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CAPÍTULO 3 A QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO CONTEXTO DA

3.4 SÍNTESE DOS ASPECTOS RELACIONADOS À QUALIFICAÇÃO

3.4.3 Qualificação social para grupos vulneráveis

Nesse ponto, já é possível perceber que existe grande convergência entre os temas apresentados nos documentos do MERCOSUL sobre questões trabalhistas em geral e sobre a qualificação profissional especificamente. Nota-se, também, uma proximidade entre os temas que permearam a formulação e o desenvolvimento dos planos nacionais de qualificação profissional no Brasil desde a década de 1990. Essa convergência não ocorre por acaso.

No aspecto trabalhista, desde a Declaração Sociolaboral de 1998, o MERCOSUL afirma um posicionamento alinhado às recomendações da OIT no

sentido de avançar em sua agenda social. Como visto anteriormente, na Declaração de Ministros do Trabalho de 2008 é estimulada a criação de Planos Nacionais de Trabalho Decente (PNTD) nos Estados Parte, referentes às orientações da OIT. No Brasil, a Agenda Nacional de Trabalho Decente já estava sendo desenvolvida desde 2003. Nesse sentido, tanto o Brasil quanto o MERCOSUL, enquanto bloco, buscam alinhar-se às estratégias de ação da OIT sob a perspectiva do trabalho decente.

Buscando cumprir a prioridade proposta pelo PNTD, de ―gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades de tratamento‖, são previstas ações de qualificação profissional voltadas para populações em situação de vulnerabilidade. Essas ações, desenvolvidas no âmbito do PNQ no Brasil, são relacionadas também ao empreendedorismo dos jovens e atividades cooperativas e/ou associativas da Economia Solidária, para trabalhadores rurais e urbanos (MTE, 2010).

Em relação aos países do MERCOSUL, Cruz (2001) realiza uma análise comparativa entre o artigo 1º da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL, sobre a não-discriminação41, e as legislações nacionais. A autora identifica, além de instrumentos específicos de combate a discriminação, a ratificação, pelos quatro países, das convenções de número 100 (que trata da igualdade de remuneração entre a mão de obra feminina e masculina) e número 111 (concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão) da OIT.

Referente à estrutura institucional do MERCOSUL, podem ser citados dois órgãos que tratam das questões de vulnerabilidade de alguns segmentos, como a Reunião Especializada da Mulher e a Reunião Especializada da Juventude do MERCOSUL.

A Reunião Especializada da Mulher (REM) representa a reivindicação do tratamento das questões de gênero no MERCOSUL. ―O foco central das articulações políticas nesse campo é a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, em todas as dimensões das relações sociais‖ (MERCOSUL SOCIAL E PARTICIPATIVO, 2010, p. 86). Nesse espaço institucional, procura-se estabelecer políticas que apresentem soluções para questões comuns entre os Estados Parte,

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Artigo 1º. Todo trabalhador tem garantida a igualdade efetiva de direitos, tratamento e oportunidades no emprego e ocupação, sem distinção ou exclusão por motivo de raça, origem nacional, cor, sexo ou orientação sexual, idade, credo, opinião política ou sindical, ideologia, posição econômica ou qualquer outra condição social ou familiar, em conformidade com as disposições legais vigentes (MERCOSUL, 1998).

além de trabalhar com demandas específicas de cada país (MERCOSUL SOCIAL E PARTICIPATIVO, 2010).

Celiberti (2011) afirma que em seu início, a REM apresentava como principal foco de suas demandas as questões relacionadas ao mercado de trabalho e às formas de discriminação da mulher em relação ao emprego e ao salário. A intenção das discussões, que mesmo antes de sua institucionalização como REM já contavam com o apoio da OIT, era a de verificar quais os impactos, em sentido regional, que a criação do mercado comum poderia trazer para o emprego das mulheres.

Conforme a publicação MERCOSUL Social e Participativo (2010), há, além dos temas trabalhistas, diversos temas de trabalho da REM, como a questão do enfrentamento da violência contra as mulheres estrangeiras, o combate ao tráfico de mulheres, a questão das mulheres estrangeiras encarceradas, entre outros. Além da reivindicação de uma maior igualdade da participação das mulheres nos espaços de poder, incluindo especialmente sua participação no Parlamento do MERCOSUL. Somado a esses temas de trabalho, a reivindicação de que as questões de gênero estejam presentes em diferentes espaços institucionais do bloco, busca dar ainda maior evidência à questão da igualdade de gênero no processo de integração (MERCOSUL SOCIAL E PARTICIPATIVO, 2010).

