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A compra e a venda da força de trabalho nos limites urbanos da cidade do Rio de Janeiro nas últimas décadas do Oitocentos

Os oficiais, os que ganham por “si ou por outrem” e os que se alugam ou são alugados

Como temos procurado demonstrar até aqui, no limite, o sentido da elaboração das legislações com o objetivo de normatização das relações de trabalho era aquele de trazê-las para o campo dos direitos, para ressaltar os deveres dos indivíduos abrangidos por todas as modalidades ou “esquemas” de trabalho. Se no nível do Império do Brasil seriam as comentadas leis – de locação de serviço, abolicionistas e o Código Comercial – que cumpririam esta função, no nível regional, os aparelhos jurídicos seriam as Posturas Públicas e os Decretos Municipais. Desempenhando a tarefa de regularizar as relações de trabalho locais. Reforçando o argumento da existência de diferenças culturais nas relações sociais de trabalho, pode-se afirmar que posturas e decretos relativos às diferentes regiões brasileiras foram elaborados pontualmente, de acordo com demandas específicas, sendo colocados em prática a depender das circunstâncias, e sendo atingidos por diferentes apropriações.

De modo geral, todo o conjunto de leis cumpria o objetivo de formalizar atividades laborais que tiveram suas bases em costumeiras e convencionais relações sociais. Dito de outra forma, essas leis buscavam desmontar um sistema eminentemente pessoalista, que regulava as relações de trabalho com base em costumes e convenções, e que entrava em colapso, com a tentativa das elites dirigentes de instalar o modelo de economia de mercado. Fundamentalmente, competia aos legisladores orientar ordeiramente o processo de transição entre dois sistemas de produção, adotando formas legais e regulares de organizar o trabalho livre. Ademais, havia limites para a introdução dos novos preceitos: a existência de lógicas sociais culturalmente abalizadas na experiência da escravidão e as expectativas dos grupos subalternos em relação às mudanças, os principais entre eles. Controlar e disciplinar os populares que pretendiam obter o seu quinhão de vantagem diante da transitoriedade do panorama econômico – principalmente aquelas parcelas de africanos e crioulos (escravos, libertos e livres) –,

através de leis e de decretos, parece ter sido a solução encontrada para desmontar certas lógicas e coibir expectativas.

Há ainda uma abordagem essencial a esta discussão. Não obstante o processo de regulamentação das relações de trabalho em curso em diferentes instâncias legislativas para atender às mudanças das estruturas sociais naquelas conjunturas, é fundamental ter em mente que foram as ações dos agentes históricos que deram sentido às novas formas sociais. Demonstrou-se no capítulo anterior que, no caso particular do mundo do trabalho do Rio de Janeiro urbano da segunda metade do Oitocentos, ganharam destaque aquelas práticas sociais reelaboradas na cotidiana relação de trabalho – as “experiências” com o sentido que o termo assume nas análises thompsonianas.295

Sabe-se que as práticas sociais inventadas pelo conjunto de trabalhadores já inserido naquele contexto no mercado de mão de obra – principalmente como oficiais, ganhadores e alugados – e/ou as que contaram decisivamente com as suas participações, ofereceram referência a muitas das análises históricas. Elas foram imprescindíveis à noção da conformação de uma “hinterlândia”. Constituíram a vivência daqueles trabalhadores e trabalhadoras que inventaram muitas das “nações” nos labirintos da cidade. Representaram as motivações e as atitudes do “grosso” dos populares que adensou a Corte em meados do século XIX e a transformou em uma “cidade negra”, por imprimirem-lhe significados culturais próprios. 296 Em vista disso, muito de suas trajetórias já foi contemplado pela historiografia.297

Neste capítulo, colocaremos em relevo as conexões entre tais “experiências”, de trabalhadores de diferentes condições, como às de senhores e de legisladores, e o contexto de redefinição dos termos das novas relações sociais, que consolidavam o assalariamento como algo intrínseco à relação de trabalho. Sem, no entanto, desconectar esta abordagem daquela da construção de um campo de Direito do Trabalho com a qual se vem dialogando ao longo deste capítulo. Doravante, a intenção é

295 Com base nesta perspectiva teórica, as ações e os comportamentos dos indivíduos são analisados a

partir da compreensão de que “as relações históricas são construídas num movimento constante, tecidas através de lutas, conflitos, resistências e acomodações, e cheias de ambiguidades”. Cf. Silvia Hunold Lara, “Blowin’ in the Wind: E. P. Thompson e a experiência negra no Brasil”, in Projeto História. São Paulo, n. 12, out. 1995, p. 45.

