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Pelo Centro e pelas bordas da lei: esquemas e culturas do trabalho no Rio de Janeiro nas últimas décadas do Oitocentos

As Ordenações Filipinas e as percepções do “viver a bem fazer”

Enquanto os trabalhadores escravizados que acompanhamos lutavam pelo que consideravam direitos, não obstante a sua condição, trabalhadores livres demonstravam insatisfação com certos termos dos acordos de trabalho. Vivenciando os problemas de suas épocas – ao seu próprio rogo ou instruídos por seus advogados e/ou curadores –, contestaram, judicialmente, certos arranjos de trabalho firmados entre eles e seus “empregadores” (que podiam ser percebidos como senhores ou amos), ou mesmo relações firmadas pelas convenções. Viram oportunidade de legalmente mudar o rumo de suas experiências nas contingências das últimas décadas do século XIX, notadamente por atentarem para as tentativas de regulamentação das relações de trabalho da parte do governo Imperial.

Maria Quitéria de Jesus e Leonel Alves da Silva são dois dentre esses trabalhadores referidos cujas experiências e expectativas individuais iniciarão a construção dos argumentos que deram sentido às assertivas expressas acima.195 Um denso olhar sobre os particulares dramas sociais desses indivíduos, narrados em documentação judicial, possibilitará discorrer sobre conflitos concernentes às concepções das relações de trabalho, do trabalho per si e do trabalhador livre no Rio de Janeiro, a partir de seus pontos de vista, de seus litigantes, de seus advogados, e, também, refletir sobre costumes, convenções e legislações vigentes nas décadas finais do Oitocentos. O que significa que exploraremos novas dimensões de uma mesma realidade histórica.

Principiar-se-á com o caso de Maria Quitéria de Jesus.196 Moradora da cidade

195 Para tais análises serão utilizados os seguintes processos sob a guarda do Arquivo Nacional, RJ: João

Augusto Diniz, 1862. Maço 132, n.º 6521 – Supremo Tribunal de Justiça – BU; (Serviço Doméstico); e Leonel Alves da Silva, 1870. Maço 15, n.º 4108 – Tribunal do Comércio da Corte – EI; (Salário).

196 O desenrolar deste caso se deu na cidade de Vassouras, município da província do Rio de Janeiro.

Malgrado seja proposta desta tese analisar as mudanças ocorridas nos limites urbanos do Rio de Janeiro, em contato com esta documentação se decidiu incluí-la no conjunto documental, pela sua natureza e pela proximidade do drama pela trabalhadora com o tema desta tese: trata-se de uma criada doméstica reivindicando salários. Portanto, o episódio não evidenciará contradições, antes regularidade com o processo histórico analisado.

de Vassouras, a preta forra entra, no ano de 1862, em litígio com João Augusto Diniz Junqueira, de quem pretendia receber importâncias em salários que deixaram de ser pagas por anos, enquanto o serviu, como criada, e ao seu já falecido pai, o Dr. Gabriel Diniz de Junqueira. A seguir, apreciar-se-á o caso de Leonel Alves da Silva. Também por não ter recebido os devidos salários, este trabalhador livre, um caixeiro, em 1870, processou José Maria Fernandes. Este, um comerciante há época estabelecido com negócio de confeitaria e refinação de açúcar, à rua de São José nos números 66 e 67. Segundo versão do principal empregado daquele comércio, durante pelo menos 14 anos, ele teria servido como “caixeiro no dito estabelecimento, a diferentes donos e sociedades que nele sucederam consecutivamente uns aos outros”.

Os dois dramas parecem terem sido possíveis porque Maria Quitéria e Leonel experimentaram aquela conjuntura de mudanças de atitude econômica da parte do emergente setor das elites proprietária narrada no primeiro capítulo. Chega a ser instigante o episódio que envolve a preta e João Augusto Diniz Junqueira. Lendo a intervenção que chegou ao Supremo Tribunal de Justiça no Município Neutro, sob a forma de uma “Ação de Soldada”, elaborada pelo advogado daquela, o Sr. Caetano E. Vieira de Sá, somos informados de que, como criada de servir, teria a preta chegado à Nossa Senhora da Conceição de Vassouras197, freguesia da província do Rio de Janeiro, em 25 de abril de 1851. Vinha de São João Del Rei, município da província de Minas Gerais, atendendo ao chamado do Dr. Gabriel Diniz de Junqueira. Nesta qualidade, teria estado a servi-lo até o seu falecimento em 29 de Agosto de 1858, e continuou, na mesma qualidade e na mesma casa, a servir ao seu filho e herdeiro, João Augusto, até o dia 6 de abril de 1860.

