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QUATRO MESES ANTES DA NOITE DO CONCURSO DE PERGUNTAS

No documento Pequenas Grandes Mentiras - Liane Moriarty (páginas 53-98)

uero marcar de brincar com Ziggy — anunciou Chloe em uma noite quente de verão no início do novo ano.

— Está bem — disse Madeline.

Seus olhos fitavam a filha mais velha, Abigail, que havia demorado um século cortando seu bife em quadradinhos precisos, e no momento empurrava os pedaços para trás e para a frente, como se estivesse criando uma espécie de mosaico complicado. Não pusera um quadradinho sequer na boca.

Ed disse baixinho para Madeline:

— Ziggy não foi o que... sabe? — Ele pôs as mãos no pescoço e arregalou os olhos. — O que você está fazendo, papai? — Chloe riu carinhosamente. — Papai Palhaço.

— Você deveria marcar de brincar com Skye. — Abigail pousou o garfo e se dirigiu a Chloe: — Ela está muito empolgada de ser sua colega de turma.

— Isso é bom, não é? — disse Madeline em um tom forçado e meloso que ela sabia que usava sempre que a filha do ex-marido era mencionada. — Isso não é bom?

Ed bufou no vinho, e Madeline lhe lançou um olhar ameaçador.

— Skye é mais ou menos minha irmã, não é, mamãe? — perguntou Chloe.

Ao contrário da mãe, ela vibrara ao saber que ia ficar na mesma turma de jardim de infância de Skye, e fizera essa pergunta umas quarenta mil vezes.

— Não, Skye é meia-irmã de Abigail — explicou Madeline com uma paciência de Jó.

— Mas eu também sou irmã de Abigail! — retrucou Chloe. — Então isso quer dizer que eu e Skye devemos ser irmãs! Podíamos ser gêmeas, como Josh e Max.

— Por falar nisso, você viu Celeste desde que eles voltaram do Canadá? — perguntou Ed. — Aquelas fotos que Perry postou no Facebook eram incríveis. A gente devia ter um Natal branco um dia. Quando ganharmos na loteria.

— Brrr — disse Madeline. — Eles pareciam com frio.

Madeline deu de ombros. Fred era o seu pequeno viciado em adrenalina. Se alguma coisa podia ser escalada, ele a escalava. Ela não suportava mais vê-lo em cima do skate. Com apenas sete anos, ele rodava, girava e fazia manobras no ar como um garoto com o dobro de sua idade. Sempre que via aqueles caras tranquilos sendo entrevistados na TV sobre suas últimas aventuras de paraquedas/escalada/vamos-dar-um-jeito-de-nos-matar, ela pensava: Lá

está Fred. Até o visual dele era adequado, com aquele cabelo desgrenhado muito comprido de

surfista.

— Você precisa cortar o cabelo — afirmou ela.

Fred torceu o nariz sardento, enojado com a sugestão. — Não preciso!

— Vou ligar para a mãe do Ziggy e marcar um dia para vocês brincarem — disse Madeline a Chloe.

Ela na verdade andara pretendendo ligar para Jane desde antes do Natal, mas tinha ficado ocupada com o trabalho, e eles haviam viajado entre o Natal e o Ano-Novo. A pobre Jane não conhecia ninguém na região, e tinha parecido arrasada naquele dia depois do incidente horrível na orientação.

— Madeline, tem certeza de que é uma boa ideia? — perguntou Ed, baixinho. — Parece que ele pode ser meio bruto.

— Bem, não sabemos ao certo — disse Madeline.

— Mas você disse que Amabella Klein apontou para ele na fila de suspeitos.

— Inocentes já foram identificados em reconhecimentos de suspeitos na polícia — disse Madeline a Ed.

— Se esse garoto encostar o dedo em Chloe...

— Ah, pelo amor de Deus — exclamou Madeline. — Chloe sabe se cuidar! — Olhou para o prato de Abigail. — Por que você não está comendo?

— Nós gostamos de Renata e Geoff — insistiu Ed. — Se a filha deles diz que esse tal de Ziggy a machucou, deveríamos ser solidários. Além disso, que tipo de nome é esse?

— Não gostamos tanto assim de Renata e Geoff. Abigail, coma a sua comida! — Não gostamos? — perguntou Ed. — Achei que eu gostasse de Geoff.

