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CAPÍTULO II - Enquadramento teórico: Currículo, Autonomia Curricular e a Qualidade na

2.3. A Qualidade nas instituições da Educação Infantil

2.3.2. Qualidade na educação infantil brasileira

Na etapa da Educação infantil a busca pela qualidade tem acontecido de forma bastante diversa das outras etapas da educação básica no Brasil, pois, como já vimos no capítulo 1 desse estudo, ela só foi consolidada como etapa da educação depois da Constituição de 1988, e os movimentos sociais ainda estão lutando pela universalização do acesso ao serviço. Por isso, podemos dizer que pensar na qualidade dessa oferta ainda está em segundo plano para o Estado (Campos, 2020).

Diante do exposto, o país tem uma tarefa complexa e múltipla, pois precisa pensar em como realizar políticas públicas de acesso, bem como promover condições de qualidade das instituições de educação infantil mediante o acesso. Parafraseando Zabalza (1998, p. 41) e acreditando que o Estado brasileiro, ainda hoje, pensa da seguinte forma: “melhor qualquer educação infantil do que nenhuma”.

Historicamente, o atendimento à etapa da educação infantil no Brasil tem sido caracterizada pela precariedade na infraestrutura, insuficiência de investimento financeiro para atender a demanda de acesso das crianças bem pequenas e pequenas e pela não garantia de profissionais com formação adequada para atender esta etapa, como se denuncia a seguir:

emprego de pessoal não qualificado, a excessiva quantidade de bebês e crianças pequenas por adulto, os locais insalubres, a falta de materiais, a ausência de preocupação com a programação adotada com as crianças, entre outros problemas. Muitas vezes, as próprias militantes dos movimentos de luta por creche que atuavam nas periferias das grandes cidades, ao se responsabilizarem, Segundo Rita Coelho, O programa Brasil Carinhoso foi “um investimento pactuado entre três ministérios (Saúde, Educação e Desenvolvimento Social)” que financiou novas matrículas na educação infantil para crianças do Programa Bolsa Família 16 pelo funcionamento das creches comunitárias que surgiam nos bairros, tomavam consciência dessa precariedade e dos riscos que representavam para as crianças, e buscavam apoio especializado, inclusive nos órgãos municipais, para organizar melhor esse atendimento.

(Campos, 2020, pp. 896-897).

Outra discrepância que aconteceu no Brasil foi o desencontro teórico ao pensar qualidade nesta etapa, pois, em 1995, tivemos o primeiro documento sobre qualidade, denominado: Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças. Ele foi implementado antes do surgimento da primeira proposta oficial curricular, o RCNEI (1998), fato que denota a dissonância em pensar qualidade somente a partir de critérios estruturais e de funcionamento, desprezando a vida da escola, que é o currículo. (Campos, 2011).

às políticas educacionais, para consolidar o direito e ampliar a oferta com qualidade, muitos desafios colocam-se: ausência de financiamento da educação infantil e as lutas por sua inclusão no FUNDEB , a organização dos sistemas municipais; a necessidade de que as políticas de educação infantil sejam articuladas com políticas sociais; a formação dos profissionais da educação infantil e os problemas relativos à carreira; as ações e pressões de agências internacionais, que têm exigido um constante alerta da parte dos movimentos sociais, em particular dos fóruns estaduais e do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB); as precárias condições das creches comunitárias não transferidas para as redes municipais de educação. (Kramer, 2006, pp. 803-804).

Parece importante pensar na qualidade na educação infantil, a partir de duas dimensões: a dimensão extra institucional, que se configura como as políticas públicas de condições de qualidade ofertadas pelo estado e municípios; e a dimensão interinstitucional, configurada pelo saber-fazer curricular e pelas práticas pedagógicas, considerando a voz de toda comunidade que vivem a instituição.

Na dimensão extra-institucional, indica que o Estado necessita fomentar e garantir:

(I) Política robusta de acesso das crianças bem pequenas e pequenas ao sistema educacional brasileiro, atrelada à qualidade das instituições de educação infantil.

(II) A intersetorialidade, para articular as políticas educativas com as políticas sociais, para garantir forma de abordagem e proteção da primeira infância, pois as instituições educacionais se deparam constantemente com problemas das mais diversas ordens que ultrapassam os sistemas educacionais, precisando recorrer a outros sistemas para garantir os direitos das crianças e a proteção da primeira infância.