Durante todo esse tempo ocupou-se a suplicante constantemente nos custosos trabalhos da cozinha, no ensino e direção das escravas que estavam dentro da casa, e na administração interna desta, que o falecido seu amo nela confiava sempre, pois era solteiro e costumava se ausentar por fora muito tempo. 198

A ação competente intentava receber do sucessor do Dr. Junqueira as “soldadas” não convencionadas com o defunto que, somadas, chegavam ao montante anual de trezentos e sessenta mil réis. Isto porque advogado e suplicante julgavam razoável firmar o salário mensal devido em trinta mil réis. Concordava a dita, também, que se debitasse do valor total a receber “a quantia de oitenta mil réis que recebeu do finado

197 Sobre o desenvolvimento do Município de Vassourar, ver Stanley Stein, Vassouras: um município

brasileiro do café, 1850-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

seu amo por uma só vez e a de quarenta mil réis que lhe deu o suplicado, em peças de morim e chita para fazer vestidos”.199

Para sustentar a sua versão, dentre os conteúdos das proposições aventadas pelo advogado da suplicante, estavam os argumentos de: que Maria Quitéria era uma preta pobre de condição de servir; que o Dr. Gabriel era uma pessoa que costumava ter criados; que a suplicante desfrutava da confiança do defunto e “não havia em casa outra pessoa que tomasse a administração interna dela”; que a suplicante “sempre trabalhou com atividade e zelo a bem e aumento da casa, que como criada serviu e muito a contento” a ambos, o pai e o filho; que apesar de não ter sido convencionado uma quantia certa de soldada, o falecido sempre dizia que a soldada que ele havia de pagar era boa e; que a suplicante pedia a quantia de 30$000 por cada mês, pela qualidade dos serviços que prestou, e porque era esse o costume geral da comarca e da província, em casos semelhantes e ainda menos favoráveis.

Decerto para tentar explicar o porquê de tão tardiamente requerer os pagamentos dos salários, o advogado argumentou ainda que a suplicante,

Não recebeu do finado seu amo Dr. Gabriel mais dinheiro por conta das soldadas porque nunca pediu, aliás, recebia dele o que lhe pedisse, por que ele era homem muito bom e até muitas vezes lhe dizia, que ela A. (autora) gastasse em se vestir o que lhe conviesse, para o que pedisse-lhe (sic) o necessário, e que não havia nenhuma razão pra ela ter em mão dele muito dinheiro sem dele ir gastando o que fosse conveniente.200

Ou seja, procura se evidenciar que não obstante possuísse a preta uma soma considerável nas mãos do falecido “amo”, enquanto vivo ele atendia-lhe às necessidades básicas, razão pela qual não recebia regularmente as soldadas devidas.

Constava ainda na Ação de Soldadas a denúncia de que o próprio réu, o senhor João Augusto Diniz Junqueira, ao saber da constituição do processo, por duas ocasiões, teria demonstrado predisposição para fazer um arranjo e efetuar o pagamento à suplicante, fato este que, na interpretação do advogado, corroborava o reconhecimento do direito ao recebimento dos valores devidos. Finalizando o conjunto de termos com os quais se pretendia granjear a faculdade de julgar do judiciário, Caetano E. Vieira de Sá descreve Maria Quitéria de Jesus como “uma mulher desvalida, que nada tem se não o que ganhou por seus serviços de tão longo tempo, muito simples, e incapaz de alegar falsidades ou de pedir o que não lhe pertence, e de bons costumes”.201

199 Idem.

200

Ibidem, folha 09.

