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De certo modo, no presente capítulo, já refletíramos acerca dos quatro gêneros de causa, conquanto não tenhamos deixado isto especificamente evidente. Então, antes de retomar o que foi dito, vejamos como Aristóteles (1969, p. 111) se exprimiu definidamente acerca dos quatro gêneros de causalidade:

“Causa” significa (1) aquilo de que, como material imanente, provém o ser de uma coisa; p. ex., o bronze é a causa da estátua e a prata, da taça, e do mesmo modo todas as classes que incluem estas. (2) A forma ou modelo, isto é, a definição da essência, e as classes que incluem esta (v.g., a razão de 2 para 1 e o número em geral são causas da oitava); bem como as partes incluídas na definição. (3) Aquilo de que origina a mutação ou a quietação; p. ex., o conhecimento é causa da ação e o pai causa do filho; e, de modo geral, o autor é causa da coisa realizada e o agente modificador, causa da alteração. (4) O fim, isto é, aquilo que a existência de uma coisa tem em mira; p. ex., a saúde é causa do passeio. Enquanto faláramos acerca das relações entre matéria e forma, já estávamos nos referindo a duas classes de causa. Por um lado, vimos que a matéria seria a causa de um ser enquanto elementos, isto é, suas partes (causa material); por outro, constatamos que a forma seria a causa de um ser enquanto configuração, ou seja, modelo ou todo (causa

formal).

Vimos também em um exemplo que a construção da casa não aconteceria simplesmente por natureza, ou seja, de modo necessário, mas dependeria da vontade do homem. Naquela perspectiva, a ‘forma’ não se concretizaria na ausência de um específico princípio eficiente, princípio este que tornasse realidade, por intermédio de construtores, a combinação entre os elementos materiais indispensáveis à construção de uma casa. Causa eficiente é a locução que se consagrou historicamente para denominar o princípio de mudança ou de repouso de um ser.

Por fim, vê-se que ainda haveria outro gênero de causalidade, chamado finalidade. Além da casa (forma) ser feita de tijolos e cimento (matéria), cujo princípio eficiente seria os construtores, ela teria uma função ou estaria destinada a algo, ou seja, à proteção e à habitação permanente. Essa seria a sua finalidade. Causa final é a locução tradicionalmente usada em filosofia aristotélica para designar a teleologia presente na natureza e nas obras produzidas pela arte.

Portanto, ao definir um objeto de acordo com os quatro gêneros de causalidade, teríamos então uma compreensão completa de sua natureza.

Utilizamos o exemplo da casa, que é um produto da arte (techné), para melhor expormos a teoria das quatro causas. Contudo, tal teoria não se aplicaria somente aos produtos da arte, visto que abrange, primordialmente, as “obras da natureza”.

Aristóteles acreditava que a natureza operaria de modo semelhante à arte; porém, observava que as obras da primeira seriam sempre superiores aos produtos da segunda. Aliás, de acordo com o seu entender, a tarefa da arte consistiria no próprio

aperfeiçoamento das “obras da natureza”.

Assim, se cada objeto produzido pela arte possuísse um propósito, o mesmo aconteceria com os objetos da natureza, porquanto ela sempre teria por finalidade o melhor a ser feito (imitado). Logo, a teleologia seria um princípio básico que estabelece a ordem e a beleza das “obras da natureza”.

Definidos desse modo os quatro gêneros causais, podemos agora encerrar nosso capítulo e dar continuidade discursiva ao próximo assunto, a saber, à alma.

3 A ALMA: princípio da vida

É fundamental compreendermos a concepção aristotélica da alma (psyquê), uma vez que a diagoguê, de um modo geral, somente se manifesta em um tipo particular de ser, isto é, ao modo específico de existência de um ser que possui vida. Falando de um modo mais particular, nosso objeto de pesquisa (diagoguê) se vincula ao modo pelo qual o homem manifesta a sua existência, primordialmente enquanto um ser vivente com características próprias. Se a alma é entendida como princípio da vida, então a investigação de sua natureza torna-se indispensável para atingirmos nossa meta coerentemente.

Encontramos a concepção aristotélica da alma de maneira detalhada no tratado intitulado Da alma (em grego, Perì psyquês; em latim, De anima). Neste tratado, Aristóteles (2011) a elegeu como objeto de estudo, entendendo-a substancialmente como o princípio da vida. O propósito de sua investigação se resumiu em discernir e compreender a natureza da alma, para posteriormente definir suas propriedades particulares. Não obstante, o filósofo distinguiu radicalmente o ser animado do ser inanimado, indicando no ser vivo a presença de um princípio absolutamente distinto da matéria, embora haja considerado, em certo sentido, que tal princípio fosse inseparável do corpo. Esse princípio, com efeito, seria a alma.

Ademais, Aristóteles definiu genericamente o homem como um tipo particular de ser vivo, isto é, um animal. Conforme veremos adiante de modo mais detalhado, o animal se distinguiria dos outros seres vivos por possuir sensação, princípio que faculta a dor e o prazer. O homem, entretanto, não se definiria simplesmente por possuir

sensação; mais do que isso, ele seria o único entre os animais que possui a capacidade

de intelecção. Com efeito, conforme Aristóteles várias vezes aludiu em suas obras, o homem seria uma mescla de apetite pelo prazer e orientação pela razão, isto é, um animal racional.

Por conseguinte, se quisermos compreender as naturezas do homem e do divertimento na filosofia de Aristóteles, o estudo da alma adquirirá fundamental importância, pois ele colabora para a construção do conhecimento acerca de como o homem especificamente vive e produz as suas atividades e ocupações.

Feitas as considerações iniciais, voltemo-nos agora ao plano de investigação que traçamos para o presente capítulo. Buscamos esclarecer respectivamente: 1) o conceito universal de alma; 2) as partes e as funções da alma; 3) a alma humana.