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e sexta 26 Nos dias 24 e 26/11, foi necessário que eu comprasse os ingressos para a sessão das 20h

Capítulo III – O cinema brasiliense nos dias de hoje

quinta 25 e sexta 26 Nos dias 24 e 26/11, foi necessário que eu comprasse os ingressos para a sessão das 20h

com cambistas. Apesar de ter ficado longo tempo nas filas para comprar os ingressos na bilheteria do cinema, estes esgotavam antes de eu chegar até esta. Ocorria de uma pessoa comprar ingressos para outras. Inicialmente, a senhora da bilheteria – para vender as meias-entradas – não pedia que fossem apresentadas carteirinhas de estudante. Depois, ela começou a fazê-lo. Daí, alguns tinham em mãos não sei quantas carteirinhas na hora de comprarem os ingressos. Quando não tinham estas, pediam a desconhecidos da fila para emprestarem a sua, unicamente, para o momento da compra do ingresso. Os cambistas estavam integrados à cena de forma muito explícita. Alguns se situavam do lado da bilheteria e pediam para quem lá chegasse comprar também ingressos para eles; outros estavam um pouco mais afastados, perto das carrocinhas de refrigerantes e cachorro-quente, que então ocupavam o que é o estacionamento da frente do Cine Brasília, no período fora do Festival. Lembrei-me dos cambistas de alguns shows de rock que fui no Maracanã, ou no Maracananzinho, que estavam sempre afastados das bilheterias ou dos policiais que faziam a segurança do evento, manifestando também - na oferta de ingressos feita em voz baixa – sua condição de cambistas.

Nas duas entrevistas que fiz com Beatriz e Gilda, a fim de registrar as impressões do Festival, elas manifestaram um desagrado com relação às filas. Beatriz, que foi pela primeira vez ao Festival, achou-o muito desorganizado. Pareceu-lhe incoerente que as pessoas que despenderam todo um esforço por adquirir seus ingressos tenham, na sessão do filme, sentado no chão. Foi o que ocorreu na sessão de sexta-feira, 26/11, às 20h30, quando nós quatro - eu, ela e um casal de amigos nosso – se sentou numa das escadas paralelas às poltronas do cinema para assistir aos filmes. Para Gilda, que mora na quadra do Cine Brasília, há uma incompatibilidade entre a importância que o país e seu público querem dar ao cinema, a importância que o Festival de Brasília quer dar ao cinema, e o Cine Brasília. Para ela, o cinema – durante o ano todo – é abandonado, seu público tem, no máximo, quinze pessoas, fora do Festival. Com este, surgem filas, e é necessário chegar às 14h30 para se comprar um ingresso – o qual é supervalorizado na mão do cambista. Não há, observou Gilda, uma mudança no espaço físico do Cine Brasília para comportar todo aquele

movimento. É exemplo disso o fato de que, durante o Festival, continua-se com uma única pessoa na bilheteria. Sua fala, a seguir, explicita bem seu ponto de vista:

Eu acho que é provável que isso vá acontecer: eu acho que o Cine Brasília vai ter de ter uma restauração, vai ter de ter uma valorização diária, por que senão... Se ele não tiver uma valorização, significa que ainda não se está realmente valorizando o cinema nacional. Então, não adianta, é uma mentira, é uma enganação, é só para inglês ver. É aquela semana do Festival, aquele oba oba, e como é que sobrevivem essas pessoas no resto... 350 dias? (Entrevista concedida à autora / Anexo I). Gilda associa uma reforma do Cine Brasília a uma real valorização do cinema brasileiro. Esta reforma inclui tanto uma remodelação do espaço físico do cinema, quanto de sua programação, a fim de que esta tenha um público numericamente significativo. A ausência desta reforma significa uma farsa na qual se quer fazer parecer que o cinema brasileiro tem valor e deve ser prestigiado. Caso esta reforma não venha, diz Gilda, o Festival se torna algo “para inglês ver” – a mesma expressão utilizada por uma jovem da fila para caracterizar o 37° FBCB. É interessante também a pergunta de Gilda, acerca da sobrevivência do público do Festival, findo este. Sua opinião é a de que a programação do Cine Brasília, no restante do ano, não permite a este público existir. Lembro- me, com sua visão, de alguns versos da canção “Comida”, de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. Gilda falou, de modo semelhante a estes, de uma sobrevivência cultural necessária às pessoas que consideram o consumo de produtos culturais imprescindível à sua vida. E ela é, sem dúvida, uma destas.