Outra temática importante que também pode ser identificada com a dos grupos vulneráveis nas questões trabalhistas é a situação dos jovens. Este tema ganhou espaço de discussão no MERCOSUL na Reunião Especializada da Juventude do MERCOSUL (REJ), criada em 2006, que tem como prioridade a inserção da perspectiva da juventude no processo de integração, a partir da participação dos jovens, bem como a discussão dos entraves enfrentados pelos jovens diante do mercado de trabalho. Conforme a publicação Mercosul Social e Participativo, a agenda do trabalho decente para o MERCOSUL é considerada prioritária:

Em 2009 a REJ priorizou a agenda do trabalho decente juvenil, em razão da relevância do tema para o desenvolvimento da região. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que existam cerca de 10 milhões de jovens desempregados na América Latina, o que equivale a 16% da força de trabalho entre 15 e 24 anos, nível três vezes superior ao dos adultos. Em todo o mundo, os jovens representam 40% do total de desempregados (2010, p. 96).

Em relação às questões de vulnerabilidade de alguns grupos sociais diante do mercado de trabalho, que têm sido alvo de tratamento no âmbito do MERCOSUL, foi possível constatar, no primeiro capítulo deste trabalho, que essas formas de segregação são decorrentes de estratégias empreendidas diante da concorrência no mercado de trabalho, para favorecer determinados grupos. Os grupos favorecidos têm vantagens decorrentes de diversos fatores, seja em relação à qualificação profissional aliada a períodos de experiência no mercado de trabalho, o que acarreta em dificuldades para conseguir o primeiro emprego no caso dos jovens ou por fatores sociais construídos historicamente — como no caso das discriminações de gênero e etnia. Sobre este item, as análises sobre a desvalorização do trabalho de jovens e mulheres, em um contexto de construção social das qualificações, são pertinentes para a compreensão da inclusão do tema da vulnerabilidade tanto no Brasil quanto no MERCOSUL.

Cabe retomar, no sentido de entender a lógica da atenção aos grupos vulneráveis na relação do mercado de trabalho, a citação de Cacciamali sobre o papel do Estado para atender a essas especificidades dos grupos vulneráveis:

Os serviços públicos de emprego acumulam funções alocativas e distributivas, pois beneficiam os grupos em desvantagem no mercado de trabalho, os menos qualificados e os desempregados de longa duração pelo fato de não serem atendidos pelo setor privado devido à sua maior dificuldade de inserção. Por outro lado, o serviço público de emprego não pode orientar-se apenas para essa clientela, sob a pena de ser estigmatizado e não conseguir coletar vagas ou ampliar o número de vagas que permitam melhor inserção ocupacional para os seus usuários (CACCIAMALI, 2005, p. 87).

Conforme a autora, a focalização e/ou a restrição da atenção da política pública nesses grupos pode comprometer o acesso do sistema de intermediação às vagas disponíveis no mercado, que são ofertadas conforme critérios privados e não conforme as necessidades sociais.

No caso das reivindicações e das políticas voltadas aos grupos vulneráveis, entende-se que, no que se refere ao mercado de trabalho, existe um deslocamento da contradição central existente no modo de produção capitalista, entre capital e trabalho, para contradições ―menores‖, entre homens e mulheres, entre negros e brancos, entre os jovens e os aposentados que ―insistem‖ em permanecer no mercado de trabalho. Este deslocamento mina a coesão política da classe trabalhadora, e reduz as possibilidades de uma luta política comum. Dessa forma,

existe um deslocamento do debate das demandas da classe trabalhadora para as demandas específicas de diversos grupos de interesse.

Entende-se que se torna difícil estabelecer os limites de uma atenção aos grupos que fortaleça a universalidade das políticas e uma atuação estatal focalizada e restrita, que acaba por segregar grupos de trabalhadores e pulverizar a coesão da classe trabalhadora. No entanto, como no caso do interesse político, citado no tópico anterior, da promoção das pequenas empresas no sentido de descentralizar os espaços de produção e fragilizar a coesão política da classe trabalhadora, identifica- se que existe uma tendência de que isso ocorra também no caso dos grupos vulneráveis. Isso decorre do fato que as lutas políticas, baseadas em interesses por vezes tão diversos, configuram-se em reivindicações restritas de segmentos de classe.

3.4.4 A circulação de trabalhadores e as demandas para a qualificação profissional