(III) Políticas de formação continuada para os educadores da educação infantil, que compreendam os paradigmas sociais vigentes, validando a criança como sujeito histórico, cultural e de direito, de modo que possam fortalecer o educador para um fazer curricular dialógico com as crianças e suas famílias de forma horizontal e autônoma.

(IV) Políticas educacionais que possam garantir maior descentralização em relação aos recursos financeiros, maior democratização e participação nas instituições educacionais.

(V) Orientação curricular, respeitando a contextualização, territorialização e as especificações das instituições educacionais na educação infantil, bem como a autonomia curricular docente.

No que se refere a qualidade na dimensão interinstitucional, muitos documentos foram e estão em processo de implantação e implementação no país, orientando as instituições em como alcançar e garantir a qualidade. Nesse sentido, tem-se no INDIQUE – Indicador de Qualidade na Educação Infantil, de 2009, o documento de maior amplitude, distribuição e reconhecimento nesse aspecto, até então. Ele brevemente citado nesta investigação, é “um instrumento de avaliação institucional participativa para uso de equipes de creches e pré-escolas. . . nas redes municipais” (Campos, 2020, p. 902).

O INDIQUE foi um instrumento de modalidade participativa, que envolve e mobiliza toda comunidade institucional, desde educadores até as famílias das crianças. Ele se apresenta em forma de autoavaliação das sete dimensões de qualidade: a) planejamento institucional; b) multiplicidade de experiências e linguagens, c) interações; d) promoção de saúde; e) espaços, materiais e mobiliários; f) formação e condições de trabalho das professoras e demais profissionais; cooperação e troca com as famílias e participação na rede de proteção social (INDIQUE, 2009). A metodologia de avaliação proposta pelo documento se dá por meio de atribuição de cores (vermelha, amarela e verde) para cada indicador que compõe a dimensão, aconselhando que seja utilizada uma carga horária entre 10 e 15 horas para realização de todo processo, além de sugerir que,

no dia da avaliação, os participantes da comunidade sejam divididos em sete grupos. Cada grupo discute uma dimensão. Para possibilitar a participação de todos na discussão, é conveniente que os grupos tenham no máximo 20 pessoas . . deve ser composto de representante de vários segmentos . . . deve ter um coordenador e um relator. (INDIQUE, 2009, p.18).

A metodologia proposta implica em um caráter altamente democrático, participativo e bastante acessível. Depois da discussão, o grupo se reúne para fazer uma plenária, definindo prioridades para compor um plano de ação diante dos problemas e fragilidades apontados pelo coletivo.

Entendendo que a qualidade não é de responsabilidade exclusiva da instituição, o documento faz a seguinte indicação:

recomendamos que, no fim das discussões, os grupos identifiquem, entre os indicadores que receberam a cor vermelha e amarela, os problemas que devem ser encaminhados à Secretaria de Educação e ao Conselho Municipal de Educação. (INDIQUE, 2009, p.24).

Outro destaque importante deste documento, o fato de todas as instituições no Brasil receberem este documento para realização do processo de avaliação institucional. Entretanto, este processo se deu de maneira pontual e não incorporou o processo de reflexão da qualidade com periodicidade estabelecida, passando a ser mais um livro do acervo das instituições da educação infantil.

Na atualidade, a Educação infantil brasileira passou a ser incluída no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), pela Portaria MEC nº 369, de 05 de maio de 2016, que instituía a ANEI:

a) a Avaliação Nacional da Educação Infantil, com ciclo avaliativo bianual, a iniciar-se em 2017, com o objetivo de realizar diagnósticos sobre as condições de oferta da educação infantil pelos sistemas de ensino público e privado no Brasil, aferindo a infraestrutura física, o quadro de pessoal, as condições de gestão, os recursos pedagógicos, a situação de acessibilidade, entre outros indicadores contextuais relevantes, além de fornecer subsídios aos sistemas de ensino para a construção de políticas públicas que possibilitem melhoria na qualidade da educação infantil; (ANEI, 2016).

A ANEI apresenta seis dimensões para verificação da qualidade nas instituições da educação infantil (ANEI, 2019):

a) dimensão acesso/oferta b) infraestrutura

c) profissionais da educação infantil d) recursos pedagógicos

e) gestão do sistema f) gestão da unidade

A ANEI ainda é um projeto de verificação da qualidade na educação infantil, que atualmente se encontra paralisada devido a revogação da portaria em agosto do mesmo ano. Esse é um fato que externa a despreocupação da gestão do país, tanto em relação a ampliação da oferta de matrícula nesta etapa, como na garantia de uma oferta educacional de qualidade.