Estabeleci, depois, uma associação entre a relação que Gilda faz do espaço físico do Cine Brasília com o evento de importância que ele sedia e uma experiência que tive ao ir assistir a um show com um nome de suma importância no Clube do Choro de Brasília. Gilson Peranzetta, maestro, compositor, pianista e arranjador, integrou o projeto “O Brasil Brasileiro de Ary Barroso”, na casa de shows. Como arranjador, compositor e intérprete, Peranzetta ganhou o troféu Brahma em 1988 e 1989 e venceu três vezes o Prêmio Sharp de Música. Alguns músicos - que o acompanharam neste tributo a Ary Barroso - tocaram com o maestro em apresentações nos Estados Unidos, Europa, Japão e Alemanha. Seu show no Clube do Choro, em 04 de novembro de 2005, teve também a participação do renomado saxofonista e flautista Mauro Senise111. Como visto, os músicos tinham celebridade comprovada. Contudo, o espaço físico do Clube do Choro (ao qual eu fui pela primeira vez) estava muito aquém do espaço de alguns restaurantes da cidade112. Por estar em meio a um local ao qual se tinha acesso quando deixávamos o asfalto e seguíamos em uma estrada de terra, foi

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PERANZZETTA. In: www.jbonline.terra.com.br.

112 Refiro-me a restaurantes de Brasília, como parâmetro para a comparação, porque o Clube do Choro é, basicamente, um palco que tem mesas com cadeiras à frente, da onde o público assiste aos músicos e é servido pelos garçons.

necessário perguntar a um senhor, que esperava no ponto de ônibus, onde era o Clube, a fim de não errar novamente a entrada.

Certamente, tratava-se de um descompasso; o mesmo referido por Gilda na relação FBCB/Cine Brasília. Considerando estes dois exemplos, é plausível perguntar: será que o cinema e a música brasileira estão sendo de fato valorizados, quando são apresentados em espaços cujas infra-estruturas impõem limites para tais apresentações?113

Ainda que as filas para a compra de ingressos do Festival de Brasília tenham sido interpretadas como desorganização do FBCB - e, por conseguinte, como indicativo de que o cinema brasileiro não estava sendo ali, de fato, valorizado -, elas foram vistas, também, como propiciadoras de uma interação. Gilda considerou que o cinema é um dos pontos de encontro de Brasília. A seu ver, a experiência dos que participaram do Festival, unicamente, como espectadores, foi tão intensa quanto a daqueles que estavam lá apresentando seus filmes. E isso foi expresso nos encontros que ela vivenciou nas filas. No Festival, ela reconheceu vários tipos de pessoas – variedade esta que viu como característica do Brasil. No grupo formado por ela e outros, que ficou junto nas filas umas duas ou três vezes, cada um contou um pouco de si, de sua vida. Foram histórias que, para Gilda, trouxeram-lhe um enriquecimento (ver Anexo I). De fato, eu conheci algumas dessas pessoas mencionadas por Gilda e pude ver a rápida interação que também eu estabeleci com elas fora da fila. Este caráter agregativo do Festival foi vivenciado por nós em grupo, ou individualmente – como no caso daquela conversa que tive com aquela senhora que assessorava estudantes de Cabo Verde.

Na entrevista com Beatriz, ela observou - com base na sessão da Mostra Competitiva que assistiu no dia 25, às 20h30, no Cine Brasília - um certo amadorismo no Festival, presente no momento das apresentações no palco. Mencionou alguém que, em sua apresentação, agradeceu às mesmas pessoas mais de uma vez. Era o cineasta Bernardo Bernardes, apresentando seu documentário “Viva Cassiano!” (DF 2004), um média-metragem sobre o poeta Cassiano Nunes114.