296 Faz-se referência, principalmente, a trabalhos de Sidney Chalhoub, e Juliana Barreto Farias, Carlos

Eugênio Líbano Soares e Flávio dos Santos, nos quais tais conceitos de “cidade negra” e “nações” em termos étnicos e africano são desenvolvidos. Conceitos estes operados como aporte para a construção do primeiro capítulo desta tese. Ver, respectivamente, Visões de liberdade, op. cit.; e No labirinto das

nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro. Arquivo Nacional, 2005.

297

Ver Marilene Nogueira da Silva, Negros na Rua. A nova face da escravidão. São Paulo: Editora Hucitec, 1988; e Luiz Carlos Soares, O Povo de Cam na capital do Brasil.

examinar até que ponto esses processos sociais podem ser lidos no sentido de identificar se o conhecimento sobre as hierarquias construídas à época com base na especialização e na divisão do trabalho – e numa certa hegemonia do status socioprofissional – podem contribuir para melhor entendimento sobre o modo como foram produzidas as diferenças socioeconômicas, tendo em vista heranças da escravidão.

***

Enquanto construções históricas das experiências dos próprios trabalhadores, as formas sociais com as quais se dialoga nesta seção são representações que guardam especificidades do mundo do trabalho no Rio de Janeiro urbano, na segunda metade do sec. XIX. Que, como vimos, seguia o curso do desenvolvimento econômico e das transformações sociais e políticas pelas quais passava a cidade. Torna-se a ressaltar que, naquela conjuntura, a generalização do assalariamento alterava tradicionais esquemas de trabalho e lógicas econômicas.298 O ingresso no mercado de mão de obra era uma das formas de se escapar aos efeitos sociais da sujeição ou da escravidão pela participação ativa na vida econômica. Afora os que possuíam um ofício e as devidas condições para exercê-lo autonomamente, era principalmente através da oferta do aluguel da mão de obra às manufaturas, ao comércio e às residências particulares que a participação se efetivava.299 Naquelas circunstâncias, devido à falta de mão de obra, principalmente a especializada – como ressaltado no capítulo anterior – até mesmos escravos fugidos, “inculcando-se” livres, conseguiam vender a sua força de trabalho a revelia de seus senhores.

Em relação aos donos dos novos meios de produção, aqueles que já nas primeiras décadas do século XIX optaram por diversificar investindo em aberturas de

298 Para além de contribuir na mudança de atitude das classes trabalhadoras, preocupação central deste

estudo, de acordo com Eulália Maria Lahmeyer Lobo, “a generalização do assalariamento permitiu que o fluxo de renda permanecesse, pelo menos em parte, no mercado interno. Até então, o capital empregado na reposição de escravo dirigia-se para o comerciante negreiro sem que essa inversão se constituísse num acréscimo da renda interna. A população livre e assalariada contribuiu para que parte do capital investido no mercado de trabalho retornasse à unidade de consumo familiar, provocando uma maior circulação no mercado interno.” Importa aqui destacar a participação cativa neste processo de expansão do mercado interno e a venda desse tipo mão de obra para o acúmulo de capital, por si ou por outrem. Ver Lobo,

História do Rio de Janeiro, p. 156.

299 Os “bem nascidos” podiam contar com a possibilidade de ingressarem na burocracia imperial. Ser-

lhes-ia, entretanto, exigida a aprovação em um “concurso público”. Por exemplo, para o cargo de amanuense da administração provincial, a Secretaria do Governo da Província do Rio de Janeiro, em concurso aberto em 12 de fevereiro de 1872, fazia as seguintes exigências: maiores de 18 anos, terem bom procedimento, atestado de bons antecedentes expedido pelas autoridades policiais de sua freguesia, ou por um chefe de uma das repartições em que houvessem servido. Seriam também submetidos a exames de caligrafia, gramática portuguesa e aritmética. Cf. publicado no Jornal do Commercio de 10/01/1872.