— Você o suporta. Ele é o que observa pássaros, Ed, não o que joga golfe. — É mesmo? — Ele parecia desapontado. — Tem certeza?

— Sim, você o está confundindo com Gareth Hajek. — Estou? — Ed franziu a testa.

— Está. Chloe, pare de sacudir o garfo. Você quase cegou Fred. Abigail, você está doente? É por isso que não está comendo?

Abigail pousou a faca e o garfo.

— Acho que vou virar vegana — disse, solenemente. Bonnie era vegana. — Só por cima do meu cadáver — respondeu Madeline.

____

Thea: Você sabia que Madeline tem uma filha de quatorze anos, Abigail, do primeiro casamento? Tenho tanta pena de crianças de lares desfeitos, você não? Ainda bem que posso oferecer aos meus filhos um ambiente estável. Tenho certeza de que Madeline e Bonnie estavam brigando por causa de Abigail na noite do concurso de perguntas.

Harper: Eu realmente ouvi Madeline dizer: “Vou matar alguém antes de a noite acabar.” Achei que tivesse alguma coisa a ver com Bonnie. Não que eu esteja acusando alguém, é claro.

Bonnie: Sim, Abigail é minha enteada, e é verdade, sim, que ela tinha algumas, bem, dificuldades, coisas típicas dos adolescentes, mas Madeline e eu estávamos trabalhando em equipe para ajudá-la. Está sentindo cheiro de mirto de limão? Estou experimentando esse incenso novo. É bom para o estresse. Respire fundo. É isso aí. Não me leve a mal, mas você está com cara de quem precisa aliviar um pouquinho a tensão.

E

13

ra um dia daqueles. Já fazia algum tempo. Desde bem antes do Natal. A boca de Celeste estava seca. Sua cabeça latejava de leve. Ela acompanhou os meninos e Perry pelo pátio da escola andando rigidamente, com cuidado, como se fosse um copo alto e frágil que corria o risco de derramar.

Estava hiperconsciente de tudo: do ar quente em seus braços nus, das tiras das sandálias entre os dedos, das beiradas das folhas da figueira-da-Austrália, cada qual delineada nitidamente em contraste com o azul do céu. Era uma sensação parecida com aquela que a pessoa experimenta no início de uma paixão, de uma gravidez, ou quando dirige um carro sozinha pela primeira vez. Tudo parecia significativo.

“Você e Ed brigam?”, perguntara ela a Madeline certa vez. “Feito cão e gato”, respondera Madeline alegremente.

Celeste conseguiu notar de alguma forma que ela estava falando de uma coisa completamente diferente.

— A gente pode primeiro mostrar ao papai o brinquedo que parece uma escada? — gritou Max.

As aulas voltavam em duas semanas, mas a loja de uniformes abriria por duas horas naquela manhã para os pais comprarem o material necessário para o novo ano. Perry tirou o dia de folga, e depois de pegarem os uniformes dos meninos eles iriam levá-los para mergulhar de snorkel.

— Claro — disse Celeste a Max.

Ele saiu correndo, e, enquanto o observava ir, ela se deu conta de que não era Max. Era Josh. Ela estava perdendo o controle. Achava que estava se concentrando muito quando, na verdade, não estava se concentrando o suficiente.

Perry passou a ponta do dedo pelo braço dela, fazendo-a estremecer. — Você está bem? — perguntou ele.

O marido levantou os óculos, e ela pôde ver seus olhos. A parte branca era branquíssima. Os olhos dela sempre ficavam injetados na manhã seguinte a uma discussão, mas os de Perry estavam sempre limpos e brilhantes.

— Ótima.

Ela sorriu para ele. Ele sorriu também e puxou-a para mais perto. — Você está linda com esse vestido — disse no ouvido dela.

Era assim que sempre agiam um com o outro no dia seguinte: carinhosos e trêmulos, como se tivessem passado por algo terrível juntos, como um desastre natural, e tivessem escapado com vida por um triz.

— Estou indo! — berrou Perry.

Bateu com os punhos no peito como um gorila e correu atrás deles com as costas curvadas e os braços balançando, fazendo os barulhos do animal. Os meninos ficaram loucos de alegria e saíram correndo.

Foi só uma briga feia, disse ela a si mesma. Todo casal briga.

Na noite anterior, os meninos tinham ido dormir na casa da mãe de Perry. “Façam um jantar romântico sem esses capetinhas”, dissera sua sogra. A briga começara por causa do computador.