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Contudo, não se pode dizer que a opinião de Gilda com relação ao Cine Brasília é unânime. No depoimento para esta tese do cineasta Renato Cunha (que também integra o público do Festival e do Cine Brasília no restante do ano), vê-se uma opinião contrária à de Gilda, com relação ao cinema. É o que mostra o seguinte trecho da entrevista: “o Festival de Brasília é passado no Cine Brasília, que para mim é um templo do cinema – sei lá, pode ser até – brasileiro. Porque é difícil ter uma sala desse tamanho, a sala está muito bem estruturada de som, de projetor, foi reformada. Eu acho que é um lugar agradável, confortável, as cadeiras são confortáveis, não precisa ser um multiplex para ser confortável. O Cine Brasília é confortável dentro da sua estrutura, e eu acho que ele tem que ser preservado daquela forma mesmo, com aquele tipo de cadeira” (ver Anexo I). O conteúdo de sua fala é muito semelhante ao conteúdo da fala do senhor Fernando Adolfo, acerca do mesmo cinema.

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Reproduzo aqui a transcrição que fiz da apresentação de Bernardo Bernardes. Estão entremeadas a esta, entre parênteses e em itálico, uma observação sobre o cineasta e as reações mais gerais do público à sua fala. Ele disse: “_ Cada filme tem um tamanho, tem uma duração. Então, eu gostaria de dar os meus parabéns por este acolhimento e esta recepção também aos filmes de média metragem. (Palmas. O diretor tira do bolso um papel para orientar sua fala) Bom, o filme de hoje, basicamente, é sobre um grande ser humano que se dedicou a um ideal: a paixão pela literatura. Cassiano Nunes, defensor e entusiasta de Brasília, inúmeras palestras e conferências literárias no Brasil e no exterior,

Para Beatriz, sua longa apresentação revelou uma falta de orientação, por parte da organização do Festival, sobre o tempo que cada um que apresenta o filme tem para falar. Ela observou também que o casal de apresentadores do Festival cometia erros ao pronunciar alguns nomes, ou informava assim o horário de algo: “_ Dezoito e trinta horas”. Eu vi a reação indignada de um homem que, logo após ser anunciado, gritou de sua poltrona - para o referido casal - a pronúncia correta de seu nome.

Na manhã de 29 de novembro, no debate com as equipes dos filmes da Mostra Brasília, realizado no Kubitschek Plaza Hotel, a atriz Françoise Forton - da equipe de “Araguaya – A Conspiração do Silêncio” (2003), um dos filmes da mostra - comentou: “Gramado tem todo um ritual, é uma competição muito grande, são mais de duas mil pessoas. Eu que já sou veterana, sei que a platéia gosta de ser seduzida, de ver os atores serem simpáticos”115. Este destaque do ritual no Festival de Gramado parece estar contraposto à ausência de um cerimonial organizado no Festival de Brasília. Talvez, a ausência de um cerimonial organizado esteja indicada no tempo utilizado ao bel prazer dos que subiam ao palco para fazerem a apresentação do filme (lembro de um senhor que chegou a ser vaiado pelo público, porque não concluía sua fala, e respondeu agressivamente a este) e nos equívocos dos apresentadores – ambos mencionados por Beatriz.

Para compreender a descrição que fez do Festival (apresentada mais acima), Beatriz a inseriu dentro de uma visão sua de Brasília. E, para explicitar esta visão, ela comparou a cidade com a cidade do Rio de Janeiro e a de São Paulo:

Isso também tem o seu lado assim, que eu acho que tem a ver com Brasília. [...] A gente aqui respira um pouco esse ar de... Meio de terra de ninguém, meio de fim do mundo. Tem, ainda tem um pouco

em defesa da literatura brasileira. Formou gerações e gerações de pessoas na Universidade de Brasília, e é uma pessoa extremamente autêntica por ter seguido o seu coração. Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, ao Cassiano (Muitas

palmas), por ter sido extremamente generoso com a gente, sempre muito receptivo, sempre muito acolhedor, sempre

muito amoroso com todo mundo. Gostaria de agradecer à equipe (Palmas) e todos que estão aqui presentes. Todos que estão aqui contribuíram bastante para a realização do filme. E gostaria de agradecer também aos meus pais, que foram as primeiras pessoas a acreditarem neste projeto e me apoiar, quando o projeto não tinha apoio nenhum. Então, eu gostaria de agradecer o apoio inicial deles (Palmas, assovios, a fala “Valeu, mamãe!), e também à minha companheira Isoldi Luíza, que também tem sido fundamental para a realização deste trabalho. (Palmas) Gostaria de agradecer também ao patrocinador oficial do filme, que é a BR Petrobrás e aos nossos principais colaboradores: a Objetiva Imóveis, o Pólo de Cinema e Vídeo Grande Otelo do Distrito Federal, a Quanta Brasília, a TV Mais, a Cor Filmes e a Thor Filmes. E com relação ao apoio muito importante na finalização do filme, também gostaria de agradecer a Laborcine, a Link Digital e a VTI. E queria fazer um convite para vocês, sábado e domingo à tarde, assistirem, prestigiarem os filmes de Brasília. (Palmas e ovações) Este ano tem muitas produções de altíssimo nível. Então, vamos lá. E gostaria de dedicar a projeção de hoje a quatro pessoas: ao Cassiano – naturalmente (Palmas) -, ao meu pai, a minha mãe e a minha companheira Isoldi Luíza (Palmas). Muito obrigado. E viva Cassiano!” (Palmas).

