades com um grande índice populacional. Segundo elas, o aumento de vagas por meio de convênios pode ser compreendido como uma forma democrática de encarar a educação infantil, porque, na realidade, elas realmente aumentam o número de crianças atendidas, mas, de outra forma, pode ser considerada também uma “pseudodemocratização” da educação. Esclarecem, ainda, que o ensino abaixo dos padrões de qualidade determinados é ofertado para as classes mais pobres da população e, em certas

circunstâncias, tem uma concepção assistencialista. Segundo as autoras, “havendo uma efetiva democratização da educação Infantil, além do acesso a uma vaga, seria necessário que as camadas menos privilegiadas da população fossem atendidas com políticas educacionais garantidoras de inclusão com equidade e qualidade” (FLORES e SUSIN 2013, p. 240).

Elas informam que as pesquisas têm indicado que é preciso verificar a qualidade que está embutida nestas matrículas, porque, a partir do momento em que as OSC passam a ofertar um serviço à comunidade, no lugar do poder público, tanto as instituições conveniadas quanto o administrador público passam a não ter legitimidade para fiscalizar e avaliar a qualidade do serviço ofertado, porque segundo Flores e Susin (2013, p. 238) porque as instituições conveniadas estão ocupadas em dar conta daquilo que foi contratado para oferecer; já o poder público se redime por estar contratando um terceiro para uma oferta que é de sua responsabilidade.

Campos (2010) coordenou uma pesquisa intitulada “Educação Infantil no Brasil – Avaliação Qualitativa e Quantitativa”, na qual avaliou, em seis capitais, um total de 147 instituições, sendo 102 (69,4%) municipais, 23 (15,6%) privadas particulares e 22 (15,0%) privadas conveniadas com o poder público. Um dos pontos levantados pela pesquisa foi que os municípios seguiram trajetórias diferentes no arranjo de suas redes de educação infantil. Em algumas capitais, segundo a coordenadora da pesquisa, verificou-se um “processo de municipalização de instituições antes conveniadas com a prefeitura e/ou com o estado” e, em outras, observaram-se contratos com terceiros para a contratação de professores e funcionários de serviço de apoio nas instituições das redes municipais. Uma outra constatação da pesquisa foi que as prefeituras das seis capitais, incluídas no estudo, apresentam condições bastante desiguais para planejar a educação infantil. Em alguns municípios, por exemplo, não se praticava o repasse de verbas por criança matriculada, sendo possível, por exemplo, a cessão de professores municipais para as OSC, já em outros, estavam previstas formas diferentes de apoio financeiro (CAMPOS, 2010).

Suzin (2009), em sua tese “A qualidade na Educação Infantil Comunitária em Porto Alegre: um estudo de caso em quatro creches conveniadas”, explica que os estabelecimentos conveniados que possuem mais recursos oferecem melhores condições no que se refere à qualidade. Já as instituições que atendem as comunidades mais carentes “serão as mais prejudicadas nesta relação desigual com a qualidade a que estão submetidas” (SUSIN, 2009, p. 268). Ela afirma, ainda, que “a disparidade entre as instituições faz com que se perca de

vista o paradigma da igualdade e do direito de todo o cidadão a uma educação de qualidade assegurada por princípio constitucional” (Idem:ibidem). Outra questão levantada, em sua pesquisa, foi a de que a qualidade na oferta da educação infantil comunitária, sem fins lucrativos, está relacionada às condições materiais da comunidade onde está inserida e da mantenedora por ela responsável.

Correia (2013), em sua dissertação de mestrado, intitulada “Educação Infantil de 0 a 3 anos: um estudo sobre a demanda e a qualidade na região de Guaianazes, de São Paulo”, averiguou que, sob uma perspectiva qualitativa, a região estudada atendia 94,52% da demanda por creche, mas 87,44% desse atendimento era realizado por instituições conveniadas. Segundo a autora, o primeiro pensamento das autoridades era atender a demanda por vaga, para depois pensar na qualidade desse atendimento.

Abdalla (2015), em sua dissertação de mestrado sobre “O Pós-FUNDEB no oferecimento de matrículas para Educação Infantil, no Estado de São Paulo”, concluiu que as matrículas municipais, em creches dos municípios estudados, apontam predominantemente para uma taxa de crescimento, mas a autora registra, também, que, nos anos de 2008 e 2013, houve um declínio que ela acredita ter como fator determinante a inclusão das creches no FUNDEB. Para a autora, os convênios deixaram de ser uma medida paliativa para se tornarem permanentes, em vários municípios, estabelecendo que o “avanço do setor privado não lucrativo continua em expansão, com a permissão da legislação” (ABDALLA, 2015, p. 85).

Franco, Domiciano e Adrião (2019), em estudo sobre a “privatização das creches em São Paulo e seus efeitos sobre a qualidade da oferta”, afirmam que, ao examinarem a educação infantil, voltada para crianças de 0 a 3 anos, na cidade de São Paulo, depararam-se com diferenciais no que se refere à qualidade ofertada nos Centros de Educação Infantil (CEIs), da rede direta, e as creches conveniadas, tomando como base as dimensões: 1. (estrutura e funcionamento), 2. (trabalhadoras e trabalhadores da educação), 3. (gestão democrática) e 4. (acesso e permanência) que integram a composição do Custo Aluno Qualidade Inicial (doravante CAQi).

Os autores constataram, por exemplo, que os dois tipos de instituições (direta e conveniada) cumprem a proporção estabelecida entre criança/adulto, que está prevista no CAQi, mostrando que, pelo menos no nível legal, a questão relacionada ao cuidado das crianças, com relação ao número de crianças por adultos, estava sendo observada o que é muito importante, segundo eles.

Ao comparar as condições de trabalho dos servidores da rede direta e dos funcionários das creches conveniadas, constataram que existem disparidades e contrastes enormes. As desigualdades apresentam-se na jornada de trabalho, no salário e na organização da carreira desses profissionais. A jornada de trabalho dos funcionários efetivos é menor, os salários, melhores e possuem planos de carreira, o que não acontece com os funcionários das conveniadas.

Relacionam também os espaços físicos das creches diretas, indiretas e conveniadas. Enquanto a direta e indireta devem seguir um padrão estabelecido na portaria nº 3479/2011, onde estão descritos os padrões básicos de infraestrutura que as instituições de educação infantil de São Paulo devem seguir, o mesmo não acontece com as creches conveniadas.

As creches conveniadas, segundo os autores são, na maioria das vezes, casas e prédios adaptados que passam por vistoria e aprovação das Comissões das Diretorias Regionais de Educação, apesar de estes órgãos terem conhecimento de que elas “apresentam equipamentos que divergem dos padrões legais” (FRANCO, DOMICIANO e ADRIÃO, 2019, p. 90).

2.6 Qualidade como insumo