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2. O CONCÍLIO VATICANO II E AS CONFERÊNCIAS EPISCOPAIS LATINO-

2.5. O QUE FOI O CONCÍLIO VATICANO II ?

Podemos perceber através desta breve reflexão a grandeza do Concílio e também seus limites, nas diferentes interpretações de que foi alvo, nos diferentes ambientes eclesiais e extra-eclesiais. Juízos conflitantes, mas que criam novas oportunidades de respostas em busca de novas sínteses que, de acordo com os sinais dos tempos, sejam úteis para a renovação da Igreja e para a consecução da sua missão.

O que foi o Concílio Vaticano II? A pergunta teve inúmeras respostas e surge hoje com uma urgência toda particular no momento em que a geração dos bispos do Concílio (a de Karol Wojtyla) deixa o palco e em seu lugar entra enfim a geração que teve apenas um papel de perito (a de Joseph Ratzinger) ou simplesmente veio depois – por nascimento, por ordenação, pelos estudos, pela cultura. Mas o modo como a pergunta atravessa o espaço público (o da Igreja Católica e todo o resto) depende do seguinte: aquela pergunta tem sua própria história, iniciada dentro do Concílio e que chega até os umbrais do presente sem solução de continuidade. É uma pergunta que suscita amplas considerações, reflexões articuladas e matizes, mas que afinal se mantém ao redor de um núcleo forte, de uma tomada de posição ou de várias tomadas de posição no tempo, que sintetizam um mosaico de atitudes: com efeito, responderam à pergunta, de uma forma ou de outra, todos os papas e os bispos, os clérigos e os fieis, os cristãos de outras Igrejas e os crentes de outras religiões, os diplomatas e os jornalistas, e o esboço de suas respostas constitui uma galeria bastante interessante para quem se deixar interpelar agora por aquela interrogação em cujo cerne está uma questão histórica, a questão histórica.82

Se considerarmos o evento conciliar como um novo Pentecostes, como desejou o papa João XXIII, então poderemos ater-nos na ideia de que estamos ainda convivendo com aqueles que beberam da graça na própria fonte, e apenas estamos chegando a uma segunda geração conciliar, daqueles que, após uma primeira recepção, após a crise pós-conciliar, após a época

82 MELLONI, A. O que foi o Vaticano II? Breve guia para os juízos sobre o Concílio. IN: Concilium 312 (2005/4), p. 34.

de historicização do Concílio e até o tempo presente estão ainda a discernir, com os sinais dos tempos os caminhos que o Espírito aponta para a Igreja aggiornata que emergiu do Concílio Vaticano II, não em uma concepção idealística (como não devemos olhar para a Igreja primitiva desta forma), mas como um verdadeiro esforço de volta às fontes, que por fidelidade à sua essência projeta a Igreja para o futuro que a espera, entre as provações do mundo e as consolações de Deus.

Cada geração eclesial poderá a seu modo e a seu tempo realizar sua parte nesse processo de adaptação, recepção e interpretação, encontrando as chaves hermenêuticas próprias para que a graça e o dom do Concílio cheguem às próximas gerações da forma mais integral possível: como “evento pastoral”83 que bebe da teologia dos Padres e aponta os sinais do tempo presente como pressuposto básico de atuação encarnada da Igreja na história com todas as consequências desse posicionamento.

Além disso, tudo o que foi o Concílio Vaticano II já é parte da tradição viva da Igreja, como aquilo que é conteúdo e dá sentido à fé cristã, sem reduções e falsas concepções que tentem de alguma forma minimizar os efeitos de um Concílio tido por muitos como

meramente pastoral (grifo nosso).

Propor à Igreja seu mistério significa antes de tudo tomar consciência de si mesma, elevando a conhecimento reflexo e traduzindo em formulação conceptual ou expressão simbólica essa vivência prévia e fundante que ela possui de si mesma, isto é, tal como a fé dos cristãos, infalível no seu exercício comunitário, realiza-a, e tal como o magistério da totalidade episcopal, infalível na sua atuação colegial, a expõe. Existência eclesial e consciência eclesial são realidades historicamente coextensivas. A Igreja começou em definitivo a existir no momento em que se sentiu como tal. Eleita por Cristo qual novo Israel durante a sua pregação, adquirida com seu sangue na cruz, ela vê plenamente a luz no Pentecostes, ao se sentir animada pelo Espírito Santo, que, descendo sobre todos os que estavam reunidos, lhes deu consciência de um nós referidos a Cristo, na posse de uma vida nova, sentindo-se salvos. O órgão desta percepção original, que faz a Igreja sentir-se tal, é um dom para todos os batizados.84

83 Cf. MELLONI, A, Op.cit., p. 55 et.seq. E prossegue ainda, citando CHENU, M.D. Un concile pastoral. IN: Parole et mission, n. 21, pp.182-202 (abril de 1963): “A palavra pastoral torna-se, se não um sinal de contradição, pelo menos uma palavra de ordem ou de contestação [..] o caráter pastoral tornou-se o primeiro critério da verdade a ser formulada e proposta e não apenas o motivo das decisões, práticas a serem adotadas. Portanto, o termo pastoral qualifica uma teologia, um modo de pensar a teologia e de ensinar a fé, ou melhor: uma visão da economia da salvação.”

84 HERNÁNDEZ, Olegário G. A Nova Consciência da Igreja e seus Pressupostos Histórico-Teológicos. IN: BARAÚNA, Guilherme. A Igreja do Vaticano II. pp. 269-270. E prossegue ainda: “Cada momento histórico tem

Podemos dizer com toda a segurança que o Concílio Vaticano II atualizou a identidade da Igreja como nunca fora feito antes. E se assim consideramos, podemos também afirmar que se ainda temos nele nossa referência principal na atualidade, então devemos sempre que tratamos de algum tema essencialmente eclesial, como é o tema da missão, tê-lo diante dos olhos.

O Papa Bento XVI, em sua primeira homilia como papa, na Capela Sistina, em 20 de abril de 2005, diante dos cardeais presentes, referiu-se ao Concílio Vaticano II como bússola com a qual a Igreja deve orientar-se no vasto oceano do terceiro milênio. Fez referência ainda ao testamento espiritual de João Paulo II, segundo o qual as novas gerações deverão servir-se ainda por muito tempo das riquezas proporcionadas pelo Concílio.

É partindo do evento conciliar que daremos o próximo passo. Olhar para as Conferências Episcopais Latino-Americanas como fruto natural do Concílio e momentos- síntese desta renovação. Da Conferência de Medellín (1968) até a Conferência de Aparecida (2007) fez-se um longo caminho, que por vezes tornou-se um “caminhar descalço sobre

pedras.” 85 Mas, enfim chegou-se a Aparecida. E ali temos o que consideramos um ponto de convergência da longa caminhada: o tema da missão posto ao centro da reflexão, como proposta de atuação pastoral e como modus vivendi de todo o ser da Igreja.

2.6 A RECEPÇÃO LATINO-AMERICANA DO CONCÍLIO VATICANO II: