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O QUE É UM CONCEITO NA PERSPECTIVA DO PERFIL CONCEITUAL?

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CAPÍTULO 1: PERFIL CONCEITUAL E A HETEROGENEIDADE DE IDEIAS EM

1.1 O QUE É UM CONCEITO NA PERSPECTIVA DO PERFIL CONCEITUAL?

de um objeto ou evento. Considera-se, nessa concepção, que o aprendiz possui o conceito na sua mente (MORTIMER, et al, 2010, p. 107), dito de outro modo, “os conceitos são ou podem se tornar estruturas ou entidades mentais internalizadas” (MORTIMER et al, 2014, p. 5). Algumas implicações podem ser tiradas dessa concepção: a primeira, segundo os autores, é que conceitos são considerados entidades mentais relativamente estáveis; a segunda pressupõe que eles pertencem a um sujeito, quer dizer, o conceito é algo que possuímos, é individual.

Uma segunda perspectiva entende que os conceitos existem apenas como um atributo do sistema cognitivo, fazendo parte de uma linguagem social ou de um sistema estruturado de conhecimento (MORTIMER et al, 2014). Nessa abordagem,

os conceitos são processos mentais, correspondendo à “conceituação”, uma função mental superior de Vigotski, o pensamento conceitual. Conceituação é um processo emergente, sempre produzido através da interação socialmente situada entre o indivíduo e alguma experiência externa. De acordo com Vigostki (2001), ao falar sobre as funções mentais superiores da criança, o desenvolvimento cultural das funções mentais aparece pela primeira vez no plano social e, subsequentemente, no plano psicológico. Mortimer et al (2010) chamam à atenção que não devemos dizer que funções mentais são internalizadas per se; internalizamos a potencialidade de uma determinada função mental de surgir num certo tipo de relação entre cérebro, corpo e mente.

Apropriar-se do significado de um dado conceito significa ter um pensamento conceitual que foi limitado por esse significado como consequência dos processos de aprendizagem (MORTIMER et al, 2014). Quando nos envolvemos num certo tipo de relação com a experiência situada, o mesmo pensamento conceitual tende a emergir uma ou outra vez. Isso faz com que acreditemos possuir um dado conceito em nossa mente com status de permanência. Podemos compreender, no sentido de Vigotski, o aspecto de permanência no processo de conceituação como a tendência de pensamento conceitual para operar de modo semelhante em experiências que pareçam similares (MORTIMER et al, 2010).

Para entender o que é permanente na conceituação, é útil refletir sobre a diferença entre sentido e significado apontada por Vigotski:

O sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável, uniforme e exata. Como se sabe, em contextos diferentes a palavra muda facilmente de sentido. O significado, ao contrário, é um ponto imóvel e imutável que permanece estável em todas as mudanças de sentido da palavra em diferentes contextos. (VIGOTSKI, 2001, p. 465).

Então, podemos entender que todos os conceitos são generalizações, isto é, significados construídos socialmente, uma vez que socialmente desenvolvidos. A utilização de um conceito por um indivíduo, objeto de estudo dos perfis conceituais, está relacionada a sua capacidade de criar sentidos para uma mesma palavra quando esta é colocada em uso. Como proposto por Vigotski (2001), a formação de um

conceito possui uma dimensão heterogênea, pois um mesmo indivíduo, durante o processo de conceituação, cria sentidos para uma mesma palavra.

Os diferentes sentidos construídos pelos sujeitos ao longo de sua experiência vão determinar o “peso” que cada um possui na forma pessoal de falar, assim como as oportunidades de usá-los de forma produtiva ao longo da sua vida para enfrentar os problemas impostos pela experiência. De outra forma, são nossas experiências que irão dizer se um ou outro sentido será apropriado, ou não, e isso poderá variar de indivíduo para indivíduo, pois cada um possui o seu próprio perfil conceitual, cada um cria sentidos distintos baseados nos significados socialmente compartilhados.

Assumir a existência de perfis conceituais como uma manifestação da heterogeneidade do pensamento implica reconhecer a coexistência de dois ou mais significados para a mesma palavra ou conceito, que são acessados e utilizados pelo indivíduo em contextos apropriados. Mesmo os conceitos científicos não são restritos a um único ponto de vista (MORTIMER et al, 2010); algumas pesquisas (AMARAL, MORTIMER, 2004; SILVA, 2011; SILVA; AMARAL, 2013; ARAUJO, 2014; SIMÕES NETO, 2016) destacam que conceitos como calor, substância e energia, objetos de estudo no contexto escolar, possuem também significados alternativos. Quer dizer, a partir dos seus significados, ganham sentido em contextos outros que não o científico/escolar, logo, é preciso ter isso em consideração ao propor metodologias de ensino para conceitos com características polissêmicas, tais como os supracitados. É desejável, então, proporcionar ao estudante, experiências de aprendizagem situada de modo que os significados sejam negociados e novos sentidos sejam atribuídos aos conceitos que se pretende que eles aprendam.

O estudo do perfil conceitual de um dado conceito justifica-se pelo fato de ele ser polissêmico, o que permite a identificação de diferentes áreas de estabilidade conceitual dispersas em zonas e, ainda, por ser um conceito que, conforme já foi apontado anteriormente, pode ser usado tanto na linguagem cotidiana quanto na científica em diversas áreas de conhecimento. Além disso, o conceito deve ser central em uma ou outra ciência. O conceito de ácido/base possui tais características. Não se trata, pois, conforme mencionado no começo do capítulo, de propor um perfil conceitual para ácido/base, mas de organizar os diferentes modos de pensar e formas de falar esse conceito a partir de zonas propostas para o perfil conceitual de substância, uma vez que tomamos os ácidos/bases como uma classe de substância

química (ou como comportamento de uma substância). Desse modo, o perfil conceitual de substância pode ajudar a entender as diferentes formas de estabilização do conceito em contextos diversos.

1.2 PERFIL CONCEITUAL DE SUBSTÂNCIA E SUAS POSSIBILIDADES DE USO

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