oficinas ou manufaturas, ou mesmo no comércio a varejo, em muitos casos, faziam-no em detrimento à posse de escravos. Assim, ou não possuíam trabalhadores cativos, ou não os tinham em número suficiente para atender às necessidades de sua produção. Em razão disso – ou por não haver, na época, disseminadas outras formas de relações contratuais –, adotou-se a prática do aluguel de trabalhadores. O alvo inicial foram, provavelmente, aqueles sujeitos que dispunham de suas pessoas. A falta de trabalhadores livres para atender a demanda, entretanto, favoreceu a entrada dos escravos nesse tipo de relação de mercado.300

Notadamente, novos esquemas de trabalho urbano se conformavam de acordo com específicas noções que refletiam a complexidade da estruturação da conjuntura. Hierarquias ocupacionais eram reconstruídas, contudo, sem romper definitivamente com as amarras das costumeiras convenções, ainda que novos protocolos sociais e jurídicos fossem criados ou adaptados para significar a “nova ordem das coisas”. Podem-se perceber vestígios que deram sentidos a estes deslocamentos, por exemplo, naquela narrativa que envolveu a preta forra Maria Quitéria de Jesus. Vimos que, de acordo com os comentários do senhor Joaquim Manoel de Sá, o advogado de defesa de João Augusto Diniz a prática de pagar pelas atividades exercidas por mão de obra especializada era parte dos costumes e das convenções reconhecidos como legítimos. Mas o narrado naquele processo diz mais sobre as relações de trabalho naquelas circunstâncias. Por exemplo: aos que possuíam alguma habilidade manual era reservado um especial lugar na hierarquia do mundo do trabalho: eles eram “trabalhadores”. É o que fica evidente no que afirmou o citado senhor, e que voltamos a reproduzir. Segundo ele

O Dr. Junqueira nunca alugou criadas para o serviço interno de sua casa. (...) O Dr. Junqueira alugava trabalhadores, e trabalhadores não são criados. Não, nunca eles se consideraram como tais, e se o são, há uma grande diferença entre alugar trabalhadores e criados. Aqueles são indispensáveis à fazenda de certa proporção, tais como ferreiros, carpinteiros, pedreiros, falqueadores, que vulgarmente se denominam camaradas a quaisquer fazendeiros que os tenha a jornal, por que nenhum fazendeiro deixa de ter escravos a serviços de sua casa.301

Joaquim Manoel de Sá, naqueles anos de 1860, referia-se, certamente, ao contexto da fazenda do seu representado no município de Vassouras. Todavia, pelo que

300

De acordo com Luiz Carlos Soares, essa ausência de oferta de mão de obra livre pode também ser explicada pelo condicionamento ideológico da secular sociedade escravista. Pelo menos até a metade do século XIX, os diversos setores sociais nutriam aversão a qualquer forma de trabalho manual ou mecânico, argumenta o estudioso. Ver Soares, O “povo de Cam” na capital do Brasil, p. 149.

pode ser inferido, da leitura de anúncios nos jornais da época, desde pelo menos as primeiras décadas do Oitocentos, oficiais habilitados em um sem número de categorias socioprofissionais e outros trabalhadores – costureiras, cozinheiros, criados domésticos, comerciários etc. – comercializavam por alugar a sua mão de obra. Sobressai, na narrativa do advogado, entretanto, uma memória compartilhada do período colonial, que extrapolava os espaços rurais: o reconhecimento do especial papel social do artesão e do oficial mecânico. Daqueles que eram “morigerados”, “peritos” em sua arte.

Como se afirmou, a memória em questão remontava ao período colonial. Naquele tempo, as corporações de ofício, abolidas no Brasil com a Constituição de 1824, funcionaram oferecendo prestígio social aos mestres, oficiais e aprendizes a elas ligados. De acordo com Mônica Martins, no Rio de Janeiro,

Essas entidades exerciam especial papel em relação aos mecanismos de acesso ao trabalho e exercício da vida profissional na cidade, preservando os interesses próprios de cada grupo profissional por ela defendido, reservando ainda os empregos e as atividades disponíveis para seus afiliados.302

Sabe-se que, não obstante o monopolismo e o protecionismo praticado pelos mestres e oficiais, esses tipos de associações foram – ao seu tempo – responsáveis pelo processo pedagógico dos aprendizes. Carpinteiros, sapateiros, marceneiros, pedreiros, tanoeiros etc., eram submetidos a exames para garantir seu ingresso e pertença a um ofício. Recebiam carta de exame expedida pela Câmara, que deveria, por seu turno, ser registrada na região onde pretendessem exercer sua arte. Constituíam-se, assim, representações formais que diferenciavam esses trabalhadores.