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Em matéria de sua autoria para o Jornal do Brasil, Pola Vartuck escreve que o X FBCB, ocorrido em 1977, foi a primeira edição do Festival de Brasília a ser melhor que o Festival de Gramado. Contudo, ela faz uma ressalva com relação a esta situação alcançada neste ano: “Brasília, porém, ainda tem muito a aprender com Gramado: seja em termos de constituição de júri, seja em termos de organização de festa de encerramento. A desorganização que imperou na cerimônia de domingo último [...] foi indigna de um festival da importância do de Brasília” (VARTUCK, O Estado de

S. Paulo, 05/08/77). Como a atriz Françoise Forton, Póla Vartuck - em 1977 - compara o FBCB ao Festival de Gramado

disso, aqui. Essa coisa de uma coisa que surgiu do nada. Ainda tem muito amadorismo aqui nas coisas. Eu acho isso um aspecto interessante. Te dá uma margem de liberdade. Lá no Rio, eu acho que a gente... No Rio, São Paulo, essas capitais aí que já têm uma história, têm uma tradição. Você já ia subir lá com aquele peso todo. Achei que as pessoas ainda se sentem meio assim... Meio soltas assim, para fazer as coisas de um jeito mais livre (Entrevista concedida à autora / Anexo I).

Beatriz e Gilda, às quais entrevistei a fim de conhecer a visão que tiveram do 37° FBCB, são cariocas e cresceram - em épocas distintas - na zona sul do Rio de Janeiro. Beatriz veio para Brasília em 2002, e Gilda já vive aqui há mais de dez anos. Em suas entrevistas, Rio e São Paulo são cidades tomadas por elas como referências para tratar Brasília. Beatriz, em sua fala, privilegia o Rio, ao passo que Gilda discorre bem sobre São Paulo, onde também viveu. É comum este movimento de considerar a relevância que as manifestações artístico-culturais tem nessas duas cidades - que são reconhecidas como as que têm a maior oferta de instituições e produtos culturais - a fim de compreender o espaço que tais manifestações ocupam hoje em Brasília. Eu, que cresci também na zona sul carioca, me pego fazendo isso com freqüência. Às vezes, em tal movimento comparativo, dados estatísticos são levados em conta. Henrique Fróes, ao escrever uma matéria sobre a avidez por consumir cultura, a qual ele apresenta como sendo notória em Brasília, mostra por índices percentuais que o público do Centro Cultural Banco do Brasil, de Brasília, tem perfil semelhante ao do público do CCBB do Rio e de São Paulo (FRÓES, Correio Braziliense, 16/01/05)116.

Para Beatriz, em Brasília, está a ausência de uma tradição, em oposição a uma tradição existente no Rio e em São Paulo. Em compensação, esta ausência propicia uma liberdade, uma naturalidade, presente nesta realidade das apresentações no palco do Festival. Desorganização e espontaneidade são fatores entrelaçados em sua visão do 37° FBCB. Já nos palcos das duas grandes metrópoles brasileiras, apresentações desse tipo teriam a marca da afetação. Gilda, ao contrário, acredita que a “cultura” em Brasília – com museus, cinema, teatro, orquestra - não é inferior à “cultura” existente no Rio e em São Paulo, nem em termos quantitativos, nem em termos