Ela estava verificando o horário de funcionamento da loja de uniformes quando o computador anunciou um “erro catastrófico”.

“Perry!”, gritara ela do escritório, “tem alguma coisa errada com o computador!”, e uma pequena parte de seu cérebro avisara: Não, não conte a ele. E se ele não conseguir

consertar?

Burra, burra, burra. Ela deveria ter imaginado. Mas era tarde. Ele entrou no escritório, sorrindo.

“Chegue para lá, mulher”, dissera.

Ele é quem era bom com computadores. Gostava de resolver problemas para ela, e se tivesse conseguido resolver aquele, teria ficado tudo bem.

Mas não conseguiu.

Os minutos se passaram. Ela via pela tensão nos ombros dele que aquilo não estava indo bem.

“Não se preocupe com isso”, dissera ela. “Deixe para lá.”

“Eu consigo consertar”, respondera ele. Movia o mouse para a frente e para trás. “Sei qual é o problema. Só preciso de... Droga.”

Ele xingou de novo. Baixinho primeiro, depois mais alto. A voz dele era como um soco. Ela se encolhia toda vez.

E, à medida que a fúria dele foi aumentando, um tipo de fúria semelhante crescera dentro dela, porque Celeste sabia exatamente como seria o restante da noite, e como teria sido diferente se ela não tivesse cometido tal “erro catastrófico”.

O prato de frutos do mar que ela preparara ficaria ali, intocado. A pavlova iria direto para o lixo. Seria um desperdício de tempo, esforço e dinheiro. Ela odiava isso. Desperdício a deixava doente.

Então quando dissera: “Por favor, Perry, deixe isso para lá”, soara frustrada. Tinha sido o seu erro. Talvez, se ela tivesse falado direito. Sido mais paciente. Não dito nada.

Ele girou na cadeira para ficar de frente para ela. Seus olhos já brilhavam de raiva. Tarde demais. Ele já havia perdido as estribeiras.

E mesmo assim ela não recuara. Ela tinha se recusado. Continuara brigando até o fim por causa da injustiça daquilo, de como era ridículo. Pedi que ele me ajudasse a consertar o

íntimo, mesmo quando a gritaria começou, seu coração batendo forte e seus músculos se retesando, preparados. Não é justo. Não é certo.

Tinha sido ainda pior que o normal porque os meninos não estavam em casa. Eles não precisaram falar baixo, sibilar um para o outro por trás de portas fechadas. A casa era grande demais para os vizinhos ouvirem a gritaria. Era quase como se ambos houvessem se deliciado com a oportunidade de brigar à vontade.

Celeste foi então até o brinquedo que lembrava uma escada horizontal. Ficava em um canto fresco e sombreado do parquinho. Os garotos iam adorar brincar lá quando começassem a escola.

Perry erguia o corpo, usando o brinquedo para fazer barra fixa enquanto os garotos contavam. Seus ombros se moviam com graça. Ele tinha que levantar as pernas porque as barras não eram muito altas. Sempre fora atlético.

Será que havia uma parte doentia de Celeste que no fundo gostava de viver daquela forma e queria aquele casamento sujo e vergonhoso? Era assim que ela via seu casamento. Como se ela e Perry se envolvessem em algum tipo de prática sexual repulsiva e pervertida.

E o sexo fazia parte da dinâmica.

Sempre havia sexo depois. Quando tudo acabava. Lá pelas cinco da manhã. Sexo selvagem, furioso, com lágrimas de um caindo no rosto do outro e desculpas ternas e palavras murmuradas repetidamente: Nunca mais, juro pela minha vida, isso tem que acabar, temos

que parar com isso, devíamos procurar ajuda, nunca mais.

— Vamos — disse ela aos meninos. — Vamos para a loja de uniformes antes que feche. Perry deixou-se cair com facilidade no chão e agarrou um gêmeo com cada braço.

— Peguei vocês!

Ela o amava tanto quanto o odiava? Odiava-o tanto quanto o amava? “Devíamos tentar outro terapeuta”, dissera-lhe ela naquela manhã.

“Você tem razão”, concordara ele, como se aquilo fosse uma possibilidade real. “Quando eu voltar. Aí a gente fala sobre isso.”