Em análises de processos, nada é mais estimulante para um historiador do que a leitura das controvérsias, das versões produzidas pelas partes. No caso da ação aberta contra João Augusto Diniz Junqueira, apesar de “ser o suplicado achado nesta freguesia”, é ele representado em juízo por seu advogado, Joaquim Manoel de Sá. Incumbido da representação, é este personagem que constrói a versão que irá redarguir os argumentos apresentado pelo advogado da suplicante. Para elaborar a defesa, transita por dentro e por fora das leis vigentes: por entre o legal, o convencional, o costumeiro e o afetivo. Notadamente, expõe fórmulas sociais que formatavam interessantes aspectos das relações sociais de trabalho possíveis no interior de uma sociedade escravista.

No âmbito da lei, dois são os argumentos do advogado de defesa: (1) a não existência de contrato de locação de serviço; e (2) a prescrição da suposta dívida. Segundo a justificação por ele elaborada, quando do falecimento do pai de seu representado, na escrituração consultada, nada foi encontrado que remetesse ao pagamento pelos serviços prestados por Maria Quitéria. Ou seja, nos papéis do finado não havia registros relativos a um possível contrato feito, que comprovassem legalmente a condição da preta forra como prestadora de serviços, e nem mesmo apontamentos que denunciassem o costume de lhe serem pagas as soldadas. Julgou, assim, o suplicado, a permanência desta em casa de seu pai, bem como de suas filhas e netas, em decorrência da caridade do finado. Além disso, na ocasião, a suplicante não lhe fez “observação alguma sobre salários e sobre o caráter, com que estava em casa” e, em vista disto, deixou-a ficar. Ainda de acordo com os seus argumentos, a ação movida pela preta forra não encontrava respaldo nos termos legais vigentes à época para regulamentar a locação de serviço, ou qualquer outra relação de trabalho livre assalariado.

Para fundamentar o segundo argumento, o advogado recorre ao livro 4º, título 32 das ordenações Filipinas202, onde se lê:

Os homens e mulheres que morarem com senhores ou amos a bem fazer, ou por soldada, ou jornal, ou por qualquer convença, se depois que deles saírem, passarem três anos por seu serviço, não os poderão mais demandar, nem serão a isso recebido, nem seus amos mais obrigados a lhes pagar.203

Segundo interpretação da lei feita pelo advogado, Maria Quitéria não poderia mais demandar as soldadas que julgava ter direito por, talvez, morar a bem fazer com o

202 Convém ressaltar aqui que, enquanto base do Direito português, mesmo com a promulgação de

sucessivos decretos e leis no século XIX, algumas das disposições das Ordenações Filipinas estiveram em vigência no Brasil até o advento do Código Civil de 1916.

seu falecido amo, sem ter acordado receber em espécie. Anotamos que o termo destacado, nas Ordenações Filipinas, tem o sentido de explicar a posição de um agregado numa relação de dependência. Demais, como já esclarecido, quando do falecimento do Dr. Gabriel Diniz de Junqueira, em 29 de Agosto de 1858, a preta forra continuou a servir ao seu filho, o suplicado, até o dia 6 de Abril de 1860. A citação para a conciliação, entretanto, foi feita a quatro de fevereiro de 1862, isto é, três anos, cinco meses e vinte e seis dias depois que morreu o Dr. Junqueira. Nesta circunstancias, o direito de demandar as soldadas devidas pelo antigo amo teria perdido a validade legal.

Do campo do Direito, o enredo do advogado Joaquim Manoel de Sá se move aos campos da convenção e do costume. Tudo parece indicar que, conforme a sua avaliação, o acordo tacitamente aceito por Maria Quitéria de Jesus informava outro tipo de relação estabelecida entre ela e o Dr. Gabriel. Afinal, argumenta o dito, “se ela vivesse como criada, há quem acredite que ela passasse o largo espaço de nove anos sem pedir ao amo os seus salários?”. E com este argumento, procurava dar a entender que a economia que regia o acordo entre eles não podia ser a monetária. “Que(m) ganhava sem receber sequer uma só vez uma quantia qualquer a título de salário?!”. Da leitura de um “Tratado de Ação Sumária”, escrito por um certo “Lobão”, o advogado de defesa extrai a noção de que “é preciso, pois, que se prove que o operário tem o costume de receber o salário, e que o amo tem o costume de o pagar. Havendo a prova destes dois requisitos, embora não houvesse convenção sobre salários, são eles devidos”. 204

Nas palavras do defensor de João Augusto,

A autora era uma preta forra, que vivia em São João d’Rei, onde tinha uma casa e onde vivia com suas filhas, sem nunca se alugar como criada de servir. Assim o dizem todas as testemunhas dela e do réu, tendo ainda seu pequeno ou grande pecúlio, que se diz entregue ao Dr. Junqueira.

