• Nenhum resultado encontrado

Qualidade da informação sobre óbitos em Moçambique

2 ANTECEDENTES: MORTALIDADE, QUALIDADE DA INFORMAÇÃO

2.2 Qualidade da informação sobre óbitos em Moçambique

O estudo da mortalidade adulta é importante para o entendimento da dinâmica e dos processos que envolvem as mudanças que ocorrem nesse grupo de população. O conhecimento da melhor estimativa da esperança de vida de uma população permite conhecer como é a saúde em geral dos habitantes de uma determinada área geográfica. Dadas as circunstâncias que caracterizam os países africanos, tanto no que diz respeito aos problemas de coleta de dados (Reniers, Masquelier & Gerland, 2011) quanto às doenças HIV/AIDS e malária que afetam esses países (Dorrington, Moultrie & Timaeus, 2004; United Nations,

2007; Organização Mundial da Saúde, 2010; Reniers, Masquelier & Gerland, 2011), compreender e contribuir para o entendimento das circunstâncias supracitadas torna-se um desafio importante.

O estudo da mortalidade adulta em qualquer país é mais fácil quando o sistema de coleta e qualidade de dados é bom e quando os mesmos são disponibilizados para utilização. Na África, existem países que já deram um grande passo na cobertura do sistema de registro de população e de óbitos, como os países da Região Norte (a região designada por África branca), em sua maioria; e também de países como Maurícias, Cabo Verde, Ilhas da Reunião e África do Sul. Esses já possuem um sistema de registro civil bem representativo a nível nacional (Reniers, Masquelier & Gerland, 2011). Para países africanos que não possuem o sistema de registro civil, os Censos Demográficos e as pesquisas amostrais constituem alternativas para caracterizar a dinâmica da mortalidade, apesar dos dados colhidos por essas pesquisas também carecerem de qualidade. Reniers, Masquelier & Gerland (2011) apontam que, nas últimas décadas, não foram notadas grandes mudanças na qualidade dos dados do registro civil dos países em desenvolvimento, em especial os africanos. Nesse sentido, os Censos Demográficos constituem uma fonte importante de informação para estudos de mortalidade. Apesar de apresentarem limitações no que diz respeito à qualidade da informação e cobertura, eles disponibilizam informações que ajudam a estimar a mortalidade adulta em países com dados deficientes. Os Censos Demográficos ocorrem em certos intervalos de tempo que podem ser longos ou curtos, variando de acordo com as condições financeiras e políticas de cada país. Na maioria dos casos, as pesquisas censitárias são decenais, o que limita o acompanhamento das tendências de mortalidade. Por isso, pesquisadores desenvolveram métodos alternativos para estimar a mortalidade que ocorre em um intervalo de tempo entre dois censos, a cobertura dos óbitos nesses períodos e os indicadores que mensuram a mortalidade adulta (Brass, 1975; Bennett & Horiuchi, 1981; Hill, 1987; Hill & Choi, 2004; Hill, You & Choi, 2009). Esses métodos podem ser aplicados tanto para situações em que a qualidade de dados é ruim quanto para aquelas em que a qualidade de dados é boa. Porém, muitos trabalhos indicam que os métodos alternativos são mais aplicados em países com qualidade ineficiente de dados; com fraca ou mesmo inexistente cobertura de registro civil

(Brass, 1975; Bennett & Horiuchi, 1981; Hill, 1987; Hill & Choi, 2004; Agostinho & Queiroz, 2008; Hill, You & Choi, 2009).

Um dos aspectos relacionados à qualidade de dados em muitos países africanos está relacionada à forma de coleta, tanto no que tange à aplicação de questionários quanto à capacidade do pessoal selecionado para inquirir, principalmente quando se trata de um Censo Demográfico nacional. No caso de Moçambique, os levantamentos de dados de população e de mortalidade são feitos pelo Instituto Nacional de Estatística, que é o órgão moçambicano responsável por todo o processo, desde a coleta dos dados até a publicação dos resultados (Moçambique, 2004).

Um dos problemas relacionados com a ineficácia de dados em Moçambique é a língua utilizada nos questionários de pesquisa. Os questionários são elaborados apenas na língua oficial do país, que é o português. Todavia, menos de metade (40%) da população moçambicana fala português (INE, 1997; 2005; Norte, 2006). Como forma de facilitar o processo durante a realização da pesquisa, as perguntas têm sido traduzidas pelos próprios inquiridores/entrevistadores para as línguas locais no momento da aplicação, o que também contribui para a baixa qualidade da informação coletada (Hakkert, 2011). A tradução da pergunta para uma língua local por parte do entrevistador pode desviar o sentido do que se pretende pesquisar. Para além dessas situações, existem outros casos que influenciam a qualidade de dados coletados, como o de maior parte da população ser rural (69,6% em 2007) e analfabeta (50,3% em 2007; INE, 2010). Essa realidade tem contribuído para a ocorrência de falsas declarações de idade tanto do próprio respondente como do falecido no domicilio.