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Fernando Oliveira Fonseca é o organizador do livro Beirute, Final de Século. Neste, são reunidos escritos e ilustrações sobre o bar Beirute, que fica na 109 Sul, em Brasília. Para realizar sua empreitada, procurou trabalhos que tivessem bares, restaurantes, como tema principal. Encontrou um sobre o Antonio’s, bar do bairro do Leblon, no Rio de Janeiro; outro sobre o Spazio Pirandello, um restaurante de São Paulo; e outro em andamento sobre o Savoy, um bar de Recife (a “Veneza Brasileira” [aspas do autor], como ele também se refere à capital de Pernambuco) que, então, completaria meia década. Fonseca marca a relação destas três cidades com seus respectivos bares como sendo distinta daquela de Brasília com o Beirute. Novamente, vemos a referência a Rio e São Paulo – e a Recife, amplamente reconhecida como uma “capital cultural” – para tratar, através de uma perspectiva comparativa, uma realidade cultural de Brasília: a do bar Beirute enquanto espaço de uma particular sociabilidade urbana. Ele escreve: “A experiência de Brasília tem certa singularidade. O ‘Spazio Pirandello’, o ‘Antonio’s’ e o ‘Savoy’ são bares de cidades centenárias. Brasília, com 34 anos, tem um bar que, por pouco, não é seu irmão gêmeo (o Beirute tem 28 anos). A relação é diferente. Se, nos outros, a história e a cultura quatrocentona de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife se impõe e condiciona os lugares, aqui as coisas aconteceram ao mesmo tempo, e, portanto, o Beirute é o microcosmo, a maquete viva, experimental e contestatória da maquete Brasília pranchetesca. Creio que esta é a magia do Beirute: sua relação contemporânea e dialética com a cidade” (FONSECA, 1994: 20).

qualitativos. Considerando o número de habitantes de Brasília e o número de cada uma dessas duas outras cidades, ela afirma que Brasília tem, proporcionalmente, tanta “cultura”, ou mais, quanto Rio e São Paulo. Os problemas do 37° FBCB estão, a seu ver, relacionados à forma como o Festival é concebido; eles não são filhos de Brasília. Ao que parece, poderiam ser resolvidos se o Festival ocorresse não no Cine Brasília, mas em salas de cinema da cidade mais apropriadas à realização do evento (ver Anexo I).

O senhor Fernando Adolfo, coordenador geral do Festival de Brasília, em sua entrevista, não contextualiza o cinema brasiliense – do qual faz parte o Festival de Brasília - em um quadro que caracterize Brasília, ou o Distrito Federal, em suas manifestações artístico-culturais. Para ele, o Cine Brasília é o cinema ideal para a primeira exibição da Mostra Competitiva 35mm do Festival (com sessões às 20h30 e 23h30), em razão da alta tecnologia que este abriga. A seu ver, o Cine Brasília e qualquer outro cinema nunca darão conta de atender a todo o público que aflui para o grande evento que é o FBCB. As reprises da Mostra - no Pier 21, no CCBB e no Sesi de Taguatinga - são a alternativa, diz ele, para os que não conseguiram assistir a mesma no Cine Brasília. O fato de as pessoas acabarem por ter de sentar no chão é visto como algo normal:

Isso é uma coisa que acontece em todos os festivais, pelo menos no Brasil inteiro. [...] É uma tradição do Festival, ele lota. Se você botar o Festival para só vender as seiscentas poltronas, você vai criar um clima lá fora. E deixa de ser um clima de Festival, passar a ser um público, assistindo um filme, como qualquer evento normal. E, na verdade, são filmes que estão competindo. E o calor desse público competindo é importante para o ator, para a atriz, para o diretor, para o produtor que está presente. É você restringir a seiscentas pessoas somente, seiscentos lugares, quando você na verdade coloca mil pessoas. É um desconforto... (Entrevista concedida à autora / Anexo I).

O desconforto é reconhecido pelo senhor Fernando Adolfo, mas, antes, ele é considerado necessário. É como se o desconforto, pelo que está relacionado a ele (o clima do evento, a animação resultante do ajuntamento de pessoas), estivesse incluso no ingresso do Festival. Paga-se não para obter um ingresso que lhe permita sentar numa cadeira do cinema e assistir aos filmes da programação, mas para fazer parte desta “Festa artística em que se apresentam várias obras em competição” – definição do Novo Dicionário Aurélio para “festival” (FERREIRA, 1975: 623) – e contribuir, através da própria presença, para a vivacidade característica do evento, na qual o desconforto é uma tradição.

De fato, posso dizer que não me recordo de ter presenciado – ao longo da minha vivência de expectadora de cinema - uma aclamação tão grande quanto a que foi dada, pelo público, na quinta-