Ele ia viajar no dia seguinte. Viena. Para uma “reunião de cúpula” que sua empresa estava patrocinando. Ele faria o discurso principal, sobre um tema complexo e global. Haveria muitos acrônimos e um jargão incompreensível, e ele estaria ali em pé com um pequeno ponteiro, movendo um ponto luminoso vermelho na apresentação de PowerPoint preparada por seu assistente executivo.

Perry viajava com frequência. Ele às vezes parecia ser uma aberração na vida dela. Um visitante. A vida real de Celeste era quando ele não estava presente. O que acontecia nunca importava muito porque ele estava sempre prestes a partir, no dia ou na semana seguintes.

Dois anos antes, eles haviam ido a uma terapeuta. Celeste se enchera de esperanças, mas tão logo viu o sofá de vinil barato e o rosto ansioso e sincero da terapeuta, soube que cometera um erro. Observou Perry avaliar sua inteligência e posição social superiores à terapeuta e soube que aquela seria a última visita deles.

Eles nunca lhe disseram a verdade. Falaram sobre como Perry achava frustrante Celeste não acordar cedo e estar sempre atrasada. Celeste disse que às vezes “Perry perdia a cabeça”. Como podiam confessar a uma estranha o que acontecia no casamento deles? A vergonha. O comportamento vil. Eram um casal bonito. As pessoas lhes diziam isso havia anos. Eles eram admirados e invejados. Tinham todos os privilégios do mundo. Viagens internacionais. Uma bela casa. Era feio e ingrato da parte deles agir daquela maneira.

“Então parem de fazer isso”, aquela mulher simpática e ansiosa certamente teria dito, com revolta e reprovação.

Celeste também não queria lhe contar. Queria que ela adivinhasse. Queria que ela fizesse a

pergunta certa. Mas nunca fez.

Após deixarem o consultório da terapeuta, os dois estavam tão eufóricos por terem saído dali, terminada a encenação, que foram ao bar de um hotel no meio da tarde, tomaram uma bebida e flertaram sem conseguir se largar. Na metade de sua bebida, Perry se levantou de repente, pegou a mão dela e a conduziu à recepção. Eles pediram um quarto e foram transar. Muito divertido, muito sensual. Era como se a terapeuta realmente tivesse consertado tudo. Porque, afinal, quantas pessoas casadas faziam aquilo? Depois, ela se sentiu péssima, sensual, mal-ajambrada e desesperada.

— Então, onde é a loja de uniformes? — perguntou Perry quando voltaram para a área principal da escola.

— Não sei — respondeu Celeste. Como eu saberia? Por que eu deveria saber? — A loja de uniformes, você disse? É aqui.

Celeste se virou para trás. Era aquela mulherzinha intensa de óculos do dia da orientação. Aquela cuja filha disse que Ziggy tentou enforcá-la. A menininha de cabelo cacheado estava com ela.

— Sou Renata — apresentou-se. — Conheci você no dia da orientação ano passado. Você é amiga de Madeline Mackenzie, não é? Amabella, pare com isso. O que você está fazendo? — A garotinha segurava a camisa branca da mãe e se contorcia timidamente atrás dela. — Venha dar oi. Esses meninos estarão na sua turma. São gêmeos idênticos. Não é interessante? — Renata olhou para Perry, que tinha colocado os meninos no chão. — Como vocês conseguem diferenciar um do outro, caramba?

Perry estendeu a mão.

— Perry — disse. — Nós também não conseguimos diferenciar um do outro. Não temos ideia de qual é qual.

Renata apertou a mão dele com entusiasmo. As mulheres sempre gostavam de Perry. Era por causa daquele sorriso branco de Tom Cruise e o jeito de lhes dar toda a atenção.

— Muito prazer em conhecê-lo. Vieram comprar o uniforme dos meninos? Emocionante! Amabella ia vir com a babá, mas a minha reunião do conselho acabou mais cedo e decidi vir eu mesma.

fascinante.

Renata baixou a voz e continuou:

— Amabella anda meio aflita desde o incidente na escola. A sua mulher lhe contou? Um garotinho tentou enforcá-la no dia da orientação. Ela ficou com hematomas no pescoço. Um garotinho chamado Ziggy. Pensamos seriamente em dar queixa na polícia.

— Que horror! — exclamou Perry. — Nossa. Coitada da sua filhinha. — Pai-ê — chamou Max, puxando a mão do pai. — Anda logo!