Hakkert (2011) resume os problemas que são encontrados nas pesquisas censitárias em três grandes grupos, que ele chama de “lições”. A primeira lição é a dos problemas que podem estar relacionados com as perguntas dos questionários; a segunda se refere ao tempo que separa o censo da pesquisa de follow up; e a terceira diz respeito a todos os possíveis erros ou problemas de classificação. Os censos que foram utilizados neste trabalho estão mais relacionados com a primeira e com a terceira lições.

Por sua vez, Dorrington, Timaeus & Gregson (2007) agrupam em três grupos os problemas que podem ser encontrados em dados enumerados nos censos: (1) a subenumeração, que, segundo os autores, pode ser resultante da falha ao reportar um evento recente, de certa confusão com relação ao período de referência, da não abrangência de áreas ou populações, da desintegração de domicílios; (2) a sobre-enumeração, que resulta da confusão do período de referência, de pessoas enumeradas em mais de um domicílio; e (3) a declaração irreal da idade, que ocasiona uma concentração em uma idade ou exagero. Esses e outros problemas de ordem organizacional limitaram a qualidade de dados do Censo de Moçambique.

Outros problemas que podem ser inseridos na lição de todos possíveis erros ou problemas de classificação são a qualidade da declaração da idade e os erros de memória. Um dos grandes problemas que os dados de população e de óbitos apresentam é a preferência por dígitos 0 ou 5. Isso ocorre geralmente quando o declarante não se recorda da idade que tem ou que tinha a pessoa que morreu. O problema do analfabetismo piora situações de erro de memória que são derivados de esquecimento por ter transcorrido um tempo maior após o evento. No que diz respeito à idade do falecido, esse problema acontece, pois nem sempre o respondente do questionário é parente próximo do falecido ou, mesmo sendo, pode não saber a idade exata dele. A desintegração de domicílios depois da morte do chefe pode ser também um componente que limita a qualidade dos dados dos censos, como ocorre em Moçambique (Hakkert, 2011). Quando há uma desintegração de um domicilio depois de ter ocorrido a morte de alguém, esse óbito pode ser declarado em ambos os domicílios recentes e/ ou não ser declarado.

Além da qualidade de informação, existem poucos trabalhos de pesquisa realizados sobre mortalidade em Moçambique (Ex: Araújo, 1999; Chipembe, 2001; Macassa et al., 2004; Alberto, 2010; Hakkert, 2011; Mangue, 2011). O estudo de maior destaque é o de Hakkert (2011) e o de Mangue (2011), que tratam de mortalidade adulta, ao passo que os de Cassiano (2001) e Macassa et al. (2004) tratam da mortalidade na infância. O trabalho de Hakkert (2011) estuda a estimação da mortalidade materna de casos da Bolívia e de Moçambique, e o

de Mangue (2011) analisa a influência da malária e do HIV/AIDS na esperança de vida em Moçambique. Dentre esses trabalhos, o de Hakkert (2011) focaliza mais as limitações dos dados de Moçambique, especificamente aqueles da mortalidade materna. O autor aponta alguns problemas que foram encontrados na pesquisa de follow-up em Moçambique. O Instituto Nacional de Estatística realizou, entre 2007 e 2008, a pesquisa sobre causas de morte (INCAM). Nessa pesquisa procurava-se saber também a mortalidade materna no país. Para tal haviam sido selecionados domicílios onde teriam ocorrido óbitos nos últimos 12 meses anteriores ao Censo de 2007. A amostra era de 4,5% do total de todos os óbitos (Hakkert, 2011). Para Hakkert, essa amostra foi adequada para pesquisa sobre todas as causas de morte e não para a pesquisa sobre a mortalidade materna. Na pesquisa, foram encontrados muitos casos inválidos (acima de 35%), ou seja, vários domicílios haviam falsamente declarado no Censo de 2007 ter ocorrido óbito durante os últimos doze meses (Hakkert, 2011). Por isso, depois da pesquisa sobre causas de morte, fez-se alguma correção dos óbitos enumerados no Censo de 2007 (Hakkert, 2011). Esse problema pode conduzir à obtenção de indicadores de mortalidade subjetivos.

Por sua vez, o trabalho de Mangue (2011) mostra o quanto o HIV/AIDS e a malária afetam a esperança de vida ao nascer e as outras idades adultas. Como se sabe, o HIV/AIDS afeta mais as idades adultas nos grupos de pessoas que se pretende estimar neste trabalho. Por isso, como em Moçambique há maior prevalência de HIV (11,5% em 2009; INS, INE & ICF Macro, 2010), decidiu-se selecionar vários grupos de idade para ajuste e ver como cada um desses grupos influencia as estimações. Alguns autores (Reniers, Masquelier & Gerland, 2011) dizem que Moçambique, apesar de estar afetado por HIV/AIDS e a malária, ainda apresenta baixos níveis de mortalidade adulta, comparativamente aos observados em outros países da Região da África Austral. Contudo, esses autores apontam que o impacto do aumento da prevalência do HIV em Moçambique será ainda sentido futuramente.

Documentos relacionados