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4. A ANÁLISE NA PESQUISA

4.4. Análise qualitativa dos vídeos

4.4.3. Qualificação do terceiro momento dos vídeos

No terceiro momento, há o assédio a Janete, situação que codifica o caso como algo natural e compatível com o universo das personagens e com o ambiente ocupado pelas mesmas. Não há nenhuma atitude que remeta á consciência ou papel social por parte da Janete nem crítica que ressalte tal ato como um comportamento criminoso por parte de nenhum ocupante do metrô.

Porém, é nesse momento que há uma confluência, dada pelo riso, de todos os contextos encontrados nas duas primeiras divisões de tempo dos vídeos de Valéria e Janete. Assim, os estereótipos, as falsas consciências, moda, e representações grotescas se imbricam e têm seu êxtase com o assédio sexual sofrido por Janete ao fim do quadro. Bergson (2004, p. 104) diz que "a comicidade, dizíamos, dirige-se à inteligência pura; o riso é incompatível com a emoção". É diante dessa afirmação que o desfecho do quadro se dá. Ele é lançado em consonância com um tipo de riso, exposto nos primeiros capítulos como de "inteligência pura", em que de forma racional o ser humano separa o cômico do trágico e se lança ao riso sem a menor responsabilidade de causa ou efeito. Exemplo, o próprio assédio á Janete, pois é sabida a gravidade do fato, mas a partir de um distanciamento dessa realidade o público se desdobra em risos e em audiências.

Existe também uma um outra forma de diminuição das minorias aqui representadas, pois além dos modelos gordos, muito magros, negros com roupas espalhafatosas e nordestinos caracterizados com roupas de boiadeiros ou de cangaceiros, são exatamente essas pessoas que praticam o assédio sexual ao final de cada vídeo.

Figura 27: TERCEIRO MOMENTO DOS VÍDEOS 04/06 - 11/06 - 28/05 - 18/06 - 25/06 -

02/07

Nessas seis imagens acima é percebido mais um tipo de estereótipo dado à classe pobre. Janete é assediada, primeiramente, por um homem travestido com uma farda de trabalho. No segundo quadro, o assédio tem sua ação por um homem branco, alto, com camisa estampada e botões abertos. No terceiro quadro, por um nordestino com farda de zelador e chapéu de boiadeiro. No quarto quadro o assédio é dado por um angolano negro que fuma charuto dentro do metrô. No penúltimo quadro, Janete é assediada por um negro com camisa estampada e botões abertos até a altura do umbigo. No último quadro, não há o assédio, mas Janete é pedida em casamento por um anão.

Nas imagens seguintes, os assédios se dão por um maestro, um bombeiro gordo, por um homem branco com camisa estampada e botões abertos e por um astronauta. Nesses quadros, os homens que praticam os assédios sexuais a Janete, estão contidos, ora nos estereótipos sociais/falsa consciência e ora nas construções do grotesco/moda.

Nas representações do homem branco com camisa florida há uma construção de moda sim. Uma moda que é retratada a partir de um universo do trabalho que é vivenciado no cotidiano e tem como espaço de relação social um transporte inerente as condições econômicas da classe retratada pelo humorístico.

Assim, o público contido no sistema representativo do quadro de Valéria e Janete, incluindo ambiente e figurino, é posto através da imposição de modelos prontos de tipos de pessoas, para dessa forma, criar uma decodificação de si através das vozes e das imagens dadas pela elite econômica.

Outro ponto analisado é a representação do bombeiro, gordo e com comportamento voltado ao assédio sexual. Diante disso, de acordo com Goldenberg e Ramos (2002), o universo da moda também engloba aqueles que não têm um corpo magro. Porém, é ressaltado, também, que essa mesma moda tem sempre como principal parâmetro a educação voltada às mercadorias e serviços que são oferecidas e vendidas tendo sempre em vista a perda de peso e o enquadramento no modelo de magreza e forma física que fomentam a chamada elegância física. Nesse sentido, da moda trabalhada a partir de pressões sociais de modelos de corpos, Saldanha e Assis destacam:

Todavia, vale destacar que, para além de constituir um processo cíclico (ou não) de produção e distribuição de mercadoria, a moda representa um sistema original de regulação e de pressão sociais: suas mudanças apresentam um caráter constrangedor, são acompanhadas de um “dever” de adoção e de assimilação, impõem-se mais ou menos obrigatoriamente a um meio social determinado – tal é o “despotismo” da moda tão frequentemente denunciado ao longo dos séculos. (SALDANHA E SILVA, 2015).

Figura 28: TERCEIRO MOMENTO DOS VÍDEOS 09/07 - 30/07 - 06/08 - 05/11

O quadro em que o assédio é cometido por um maestro idoso, traz consigo, também, uma desconformidade com a moda, pois mesmo sendo um profissional que transita sobre um determinado tipo de cultura dada como superior Adorno; Horkheimer

(1985), a sua representação está sobre a condição histórica do indivíduo de classe economicamente inferior que ascende a uma profissão tida como exclusivamente de elite, mas que não adquire o comportamento inerente à classe de origem. Ou seja, o individuo até consegue adentrar em um sistema social/cultural diferente do seu de origem, mas segundo Bourdieu (2007) a apresentação de si, no que tangem às práticas e gostos culturais, carrega consigo marcas que não apagam apenas com a adesão a uma roupa ou posição social ocupada por outra classe.

No quadro composto pelo o astronauta, a representação se dá sobre a construção do grotesco de Sodré e Paiva (2002), haja vista que não há uma forma de adesão dessa figura nem no ambiente social da classe representada nem em sua condição econômica.

Assim, o último momentos dos vídeos de Valéria e Janete abarca todos os pontos contidos nos outros dois recortes de tempo, ressaltando a formação de estereótipo de inferioridade, o enquadramento em uma construção estética que, ora é dada por uma moda desenhada a partir do universo do trabalho da classe representada, e ora por algo que não se enquadra nos nichos ditados pela própria moda e que converge para o grotesco.

Diante disso, os momentos finais de cada quadro de Valéria e Janete, caminham para um ato criminoso e gerador de uma inconsciência de si, dada sobre a ação do riso, que embota não apenas a capacidade de reconhecimento do seu papel social, mas também a própria natureza desse papel.