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O dia 24/11, quarta-feira, foi o primeiro dia do Festival aberto ao público em geral Na tevê,

Capítulo III – O cinema brasiliense nos dias de hoje

quarta 24 O dia 24/11, quarta-feira, foi o primeiro dia do Festival aberto ao público em geral Na tevê,

foi anunciado que a bilheteria do Cine Brasília começaria a vender os ingressos para as exibições de 20h30 e 23h30, às15h30. Quando cheguei, pouco mais de 16h, já havia uma fila na bilheteria, formada – na sua maior parte – por jovens na faixa de seus vinte anos. Com pouco tempo na fila, já pude ver um papel afixado na bilheteria, informando que os ingressos para a primeira sessão já estavam esgotados. Uma jovem comentou: “_ Este festival está cada vez mais burocratizado, cada vez menos para a gente da cidade e cada vez mais para gringo ver”. A saída para assistir a primeira sessão, a qual haveria de terminar antes da meia-noite, foi comprar o ingresso com o cambista. Soube na bilheteria que dois terços dos lugares do cinema (que tem seiscentas cadeiras), naquela noite, estavam reservados para os convidados. À noite, nova fila na hora de entrar no cinema. Os que entravam procuravam logo se sentar, e muitos guardavam lugares para outros com seus pertences e/ou suas pernas. Às 20h40, só se via o público. Cinema lotado com pessoas sentadas no chão. Eu e uma senhora, da cadeira ao lado, começamos a conversar. Disse-me que era paraibana e ex-funcionária da CAPES; atualmente, prestava assessoria a mais ou menos seiscentos estudantes de Cabo Verde, na embaixada do país. “_ Nós, aqui em Brasília, estamos tendo este estímulo do

cinema. [...] Como a embaixada não é das mais ricas, fazemos de tudo um pouco. [...] Acho interessante esta sistemática de levar o cinema para o povo” – foram algumas de suas falas. Achei-a muito simpática e aberta a conversar, o que fez com que eu me perguntasse a respeito de quais seriam os elementos agregativos próprios da sala de cinema. Vaias da platéia foram ouvidas quando um canhão de luz iluminou uma faixa na lateral do palco, na qual estava escrito “Secretaria de Cultura do GDF” – o órgão responsável pela organização do Festival. O espetáculo não começava, e alguns começaram a bater palmas. O casal de apresentadores subiu ao palco para anunciar o que seria visto naquela noite, as atividades do dia seguinte no Festival, e chamar o diretor de cada filme daquela sessão a apresentar seu filme. Chamaram ao palco o diretor do primeiro filme a ser exibido, depois, o segundo, e por fim o terceiro. Esta seria a sistemática antes de quase todas as sessões no cinema durante o 37° FBCB, compostas de três ou mais filmes109

. Ela esteve ausente na sessão das 23h30 e no Festivalzinho.

Este momento de apresentação do filme pelo diretor e, muitas vezes, por demais membros de sua equipe, é vivido como um momento de muita emoção, tanto por estes que estão no palco, quanto pelo público. Em tais momentos, vi diretores subirem sozinhos ao palco, acompanhados de uns poucos, e acompanhados do que parecia ser a equipe toda do filme. Os diretores eram unânimes em declarar a satisfação de verem seu filme ser exibido no Festival de Brasília. Quando subiam ao palco acompanhados por membros da equipe, eles não costumavam ser os únicos falantes; na verdade, por vezes não eram nem os mais falantes. Foi o que vi, por exemplo, na apresentação do documentário “500 Almas”, de Joel Pizzini, que aborda a cultura da etnia indígena Guató. A missionária Ada Gambarotto, que é personagem do filme e é apresentada - na sinopse deste - como sendo a responsável por descobrir que os guatós não estavam extintos, falou longamente sobre sua pesquisa sobre eles. O que, creio, certamente agradou algum estudioso de etnologia indígena que estivesse no público, ou simpatizante da cultura indígena, como eu. Da parte do público, parecia haver curiosidade por conhecer aqueles que fizeram o filme. Na entrevista que fiz com Gilda, a fim de registrar suas impressões sobre o 37° FBCB (no qual ela também esteve presente), ela demonstrou, assim, seu interesse por ver a equipe do filme: “_ O filme reprisava no dia seguinte em algum outro lugar, mas já não era a mesma coisa. Você não tinha a equipe toda se apresentando. Aqui que era a coisa viva, aqui era o documento, o documentário era aqui no Cine Brasília” (ver Anexo I). As palmas ao final das falas dos membros da equipe eram a manifestação do público para com estes. Observei ainda uma interação em um outro momento: a das palmas fora do lugar esperado. Por vezes, os que estavam no palco eram aplaudidos durante as suas falas. A meu ver, alguns do público estavam manifestando imediatamente sua aprovação ao trecho ouvido, sem

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esperar o término da fala como um todo para aplaudirem. Estes aplausos “fora do final” estiveram presentes também em momentos da exibição de alguns filmes. De repente, estávamos aplaudindo, durante o filme, uma realidade que este retratava, realidade esta que mostrou ter de ser aclamada de imediato. Penso que esses momentos – no caso dos filmes, em específico - foram fantásticos, porque mostraram como a emoção das pessoas foi tocada, e elas deixaram que esta emoção se manifestasse ali, quando ainda assistiam ao filme. Não sei se não conseguiram conter sua emoção, ou se estavam só esperando a hora de se manifestarem, ou se a hora de se manifestarem, para elas, seria aquela na qual não conseguiriam conter sua emoção. Sei que não se mostraram espectadores passivos e que demonstraram publicamente o elogio.

