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Que significa ser peregrino no CPIS? Ou “quem anda por gosto não cansa!”

de Santiago de Compostela

5. Que significa ser peregrino no CPIS? Ou “quem anda por gosto não cansa!”

Nesta seção da nossa análise apresentamos os significados da experiência peregrina ou turiperegrina (cf. Pereiro, 2017), segundo as óticas, no CPIS. O objetivo é conhecer os sentidos da experiência humana, sempre complexa, e tentar dar alguma luz sobre ela. Em primeiro lugar recorremos a alguns dos relatos que os peregrinos portugueses partilharam connosco:

“Conhecer locais e pessoas novas” (homem, 47 anos, português, maio de 2016).

“Aprender mais sobre a história do caminho de Santiago de Compostela, como surgiu” (homem, 47 anos, português, maio de 2016).

“Um dos aspetos positivos foi o convívio com o meu grupo de caminhada e o único aspeto negativo que posso apontar era o calor e as dores musculares de caminhar muito” (mulher, 20 anos, portuguesa, maio 2016).

“Aprendi que podemos fazer coisas diferentes e ao mesmo tempo divertidas estando com um grupo de pessoas com diferentes idades e personalidades” (mulher, 20 anos, portuguesa, maio de 2016).

“Fiquei muito feliz após o percurso, porque este tipo de caminhadas para além de serem feitas em grupo, temos momentos dedicados só para nós e para os nossos pensamentos” (mulher, 20 anos, portuguesa, maio de 2016). “Normalmente o ideal é fazer o caminho com 7, 8 pessoas. No caso de se que-

rer levar por exemplo, um carro de apoio. É o ideal. Mas também gosto de fazer o Caminho sozinho. Porque conseguimos apreciar mais os aromas, os cheiros, a paisagem, enfim…!” (homem, 70 anos, português, 25 de abril de 2016).

“O Caminheiro, o peregrino de Santiago foge sempre dos hotéis, procuram sempre o albergue, porque para além de um ponto de reunião de todos os peregrinos, eles falam, comentam, brincam e fazem conversa…e estas partes são muito importantes”. (homem, 70 anos, português, 25 de abril de 2016).

“Sim e experiências. Fundamentalmente é a partilha, de água, do vinho, da comida, e tudo é interessante. As pessoas gostam de conhecer outras gas- tronomias, o que se faz na nossa zona, o que se faz nas zonas dele, o que há de bom. NUNCA deixamos de o que de melhor essa zona tem, da parte histórica sobretudo. Li uma parte que falava de um húngaro que todos os dias escrevia uns poemas, numa parede que pintava de branco: “ Peregrino que força te move”. Só esta pergunta faz-nos sentir o que é o Caminho para Santiago…O que nos move não sei se é a parte da Fé, se é a parte religiosa, se é a parte histórica…se o que é!? Para mim é TUDO, é um conjunto de emoções. É uma viagem muito espiritual, é mais para dentro, mais interior, não se extravasa. Em Fátima É uma peregrinação

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totalmente diferente. São totalmente diferentes, não tem nada a ver uma coisa com a outra! A peregrinação de Santiago é como o apóstolo fazia, já é secular. Nossa Senhora de Fátima tem uma envolvência quase só religiosa. Na minha ótica, que fiz mais de 30 vezes! Quando se faz o caminho torna-se necessário levar um pau, há quem chame um bastão que é o termo mais apropriado na peregrinação. Ajuda-nos nas subidas e descidas e pode dar para nos defendermos de um animal qualquer que possa, eventualmente atacar-nos. Ou para desviar umas “silvas” ou arbustos. O bastão é o nosso companheiro de viagem. Levo sempre uma vieira em forma de concha, ou a simbolizar uma espada. Botas e mochila, a última estava velha e queimei-a, mas vou arranjar outra, para continuar a fazer o caminho para Santiago” (homem, 70 anos, portu- guês, 25 de abril de 2016).