— Na verdade, me desculpe — disse Renata, olhando alegremente para Celeste. — Acho que cometi uma gafe! Você e Madeline não participaram de uma festinha de aniversário com a mãe daquele garoto? Jane? É esse o nome dela? Uma menina muito jovem. Eu a confundi com uma au pair. Talvez vocês todas sejam amicíssimas! Ouvi dizer que estavam bebendo champanhe! De manhã!

— Ziggy? — Perry franziu a testa. — Não conhecemos ninguém que tenha um filho chamado Ziggy, conhecemos?

Celeste pigarreou.

— Conheci Jane naquele dia — explicou ela a Renata. — Ela deu uma carona para Madeline depois que minha amiga torceu o tornozelo. Ela era... bem, pareceu muito simpática.

Celeste não queria ficar associada à mãe de um menino que fazia bullying, mas, por outro lado, tinha gostado de Jane, e a coitada pareceu ter ficado passada quando a filha de Renata apontou para Ziggy.

— Ela é uma iludida, isso sim — comentou Renata. — Ela se recusa totalmente a aceitar que seu precioso filho fez o que fez. Eu já disse a Amabella para ficar bem longe desse Ziggy. Se eu fosse você, diria aos seus meninos para evitá-lo também.

— Talvez seja uma boa ideia mesmo — concordou Perry. — Não queremos que eles encontrem más influências logo no primeiro dia. — Seu tom era leve e divertido, como se não estivesse realmente levando nada daquilo a sério, embora, conhecendo Perry, a leveza era provavelmente um disfarce.

Ele tinha uma paranoia especial com bullying por causa das experiências de sua infância. Parecia um agente do serviço secreto quando se tratava dos filhos, seus olhos se movendo com desconfiança, monitorando o parque ou o parquinho à caça de crianças agressivas, cães ferozes ou pedófilos se passando por avôs.

Celeste abriu a boca.

— Hum. — Foi tudo o que disse. Eles têm cinco anos. Não é um exagero?

Mas, por outro lado, havia alguma coisa em Ziggy. Ela só o vira rapidamente na escola, e não conseguira identificar muito bem o que havia no rosto dele, mas o menino tinha alguma coisa que a deixava desconfortável, algo que a enchia de desconfiança. (Mas ele era um lindo garotinho de cinco anos, igualzinho aos seus filhos! Como ela poderia se sentir daquela forma em relação a um garoto de cinco anos?)

— Ai!

Ela levou a mão ao ombro direito dolorido. Por um momento, a dor foi tão intensa que ela precisou conter a náusea.

— Você está bem? — perguntou Renata. — Celeste? — chamou Perry.

Ela viu o olhar envergonhado de reconhecimento dele. Perry sabia exatamente por que tinha doído tanto. Haveria mais uma belíssima joia em sua mala quando ele voltasse de Viena. Mais uma para a sua coleção. Ela nunca a usaria, e ele nunca perguntaria por quê.

Por um momento, Celeste não conseguiu falar. Palavras fortes enchiam sua boca. Ela se imaginava deixando-as sair.

Meu marido me bate, Renata. Nunca na cara, é claro. Ele tem muita classe para isso. O seu bate em você?

E, se bate, e esta é a pergunta que realmente interessa: você revida?

— F

14

alei com Jane para Ziggy vir brincar aqui semana que vem. — Madeline ligou para Celeste assim que terminou de conversar com Jane. — Acho que você e os meninos também deviam vir. Para o caso de ficarmos sem assunto.

— Certo — disse Celeste. — Muito obrigada. Um convite para brincar com o garotinho que...

— Sim, sim — interrompeu Madeline. — O pequeno estrangulador. Mas, você sabe, nossos filhos não são exatamente florzinhas delicadas.

— Na verdade, esbarrei com a mãe da vítima ontem quando estávamos comprando os uniformes dos meninos — contou Celeste. — Renata. Ela está dizendo à filha para evitar Ziggy e sugeriu que eu dissesse o mesmo aos meninos.

A mão de Madeline apertou o telefone. — Ela não tinha o direito de lhe dizer isso! — Acho que só estava preocupada...

— Não se pode botar uma criança na lista negra quando ela ainda nem sequer entrou na escola!

— Bem, não sei, meio que dá para entender, do ponto de vista dela. Quer dizer, se isso

No documento Pequenas Grandes Mentiras - Liane Moriarty (páginas 53-98)