Em relação às circunstâncias do amo, asseverou,

O Dr. Junqueira nunca alugou criadas para o serviço interno de sua casa. (...) O Dr. Junqueira alugava trabalhadores, e trabalhadores não são criados. Não, nunca eles se consideraram como tais, e se o são, há uma grande diferença entre alugar trabalhadores e criados.205

Isto posto, tudo parece indicar que o advogado esperava convencer o judiciário que a devida atenção às convenções e aos costumes deixaria claro que não foi como criada que a autora teria permanecido por tão longo tempo na propriedade dos

204

Idem.

Junqueira. Na incerteza da suficiência dos argumentos expostos, o advogado faz a travessia final, entra no terreno das relações afetivas. Afinal, “para que ocultá-lo, há cousa que acontece frequentes vezes – por causa dos santos beijam-se os altares”. Com essa “deixa”, passa a narrar a afetiva relação familiar, sugerida nos autos, envolvendo o pai do suplicado, Maria Quitéria de Jesus e sua filha Rita e netas.

Vê-se nos autos que em S. João d’Rei o Dr. Junqueira tomou-se de amores com uma filha da autora de nome Rita, de quem tem filhos, que nasceram um na cidade de S. João d’Rei, e outro na fazenda do referido Junqueira.

Passando-se para a sua fazenda, que coisa mais natural de que trazer para ali aquela que era mãe de seus filhos, e com quem ainda queria conservar relação amorosa? Então não querendo vir só com seus filhos, e não desejando sua mãe que ela se desprendesse da família, que coisa mais natural para uma alma bem formada e generosa como a do Dr. Junqueira, do que oferecer casa, cama e mesa a mãe de sua amasia, a avó de seus filhos? 206

Com essa reconstituição dos fatos afetivos, provavelmente, considerava o advogado estar tudo explicado. Ainda assim ele explicitara o enunciado: “a autora veio para casa do Dr. Junqueira, não para ser criada, nem porque soubesse fazer doces. Veio porque era mãe de Rita e avó dos filhos dele!” E, concluindo sua explanação, pedia:

Que a autora seja declarada carecedora da ação, não só porque essa ação está prescrita, como porque seus salários não foram convencionados, e principalmente porque não são devidos, porque a autora não era criada do Dr. Junqueira, pai do réu. Era mãe de sua amasia.207

Para além de tudo isto, tudo parecia indicar que, na condição de mãe da amasia do Dr. Gabriel, Maria Quitéria teria desfrutado de certas prerrogativas. Segundo esclarecimentos feitos pelo advogado de defesa do réu, e confirmado por todas as testemunhas arroladas, a preta forra trazia consigo as chaves da dispensa e dos quartos da residência do Sr. Junqueira. Todos que queriam alguma coisa se dirigiam a ela que governava as mucamas com autoridade, “distribuía serviços, ia à cozinha, cozinhava para todos, e a todos atendia, sem fazer cabedal à posição que ocupava”. Ou seja, era a “senhora” da casa.

A autoridade asseverada por todos, provavelmente, se devia à relação afetiva entre o Dr. Junqueira e sua filha. É bem possível que, para conservar um tipo de união conjugal com Rita, a dita amasia, união quiçá socialmente reconhecida e aceita, o doutor tivesse mesmo entregado à mãe de sua amasia e avó de suas filhas, Mariana e Jesuína, a administração de sua fazenda, nos períodos de suas constantes ausências. Com sua morte, entretanto, muda o sistema que organiza a vida naquela propriedade. Podemos

206

Ibidem, folha 99

entender um pouco dessas relações cotidianas, malgrado algumas ausência de dados – à exemplo de detalhes sobre Rita e sua irmã – e da dificuldade de leitura de algumas das folhas do processo. Não foi possível, por exemplo, identificar o tipo de relação que o solteiro Dr. Junqueira teria estabelecido com a mãe do seu filho considerado legítimo e seu herdeiro, João Augusto Diniz Junqueira. O doutor, entretanto, provavelmente na tentativa de reunir postumamente a família, conferiu a este a tutela de suas filhas com Rita.