Também o manifesto e reconhecido compromisso dos mestres e artesãos com a qualidade de seu produto colaborou com a definição do papel social e valorização dos oficiais.303 Pretos e pardos, cativos ou forros, caso dominassem um ofício, ainda que em desigual situação de prestígio, podiam usufruir dessa condição; algumas irmandades lhes permitiam o ingresso. Foi o que demonstrou Beatriz Catão Cruz Santos, a partir do estudo dos compromissos das Irmandades de São Jorge e de São José, ambas

302 Ver Mônica de Souza N. Martins, “Entre a cruz e o capital: a decadência das corporações de ofícios

após a chegada da família real (1808-1824)”. Palestra Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, http://ebookbrowse.com/monica-rios-silva-pdf-d213573591. Acessado em 28 de abril de 2013.

303 Sobre o assunto ver, ainda,Mônica de Souza Nunes Martins, Entre a Cruz e o Capital: as corporações

de ofícios após a chegada da família real (1808-1824). Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2008; e

Marcelo Marccord, Andaimes, Casacas, Tijolos e Livros: uma associação de artífices no Recife, 1836-

estabelecidas à época da pesquisa no Rio de Janeiro.304

O reconhecimento social dos oficiais sobreviveu ao fim das Corporações de Ofícios, atravessando o século XIX. Os oficiais mecânicos mantiveram não só o prestígio – ainda que não mais tivessem a representação política garantida pelos juízes – como também o espírito associativo. Além disso, diferentes associações de caráter mutualista surgiram, com vistas a cuidar das vicissitudes dos trabalhadores especializados de diferentes categorias, permanecendo em atividade até as décadas finais do século.305

Aos oficiais que atuavam no Município Neutro, para exercer um ofício, de acordo com o estabelecido pelo título 6°, § 2°, seção 2° das Posturas Municipais de 1838, manteve-se a obrigatoriedade de obter licença da Câmara Municipal. Alem disso, o imposto municipal de profissão e indústria deveria ser devidamente recolhido à Intendência Municipal, que era também responsável pela aplicação e recebimento das multas geradas. Por exemplo, o alfaiate Wrercher, estabelecido com uma oficina de coletes, na Rua General Caldwell, número 137, na freguesia de Santana, foi autuado em nove de maio de 1894. Foi compelido a pagar uma multa de Rs 100$000 por estar funcionando sem licença. Também pagou à Intendência Municipal Rs 31$000, referentes ao imposto municipal de profissões e indústria e ainda multas por atrasos de pagamento: Rs 20$000, referentes ao atraso do imposto, e Rs 11$000, referentes ao da licença. Anos antes, no dia quatro de outubro de 1874, o serralheiro João Batista Soares foi multado em dez mil réis, por falta de licença para funcionar a sua oficina de ferreiro e serralheria, à Rua da Saúde, n. 94, Freguesia de Santa Rita. Pelo mesmo motivo e valor, Carlos Rodrigues foi também multado, no dia primeiro de agosto de 1877. Seu estabelecimento era, à época, localizado na Rua do Ouvidor, n. 1204, na Freguesia do Sacramento. 306 Para evitar semelhante constrangimento, o carpinteiro Fábio da Silva Rodrigues, desejando abrir uma pequena oficina, na Rua da Ajuda, n. 100, na freguesia

304 Ver Beatriz C. C Santos, “Irmandades, oficiais mecânicos e cidadania no Rio de Janeiro do século

XVIII”. In: Varia História, Belo Horizonte, vol. 26, n.º 43, jan/jun 2010, p.131-153.

305 Em atividade, convocando ou notificando seus associados nos periódicos fluminenses, identificamos: a

Imperial Sociedade Auxiliadora das Artes Mecânicas e Liberais beneficente, a S. B. dos Marceneiros, Carpinteiros e Artes Correlativas, a Sociedade A. dos artistas alfaiates, a Sociedade V. C. dos varejistas de secos e molhados, a Sociedade Brasileira e Protetora dos refinadores de açúcar, a Sociedade Protetora dos Barbeiros e Cabeleireiros, e a S. S. M. P. dos A. sapateiros e classes correlativas. Anota-se que a cultura associativa no Rio de Janeiro, no período final e imediatamente posterior ao marco temporal desta pesquisa, foi tema de um estudo de Cláudio H. M. Batalha. Ver, por exemplo, “Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República”, In: Batalha, Silva e Fortes (orgs.), Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas: Editora da Unicamp, 2004, pp. 95-120.