“Quem realiza este caminho de alma e coração, acho que não pode apontar aspetos negativos. A sensação de liberdade da mente e corpo é indiscrití- vel” (homem, 45 anos, português, maio de 2016).

“Um dos locais por onde passei e que mais me marcou foi uma ponte perto de Santiago onde houve um acidente de comboio gravíssimo em 2013, ai vimos as memórias dos familiares e amigos das vítimas, isso fez-me refletir ainda mais sobre a viagem, nos já íamos com a alma cheia de coisas, e ao ver aquilo fez-nos pensar numa série de questões existenciais. Foi um choque antes de entrar no destino” (homem, 40 anos, português, 17-06- 2016).

“É todo vivido tão intensamente que quando chegamos ao fim ficamos com um sentimento de vazio não pela experiência mas pela saudade que deixa e porque se quer viver todo de novo” (homem, 40 anos, português, 17- 06-2016).

“…A nossa mochila é a nossa confidente, amiga, o nosso mundo. Nós apenas temos uma mochila. A mochila não representa só o que levamos, represen- ta o que temos e o que podemos deixar…” (homem, 52 anos, português, 9-05-2016).

“E esta viagem é ótima para pensarmos mais sobre nós, qual a nossa missão e agradecer sempre a Deus por mais um dia! Cada dia é uma oportunidade, uma dádiva” (homem, 52 anos, português, 9-05-2016).

“Depois de ter feito a caminhada tornei-me uma pessoa mais ponderada, consigo agir de outra maneira, reajo moderadamente. Cresci muito a nível pessoal e espiritual, isto enriquece muito uma pessoa. Se numa viagem não conseguirmos fazer a viagem da cabeça ao coração está a viagem per- dida. Quando chego a casa venho como novo. Os galegos usam muito esta expressão “sem dor não há glória” (homem, 52 anos, português, 9-05- 2016).

“Comecei a dedicar-me mais ao culto do corpo como corrida e marcha e fre- quentei durante dois anos um ginásio local” (homem, 55 anos, português, 25-04-2016)

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“Foi peregrinação pois o objetivo era chegar a Santiago de Compostela; foi tu- rismo pois conheci vários lugares inesquecíveis e pessoas oriundas e vindas de vários países” (mulher, 20 anos, portuguesa, 16-04-2016).

“Aprende-se a viver em grupo” (homem, português, 19-04-2016).

“É um caminho que nos ajuda a nos reencontrarmos. O que é isso? Só fazendo o caminho se descobre. É como ser pai. Só depois de o ser é que sabemos o que é” (homem, 35 anos, português, 6-05-2016).

“Fátima, Sra. da Lapa, S. Macário, Sra. da Graça. Todas de Bicicleta. O Cam- inho de Santiago é diferente. Muito diferente. Mais místico” (homem, 35 anos, português, 6-05-2016).

“Acho que o caminho está bem sinalizado. O percurso é muito mais difícil do que o do litoral que já tinha feito, mas é mais recompensador fazer este porque exige mais esforço e também dedicação e chegasse ao fim com uma sensação de renovação espiritual e física também” (mulher, 49 anos, 8-05-2016).

“Foi uma experiência muito enriquecedora a nível espiritual. Aprendi a supe- rar desafios e a mim própria pois nunca pensei conseguir fazer este camin- ho… Sim, superei um objetivo que tinha proposto a mim mesma e quando terminei senti-me uma pessoa realizada, uma pessoa mais leve, senti-me muito melhor” (mulher, 49 anos, portuguesa, 8-05-2016).

“Muita paz de espírito e sempre uma vontade enorme de voltar” (mulher, 32 anos, portuguesa, maio de 2016).

“Não levamos carro de apoio, penso que “acaba” um pouco com o sentido de aventura que esta experiência proporciona” (homem, 51 anos, 26-04- 2016).

“Em termos espirituais mudou-me totalmente. O homem precisa de Deus, e de vez em quando faz bem-fazer um retiro/ peregrinação. Para cortar com o dia-a-dia e tornarmo-nos muito mais sensíveis ao respeito à natureza e património” (homem, 59 anos, português, maio de 2016).