A despeito dos produzidos vínculos jurídicos e dos consanguíneos entre João Augusto e Mariana e Jesuína, todavia, os arranjos de morte do pai Junqueira não foram realizados senão com a intervenção de um “anjo” que compeliu o irmão a amparar as pupilas. Também não fica evidente na documentação quais foram as razões de uma possível altercação familiar. Segundo relato da suplicante ao seu advogado, as meninas teriam saído da casa do “irmão” paterno em seis de setembro de 1860, ou seja, pouco mais de dois anos após a morte do pai e há exatos cinco meses após a data em que sua avó acusa como final do vínculo de criadagem, e

Desde então carecem de subsídio e cuidados, que reclamavam sua infantil idade e a educação que o mesmo R. era obrigado a dar-lhes; até que, por fortuna delas apareceu nesta vila um magistrado, o seu anjo tutelar, que soube compreender sua missão, e compeliu o mesmo réu a metê-las no colégio desta vila ainda no corrente ano, tendo conhecimento do fato por uma petição, que a mãe das mesmas lhe apresentou.208

Teria o Junqueira filho intervindo na autoridade exercida pela preta forra, ocasionando assim uma disputa de poder intransponível? Teria sido a falta de amparo às netas que impulsionou Maria Quitéria a demandar com o herdeiro do antigo amo? Ou somente depois de solucionada a questão do que seria o espólio das netas, a avó, insatisfeita, teria resolvido tratar, enfim, de que considerava ser direitos de suas netas? Se for assim, teria ela sido alertada sobre o seu direito às soldadas atrasadas pelo mesmo “anjo tutelar” que se abalou com o caso das netas?

***

A despeito das curiosidades despertadas envolvendo o campo do Direito Civil, concernentes aos arranjos familiares e afetivos estabelecidos por esses indivíduos, em suas relações privadas cotidianas, foi em função da possibilidade de analisar querelas envolvendo alterações nos limites legais das relações sociais de trabalho no Oitocentos

208 Ibidem, folha 74.

que este processo foi juntado às documentações coligidas nesta tese. Afinal, a própria Maria Quitéria de Jesus enveredou por esse campo de sentido. É com base no que ela ou seu advogado visualizaram como “direitos” que se impetrou a ação judicial. Os focos da autuação estão justamente sobre o campo do direito do trabalho, bem como os da análise aqui desenvolvida. Servimo-nos, entretanto, oportunamente, da retórica dos discursos produzida por ambas as versões, constantes neste documento, para transitar entre as relações costumeiras, convencionais e legais. Doutra forma, tornar-se-ia impossível compreender o que mudou nas relações de trabalho nas décadas finais do século XIX. E é sequenciando esta chave de leitura que se dá prosseguimento à análise, com a narrativa do drama social vivido por Leonel Alves da Silva. Um caixeiro, provavelmente percebido racialmente como “branco”. À frente, retornaremos a esta disputa familiar.

Ainda que em uma mesma época, a experiência de Leonel se dá noutra circunstâncias, sob outras formas de hierarquias e outro tipo de relação de dependência. Estão, entretanto, ele e Maria Quitéria no interior de um mesmo “campo de força”, que percebemos regido por similares regras sociais, às quais estavam submetidas suas intenções, de tal modo que é possível observar diferentes pontos de contatos nos argumentos de acusação e de defesa elaborados pelos respectivos advogados, que aparecem nas fontes. Sabemos, entretanto, que, em não poucos casos, regras sociais similares podem produzir diferentes resultados culturais.

Leonel Alves da Silva morava, no início da década de 1870, em uma das ruas centrais do Município Neutro: a rua da Conceição, no número 32. Próximo dali, à rua de São José, nos números 66 e 67, em um negócio de confeitaria e refinação de açúcar,

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