306

Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ); Infração de Postura – Freguesias diversas; notações 9.3.3 (folha 124), e 9. 2. 34.

de São José, reuniu a necessária documentação e importância em espécie, e dirigiu-se à Câmara, em 5 de abril de 1887, para requerer a respectiva licença.307

Já o sapateiro Antonio Longo, residente a Rua Frei Caneca, n. 210, 1, distrito da freguesia de Santana, não foi bem sucedido ao tentar driblar as imposições da municipalidade. O “Sr. Agente da prefeitura”Adalberto Frederico Benecke o multou, em 24 de agosto de 1900, em cem mil reis (100$000), por suposta infração do artigo 29 do dec. 658 de Janeiro de 1899. Entendeu o mesmo “Sr. Agente” que funcionava na sua moradia, publicamente, uma oficina de concerto de calçados, sem previa licença. O suposto infrator se dirigiu aos “Cidadãos Dr. Presidente e mais membros da Intendência Municipal” para a relevação da dita multa, “visto o suplicante não ter casa aberta para tal fim, mas sim trabalhar particularmente em sua residência o que, aliás, não afeta os interesses municipais, nem tão pouco [vai] de encontro à sua legislação e decretos”. Apesar do argumento do sapateiro, a requisição é indeferida porque o citado agente reafirma ter “o peticionário a rua e número constantes deste requerimento e da cópia do auto, uma oficina de concertar calçados, o que foi por mim visto”. “Não tendo licença”, explicita, “multei de acordo com o [art.] n. 29 – Decreto 65”.308

Provavelmente, a dificuldade de arcar com as despesas fiscais e as de manutenção de uma oficina, para o exercício de um ofício, somada à demanda por mão de obra habilidosa – que oportunizava o ganho de atrativa remuneração –, podem ter favorecido a entrada de mestres e oficiais na relação de trabalho de mercado, como trabalhadores avulsos e assalariados: “Precisa-se sempre de bons operários de qualquer ofício para fábrica de carros e bondes de Rohe & irmãos, à rua do Conde d’Eu, 132.” 309

Este era o tipo de anúncio que recorrentemente preenchia as páginas dos periódicos nas seções para este fim. Ou ainda:

Fundidor e forneiro:

Para as oficinas de Manoel Rodrigues Alves Vianna & C. na Barra do Piray, precisa-se de um com bom comportamento e habilidades necessárias para tomar conta e dirigir a fundição, também, precisa-se de um bom forneiro; quem achar-se nas mesmas condições queira dirigir-se a este lugar, que não se lhes recusarão a pagar o seu merecimento.310

O “merecimento”, possivelmente, tinha a ver com os valores e noções agregados à imagem construída de um oficial, mesmo que a possibilidade de negociar salário fizesse referência ao movimento do mercado. A leitura dos anúncios evidencia que

307 AGCRJ; Livro de Registro de Licença para indústria e profissão; notação 61. 1. 10, folhas 9. 308 AGCRJ, Infração de Posturas – Freguesias diversas; notação 9. 3. 3, folha 175.

309

Cf. anunciado no Diário de Notícias em 22/08/1872.

muitos eram aqueles dispostos a pagar o necessário por mão de obra habilidosa, e havia pouca oferta dessa mercadoria, o que contribuía para a valorização da remuneração daqueles que possuíam algum tipo de qualificação.

Precisa-se, na rua Uruguaiana n. 27, de trabalhadores e serventes. Paga-se mais do que em qualquer outra parte.

Precisa-se de bons trabalhadores de terra e pedra para a estrada de ferro da Companhia Leopoldina para a serra de São Geraldo, paga-se ordenados mensais, passagens grátis de Porto Novo em diante. Para tratar, na Rua Theophilo Ottoni n. 24.

Precisa-se de aprendizes com prática de fundição, ganhando mais do que em qualquer fábrica por seu trabalho de empreitada; na Rua do Espírito Santo n.

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