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O QUE SIGNIFICA UMA EDUCAÇÂO ENQUANTO SITUAÇÂO VERDADEIRAMENTE GNOSIOLÓGICA?

Equivocada também está a concepção segundo a qual o quefazer educativo é um ato de transmissão ou de extensão sistemática de um saber. A educação, pelo

contrário, em lugar de ser esta transferência do saber - que o torna quase “morto” – é situação gnosiológica em seu sentido mais amplo. (FREIRE, 2002b, p. 68).

A educacão enquanto situação verdadeiramente gnosiológica é a abertura da consciência ao mundo que permite ao sujeito transcender na busca do SER MAIS, da aprendizagem, da conquista pessoal e coletiva de sentidos e realizações. É esse movimento da consciência intencionada a compreender o fenômeno do mundo e da existência humana que faculta à criatura o desejo de aprender, re-aprender, desaprender, apreender, fazendo homens e mulheres seres aprendentes, capazes de refinar sua aprendizagem, em busca da melhoria de sua qualidade.

Essa aprendizagem do mundo, dos outros, de si mesmo, gera um produto: os conhecimentos, que constituem a cultura de um grupo, povo, sociedade, nação, espécie humana, através da ação e do trabalho. Como acontece com outras categorias do pensamento freireano, a aprendizagem também se apresenta em níveis e tipos diferentes, pois o homem, corpo consciente, vive uma pluralidade de experiências e situações de aprendizagem. O que Freire defende, e de modo radical, é que todos os homens e todas as mulheres, como seres inconclusos, inacabados e incompletos, são seres de aprendizagem, não aceitando qualquer idéia ou concepção educacional que aponte, principalmente em relação a pessoas das camadas populares, a existência de uma certa incapacidade de aprender ou de uma aprendizagem caracterizada pela superficialidade, pela ingenuidade.

Qualquer afirmativa no sentido acima, continua, está imbuída de uma postura ideológica a serviço da opressão, da exploração ou da exclusão social, especialmente através da educação e dos sistemas educacionais construídos social e historicamente.

Mesmo considerando a educação como um quefazer humano, sabemos que sua realização se dá numa situacionalidade e numa temporalidade marcadas por características e condicionantes sócio-históricos específicos que redundam em educações diferenciadas para pessoas de diferentes posições sociais o que, aliás, a história da educação registra larga e profusamente.

A educação é vista assim, como um processo que se dá na realidade histórica, na existência concreta e a aprendizagem é um produto da práxis educacional, tanto mais verdadeira quanto mais essa educação se apresente como uma situação gnosiológica, oportunizando uma “aproximação crítica da realidade” (FREIRE, 2006b, p. 29) aos sujeitos nela envolvidos.

Na obra Extensão ou Comunicação?, Freire desdobrará a temática específica da educação enquanto uma situação gnosiológica, fundamentando sua concepção na visão do ser humano como corpo consciente e de relações com o mundo, “relações em que a subjetividade, que toma corpo na objetividade, constitui, com esta, uma unidade dialética, onde se gera um conhecer solidário com o agir e vice-versa.” (FREIRE, 2002b, p. 74-75). É na práxis, e só nela, que o homem se desenvolve enquanto ser cognoscente e, por isso mesmo, Freire critica as visões que dicotomizam essas relações bem como as conseqüências no campo educacional19.

As visões das diversas teorias sobre as relações homem-mundo numa perspectiva dicotômica, prossegue nosso autor, geraram equivocadas concepções da educação que têm servido à construção de processos que afastaram (e afastam!) homens e mulheres da sua condição de sujeitos históricos, por estarem comprometidas com a visão reducionista da educação vista apenas como instrumento de adaptação (e só!) das novas gerações à realidade objetiva encontrada.

Posicionando-se contra essa visão que classifica como instrumento a serviço da dominação e da exclusão, Paulo Freire proclama que não há educação neutra, ela está a serviço de ou contra interesses e ideologias. Ao permanecer no nível de adaptação – algo necessário inicialmente no processo de socialização das novas gerações – essa educação é uma forma de limitar a capacidade crítica, criativa e transformadora que os seres humanos podem desenvolver através da conscientização.

A educação que se “fecha” no objetivo de “adaptar” os indivíduos da geração nova à realidade histórica, objetiva e concreta (como realidade “dada”), encontra na transmissão ou depósito de conteúdos definidos e

acabados sua maneira de realizar-se, com todas as conseqüências advindas dessa opção. Nessa direção, o professor faz discursos, apresenta comunicados aos alunos, não há espaço para a pergunta, a dúvida, o diálogo.

A essência de uma prática educativa centrada na “transferência” de conhecimentos é a passividade do educando que, conseqüentemente, é inibido em sua capacidade criadora, reduzido em suas possibilidades cognoscentes de compreender criticamente a realidade.

Freire assevera que a educação que assim procede

[...] renuncia a ser uma situação gnosiológica autêntica, para ser esta narrativa verbalista, [que] não possibilita aos educandos a superação do domínio da doxa e o acesso ao

logos. E, se eles o conseguem, é que o fizeram a despeito da

educação mesma. (FREIRE, 2002b, p. 81).

Denominando essa educação de assistencialista, Paulo Freire ainda a caracteriza como rígida, dogmática e autoritária, formadora de educandos “adaptados”, ingênuos e dóceis enquanto cidadãos. Já é por demais conhecida a expressão que é uma marca da pedagogia freireana para designar essa forma de conceber e fazer educação: Educação Bancária, considerada pelo autor em destaque como instrumento de exploração e manipulação, especialmente junto às camadas populares para que recebam de modo passivo os “depósitos” de conhecimentos necessários à adaptação social, tendo subtraída “a sua possibilidade e o seu direito de transformar o mundo.”(FREIRE, 2002b, p. 76).

Vejamos quais as condições indicadas por Freire para que uma situação pedagógica supere as características da educação bancária e se apresente como uma situação gnosiológica. São elas:

ser problematizadora, estimulando a superação da doxa pelo logos (FREIRE, 2005a, p.80);

superar a contradição educador-educando, oportunizando a relação dialógica, condição de cognoscibilidade dos sujeitos em torno dos objetos cognoscíveis, mediatizadores dos tais sujeitos cognoscentes : educador e educandos (FRIRE, 2007d, p.70-72)