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2 O BEM DE FAMÍLIA: OS PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.4 MODALIDADES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

3.4.3 Quanto ao órgão jurisdicional que exerce o controle

O controle de constitucionalidade quanto ao órgão jurisdicional que exerce o controle divide-se em: controle difuso e controle concentrado.

O controle difuso originou-se nos Estados Unidos da América, precisamente do caso Marbury v. Madison, julgado pela Suprema Corte americana, em 1803. (BARROSO, 2004, p. 45, grifo do autor).

John Adams, presidente dos EUA, foi derrotado na eleição presidencial por Thomas Jefferson. Porém, antes de ser sucedido por Jefferson, Adams em 1801, nomeou diversas pessoas ligadas ao seu governo como juízes federais, entre eles William Marbury, o qual foi nomeado para o cargo de juiz de paz do condado de Washington. (LENZA, 2009, p. 177).

Contudo, como o presidente Adams estava terminando seu mandato não houve tempo hábil para empossar Marbury e o novo presidente Thomas Jefferson, por entender que a nomeação de Marbury era incompleta até o ato da “comissão”, já que esta não lhe foi entregue, mandou que seu Secretário de Estado, James Madison, negasse posse a Marbury. Assim, mediante a esta decisão, Marbury recorreu à Suprema Corte com o objetivo de que o Secretário de Estado (Madison) fosse obrigado a lhe dar posse do cargo. (BULOS, 2010, p. 188; LENZA, 2009, p. 177).

Segundo Moraes (2008, p. 709), o juiz John Marshall fez a seguinte indagação para si mesmo: “Para que um juiz juraria desincumbir-se de seus deveres conforme a Constituição dos Estados Unidos, se aquela Constituição não formar regra para seu Governo? Se estiver muito acima dele, e não puder ser por ele inspecionada?”

Diante desta questão, segundo Swisher (1962 apud MORAES, 2008, p. 709-710), o juiz (Chief Justice) John Marshall prolatou a seguinte decisão:

se tal for real estado das coisas, este será o pior dos vexames solenes. Prescrever ou realizar esta profanação torna-se igualmente um crime. Não é, também, inteiramente indigno de observação, que ao declarar qual será a lei suprema do País, a própria Constituição seja primeiramente mencionada: e não as leis dos Estados Unidos, geralmente, mas aquelas apenas que foram feitas em obediência à Constituição, gozarão daquele respeito. Portanto, a fraseologia particular da Constituição dos Estados Unidos confirma e fortifica o princípio, considerado essencial a todas as Constituições escritas, de que uma lei em choque com a Constituição é revogada e que os tribunais, assim como outros departamentos, são ligados por aquele instrumento. A norma deve ser anulada.

O controle difuso, para Moraes (2008, p. 709), “[...] caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal.”

Conforme Silva (2008, p. 49), “[...] se reconhece o seu exercício a todos os componentes do Poder Judiciário.”

Canotilho (1993, p. 964) entende que “a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis é reconhecida a qualquer juiz chamado a fazer a aplicação de uma determinada lei a um caso concreto submetido a apreciação judicial.”

Segundo Barroso (2004, p. 45):

[...] sendo a Constituição uma lei, e uma lei dotada de supremacia, cabe a todos os juízes interpretá-la, inclusive negando aplicação às normas infraconstitucionais que com ela conflitem. Assim, na modalidade de controle difuso, também chamado sistema americano, todos os órgãos judiciários, inferiores ou superiores, estaduais ou federais, têm o poder e o dever de não aplicar as leis inconstitucionais nos casos levados a seu julgamento.

No Brasil, o controle difuso vem desde a primeira Constituição republicana, e subsiste até hoje sem maiores alterações. Do juiz estadual recém-concursado até o Presidente do Supremo Tribunal Federal, todos os órgãos judiciários têm dever de recusar aplicação às leis incompatíveis com a Constituição.

A fiscalização da constitucionalidade é necessária no decorrer do curso de qualquer ação judicial, uma vez que uma das partes pretende aplicar a lei, porém a outra se defende dessa pretensão, alegando, no caso concreto, a inconstitucionalidade daquela. (BULOS, 2010, p. 190).

3.4.3.2 Controle concentrado

O controle concentrado surgiu na Áustria, com a Constituição de 1920. No primeiro momento, aquela previa o controle concentrado somente sobre as normas. Porém, em 1929, implantou-se a fiscalização incidental. (BULOS, 2010, p. 190).

A Constituição austríaca de 1920 criou o Tribunal Constitucional, cujo teria exclusividade para o exercício do controle judicial de constitucionalidade das leis e atos normativos, sendo que este foi um sistema oposto ao adotado pelos Estados Unidos, eis que não se intentava a resolução de casos concretos, mas a anulação geral da lei ou ato normativo quando fosse incompatível às normas constitucionais. (KELSEN, 1985 apud MORAES, 2008, p. 705).