“Para Fátima temos pressa de chegar, para Santiago temos pressa de partir” (homem, 56 anos, português, 16-05-2016).

“Conheci muitas pessoas e vivi momentos incríveis que nunca irei esquecer” (homem, 39 anos, português, maio de 2016).

“Os aspetos positivos são a abertura das pessoas, pois toda a gente se fala e toda a gente partilha experiências. Os aspetos negativos são ir num grupo muito grande, pois uns querem andar rápido e outros devagar, é difícil gerir. O facto de também terem apanhado chuva numa peregrinação e não estarem a contar com isso” (homem, 53 anos; mulher 54 anos, maio de 2016)

“Grande amizade” “peregrinação e divertimento” (homem, 49 anos, portu- guês, 23-11-2018).

“Peregrinação” (homem, 42 anos, português, 23-11-2018).

“Turismo e peregrinação” (homem, 32 anos, português, 23-11-2018); (ho- mem, 58 anos, brasileiro, 23-11-2018).

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Vejamos, em seguida, alguns relatos que os peregrinos estrangeiros do CPIS partilharam connosco:

“Turismo y peregrinación” (mulher, 52 anos, galega, 23-11-2018).

“Pilgrimage. I do these walks for religious reasons alone” (homem, 54 anos, irlandês, 14-05-2018).

“Turismo e peregrinação” (mulher, 39 anos, russa, 23-11-2018). ”Peregrinação” (homem, 47 anos, brasileiro, 23-11-2018)

“Li muitos relatos de pessoas que fizeram o caminho, mas poucos com o sen- timento religioso, de entender que esses caminhos eram feitos por pessoas, há muito tempo, que buscavam uma graça ou que agradeciam por algo e que o destino final era o encontro com o sepulcro de um apóstolo de cristo. Era estar em um local sagrado, de estar perto de algo que um tempo esteve junto a jesus. O meu objetivo era reavivar minha fé, superando todas as dificuldades, não só físicas. O que iria provocar em minha vida não tinha conhecimento, mas queria tentar” (homem, 47 anos, brasileiro, 23-11- 2018).

“Pilgrimage. Sometimes I didn’t feel like I was on the Camino the Santiago at all, no other pilgrims, no cafes and route is too touristic (detours). Route not well designed, way too tough… It is not a touristic experience” (mul- her, 37 anos, holandesa, 23-11-2018).

“Viaje” (homem, 47 anos, espanhol, 23-11-2018). “Turismo” (homem, 68 anos, eslovaco, 14-11-2018). “Peregrinação” (mulher, 30 anos, alemã, 23-11-2018)

Após a exposição destes testemunhos vamos apresentar o campo semântico social dos sentidos das experiências de peregrinação no CPIS. Os significados sociais e culturais destas experiências incidem nos seguintes eixos de signifi- cação ou linhas argumentais:

a) Conhecer outras pessoas, lidar com a diversidade cultural, aprender a viver com outros, sociabilidade entre peregrinos, amizade.

b) Conhecer outros lugares.

c) Aprender história, coisas diferentes e divertidas. d) Conviver intragrupalmente e partilhar.

e) Dor, esforço, calor,

f) Reflexão pessoal, reencontro pessoal, pensar na existência humana, re- tiro, encher a alma, viagem espiritual e interior, crescimento pessoal e espiritual, renovação física e espiritual, transformação e mudança de ca- ráter, ganhar mais sensibilidade pela natureza e o património cultural. g) Saudade da experiência peregrina após ter concluído a peregrinação. h) Religião, fé em Deus, agradecimento a Deus pela vida, reavivar a fé. i) História e reviver a história.

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k) Superação, desafio, aventura.

l) esprendimento de bens materiais, aprender o que importante na vida. m) Cultivo do culto ao corpo.

n) Peregrinação e turismo. o) Misticismo.

p) Viagem turística.

6. Que fazem os peregrinos no CPIS? - Práticas sociais dos pe-