Na defesa de projeto desta tese, a professora Dácia Ibiapina disse que o cineasta André Luís da Cunha - cineasta de Brasília que fez Jornalismo e Cinema na UnB -, ao apresentar seu filme, em um dos Festivais de Brasília do Cinema Brasileiro, disse: “_ Eu decidi fazer um filme aí, sentado nessa cadeira. Olhando as pessoas subindo aqui, com outras, para exibir seu filme”. Como já disse, é possível perceber que os que apresentam o filme vivem este momento da apresentação como algo muito significativo. E para o público, ele também o é. O cineasta André Luís da Cunha o apresentou como um momento propulsor. Para Gilda, expectadora do 37° FBCB, naquele momento, o diretor do filme estava se sentindo tal qual “um Glauber Rocha, um Vladimir Carvalho”, ao mesmo tempo em que o filme, por ele apresentado, era um produto de sua autoria com uma capacidade de exposição muito maior do que um livro, uma matéria de revista ou uma tese de doutorado. Um filme seria, a seu ver, uma forma de dizer “eu existo”, com um alcance muito mais ampliado (ver Anexo I).

Realizou-se no Centro Cultural Branco do Brasil, de Brasília, de 05 a 10 de abril de 2005, a mostra O Novo Cinema Brasiliense, na qual exibiram-se curtas-metragens dos anos de 2000 a 2004, realizados no DF. Assisti ao Programa 7 da mostra, no dia 09 de abril, sábado, às17h. A sala de cinema do CCBB tem 74 lugares. Surpreendi-me ao ver, nesta pequena sala, uma prática que eu havia presenciado, pela última vez, no Cine Brasília. Seis curtas metragens foram exibidos neste Programa, e antes de três deles - “Afeto”, “O Cego Estrangeiro” e “Metamorfose” – cada um de seus cineastas apresentou seu filme. Foram, respectivamente: Dirceu Lustosa, Marcius Barbieri e Ana Cristina Costa e Silva. Dirceu Lustosa explicou o porquê de seu filme ter concorrido, na Mostra Competitiva 16mm do 34° FBCB, como uma realização de Goiás, dirigida por Márcio Ferraz. Como se pode ver no catálogo deste Festival, é assim que o filme aparece; o nome de Dirceu Lustosa está ausente. Eu não me recordo mais a razão dada pelo cineasta para tais modificações, mas esta está bem clara em Cineastas de Brasília: ele utilizou um pseudônimo a fim de não deixar claro que concorria com diretores para os quais trabalhou como editor de imagens em seus filmes –

os quais também concorreram no 34° FBCB (Entrevista concedida a SÁ, 2003: 213). Marcius Barbieri dedicou a exibição de seu filme ao professor de cinema e cineasta Lyonel Lucini. Uma pequena biografia do cineasta Lyonel Lucini aparece na coluna Obituário, do jornal Correio Braziliense de 02 de abril de 2005110. O cineasta argentino, radicado no Brasil, que foi também professor de comunicação da UnB, faleceu de câncer, no dia anterior, aos 63 anos. Dedicando a exibição de seu filme a ele, mas sem mencionar seu falecimento, Marcius Barbieri prestou sua homenagem ao mestre. Ana Cristina Costa e Silva escolheu falar da emoção que foi, para ela, realizar um filme com Rosinha, atleta ganhadora de medalhas em modalidades esportivas das pára- olímpiadas internacionais. De fato, o filme toca pela emoção de ver quão capaz foi Rosinha de descobrir sua força interior para vir a ser uma atleta, após tornar-se paraplégica em razão de um atropelamento. Nós do público presenciávamos essas apresentações, características de exibições de festivais de cinema – como as do FBCB. Tais apresentações estariam inscritas naquela lógica mencionada por Gilda: a de ser este o momento do cineasta dizer “eu existo”?

Suponho que este procedimento dos cineastas, de apresentarem seus filmes, tenha estado presente nos demais programas da mostra. Não é um procedimento usual para mostras; já fui em várias e posso dizer que minha surpresa diante destas apresentações adveio, também, do caráter de novidade que elas tiveram para mim. Procurando encontrar razões para o porquê de os cineastas estarem de acordo quanto a apresentar seus filmes (tal como se faz nos festivais de cinema) num evento com uma dimensão menor, veio-me à mente uma fala do cineasta Walter Lima Jr., em uma entrevista que realizei com ele em 1999:

O cinema é uma arte extremamente perigosa, porque através da câmera você pode recriar o mundo, você bota uma câmera aqui e diz que os limites do mundo estão aqui, aqui, aqui e aqui. As pessoas que vão entrar, vão dizer aquilo que você quer que elas digam, e assim por diante, você é onipotente em relação àquilo. Aquilo lhe dá uma sensação de poder e de controle absoluto de uma realidade dada, que você acredita que se você tiver um projeto para transformar o mundo, para passar um discurso novo para as pessoas, aquilo... Através daquele meio, o sentimento de onipotência, de poder para transmitir aquilo é enorme e satisfaz o teu ego (Entrevista concedida a MOTA, 2005: 146).

Walter Lima Júnior fala do cinema como instrumento de poder. Exibir um filme em uma sala de cinema é introjetar uma visão de mundo nos espectadores. A introjeção, na psicanálise, é o “Mecanismo psicológico, pelo qual um indivíduo, inconscientemente, incorpora e passa a considerar como seus objetos, características alheias e valores de outrem” (FERREIRA, 1975: 779). Assim, dominar a realidade através do enquadramento da câmera e fazer - desta realidade

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Na coluna, fala-se da dedicação de Lucini a projetos como o Cinema na praça, realizados nas cidades-satélites de Santa Maria, Recanto das Emas e Gama, e de suas participações na Associação Brasileira de Documentaristas e no Centro de Estudos Cineclubistas de Brasília – o qual ajudou a fundar (Correio Braziliense, 02/04/05).

enquadrada – a realidade considerada verdadeira, para aqueles que a assistem, é algo que agrada ao cineasta.

Fiquei pensando que foi uma grande oportunidade ter visto alguns cineastas do cinema brasiliense apresentando seus filmes tão próximos de nós, ali à frente das cadeiras da sala de cinema. No Festival de Brasília, os cineastas e outros ficam bem mais distantes ao fazerem tal apresentação: em cima de um grande palco de um cinema com 600 cadeiras. E, durante o Festival, as cadeiras mais próximas do palco são reservadas aos convidados do FBCB. Acredito que este sentimento de poder – do qual fala o cineasta fluminense Walter Lima Júnior – possa, em alguma medida, ser sentido por estes que apresentam seus filmes. É uma hipótese que levanto para explicar esta opção por viver o que parece ser um momento fascinante. No caso dos que fazem esta apresentação na mostra – evento no qual esta figura como algo incomum -, fica claro que não há nenhum problema, por parte dos cineastas, em exporem a si mesmos. Quem sabe, apresentar o filme seja uma forma de preparar o terreno, de direcionar o olhar do espectador para aquela realidade que, com ele, o cineasta quer compartilhar. Sim, pois se não o quisesse, ele não exibiria o filme. Ele quer mostrar seu produto e quer mostrar a si como o criador deste produto, na apresentação que faz dele. A fala de Walter Lima parece revelar que todo cineasta se sente como um deus, com onipotência para criar um mundo e apresentá-lo como realidade a outros. Talvez, ao apresentar seu filme, o cineasta esteja dizendo: “_ Eu sou aquele que teve poder para criar este mundo”. Há uma fala de Dirceu Lustosa, a respeito da emoção de fazer o primeiro filme, que traz uma idéia semelhante à que apresento aqui:

A sensação é muito intensa. As pessoas não fazem nem idéia. Depois entendi porque é uma panelinha. São experiências impossíveis de transmitir se você não vivencia. Fazer um filme é uma pancada. Hoje em dia, com filme digital, as pessoas estão tomando um atalho para chegar ao resultado final. Mas ele não atravessou a mata fechada. Ele não sabe o que tem no meio da selva (Entrevista concedida a SÁ, 2003: 214).

Parece que, para este cineasta do cinema brasiliense, o ato de fazer cinema é constituinte, ele mesmo, de um mundo fechado. Walter Lima refere-se ao cinema, como uma arte perigosa, por ser seu produto, o filme, um meio de transmitir visões que serão adotadas pelo público. Cabe ressaltar que o cineasta atribui este poder aos filmes feitos segundo o que ele chama de “uma gramática específica do cinema”. Dirceu Lustosa evoca a noção de perigo ao mencionar a necessidade de atravessar a mata fechada, a selva, para fazer um filme de película. E este ato de fazer um filme é considerado por ele como uma pancada. Nesta mata ou mundo fechado, só os que já vivenciaram o perigo de fazer um filme têm a experiência do que é esta vivência única. São eles que formam esta panelinha, este grupo muito fechado, que é o dos iniciados na arte de fazer cinema.

Além dos aplausos, uma outra reação coletiva que me chamou atenção - na Mostra Competitiva exibida às 20h30, neste dia, no Cine Brasília – foi a recepção do público ao filme “Vinil Verde” (PE 2004), de Kleber Mendonça Filho (sobre o qual se escreveu na nota 88, p. 97). Enquanto eu assistia chocada a uma filha ser responsável pelo esquartejamento e posterior morte de sua mãe, o público, em geral, ria incessantemente deste acontecimento que era retratado na tela.

quinta 25 e sexta 26