Segundo Bulos (2010, p. 190), “[...] a Carta austríaca de 1920, por influência de Hans Kelsen, foi a primeira do mundo a consagrar um Tribunal Constitucional, no que foi seguida pela Constituição da Espanha de 1931.”

Hirch, Cappelletti, Milano, Miranda, Favoreu e Jocowicz (1979, 1968, 1986 apud CANOTILHO, 1993, p. 965, grifo do autor)

à idéia de um controlo concentrado está ligado o nome de HANS KELSEN, que o concebeu para ser consagrado na constituição austríaca de 1920 (posteriormente aperfeiçoado na reforma de 1929). A concepção kelseniana diverge substancialmente da judicial review americana: o controlo constitucional não é propriamente uma fiscalização judicial, mas uma função constitucional autónoma

que tendencialmente se pode caracterizar como função de legislação negativa. No

juízo acerca da compatibilidade ou incompatibilidade (Vereinbarkeit) de uma lei ou norma com a constituição não se discutiria qualquer concreto (reservado à apreciação do tribunal a quo) nem se desenvolveria uma actividade judicial.

De acordo com Barroso (2004, p. 46-47), além das convicções doutrinárias de Hans Kelsen que foram implantadas no controle concentrado, exercido por cortes constitucionais, existem outras duas razões fático-jurídicas que induziram ao desenvolvimento deste modelo alternativo nos países continentais europeus, são elas: a inexistência de stare

decisis7em seus sistemas judiciais e a existência de magistratura de carreira para a composição

dos tribunais.

Nos países que seguem a tradição do common law8, em contraposição aos que se

filiam ao instituto romano-germânico, a figura da stare decisis subsiste. A referida expressão aponta para o fato de que os julgados de um tribunal superior vinculam-se a todos os órgãos judiciais inferiores no âmbito da mesma jurisdição, ou seja, a decisão proferida pela Suprema Corte é obrigatória para todos os juízes, bem como tribunais. Assim, a declaração de inconstitucionalidade em um caso concreto traz como consequência a não concretização daquela lei à outra situação, pois todos os tribunais estarão subordinados à tese jurídica fixada. Deste modo, a decisão, não impede referir-se a um litígio específico, ela produz efeitos gerais, em face de todos (erga omnes).

Porém, esta regra não era a vigente nos sistemas judiciais europeus e foi através deste fato que surgiu um órgão específico: o Tribunal Constitucional, que iria desempenhar a função acima mencionada. Na perspectiva dos juristas e legisladores europeus, o juízo de constitucionalidade sobre uma lei não tinha natureza de função judicial, pois o juiz constitucional operava como legislador negativo pelo fato de ter o poder de retirar uma norma do sistema. Mediante a tal fato nasceu a segunda razão para se criar o tribunal constitucional:

7 Segundo Wady (2009), “a doutrina do stare decisis tem sua origem no direito inglês, decorrente da expressão latina stare decisis et non quieta movere [...] o stare decisis é a obrigatoriedade de cumprimento das decisões proferidas em sede de controle de constitucionalidade abstrato, já que possuem efeito vinculante (binding effect), tanto em relação ao próprio órgão prolator da sentença (efeito horizontal) quanto aos demais órgãos do Poder Judiciário e Administração Pública (efeito vertical).”

8Conforme Souza (2011), “entende-se por common law (ao pé da letra, direito comum ou lei comum, sendo mais acertado o uso no masculino, por ser a referência mais ao direito do que à lei) o direito fundado em usos, costumes e em princípios interpretados pelos tribunais, ou seja, um sistema, em essência, de lei não escrita ou não estatuída (the unwritten or non statute law). É, como se sabe, o sistema jurídico, dir-se-ia, anglo-saxão, posto que adotado tradicionalmente nos países anglófonos, destacando-se, entre os mais expressivos (registre-se o óbvio), a Grã-Bretanha e os Estados Unidos.”

ele deveria ser composto por pessoas com o perfil mais próximo ao de homens de Estado, e não por juízes de carreira.

De acordo com Lenza (2009, p. 190), “o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo recebe tal denominação pelo fato de ‘concentrar- se’ em único tribunal.”

Para Barroso (2004, p. 46, grifo do autor), “no sistema concentrado, o controle de constitucionalidade é exercido por um único órgão ou por um número limitado de órgãos criados especificamente para esse fim ou tendo nessa atividade sua função principal.”

Alexandrino e Paulo (2008, p. 749-750) afirmam que a procura no controle de constitucionalidade concentrado não é a garantia de direitos subjetivos, liberar alguém de cumprir uma lei inconstitucional, mas retirar esta, bem como ato inconstitucional do sistema jurídico.

Conforme ainda leciona os mencionados doutrinadores (2008, p. 749), o controle concentrado foi introduzido no direito brasileiro pela emenda de n ° 16 do ano de 1965. Este controle é de competência originária do Supremo Tribunal Federal, no que tange ao conferir as leis diante da Constituição Federal, bem como também é competência do Tribunal de Justiça de cada Estado, quando ocorrer um confronto entre leis locais e a Constituição estadual.