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Parte 4. Narrativas de professoras

4.2 Normatizações de gênero

4.2.1 Quebrar e/ou reiterar estereótipos de gênero

Esse grupo analítico trata dos fragmentos de narrativas sobre as atividades realizadas nas aulas de Educação Física em que as docentes tentaram quebrar os

estereótipos de gênero. A professora Sonia afirmou que realiza aulas mistas.

Entretanto, com o intuito de que as meninas pudessem participar das aulas de vôlei, a docente, no ano anterior, as separou do grupo dos meninos por um período de tempo delimitado. O objetivo era de que elas pudessem aprender os fundamentos do esporte e depois fosse possível praticarem o esporte juntas/os.

Mas eu nunca dou uma atividade que eu planejo e falo: “Eu vou fazer isso com as meninas e enquanto as meninas fazem isso, eu faço isso”. Até tive nesse bimestre, eu tive muita dificuldade com as meninas, no vôlei, e eu separei os meninos. Enquanto eles ficavam jogando, fiquei fazendo uma outra atividade com as meninas ali [...] (Professora Sonia)

A professora diz que tenta evitar que haja desigualdade de condições nas aulas. Ela se preocupa porque sugere que as meninas sejam menos habilidosas. Desse modo, ela as separou para aprimorar os fundamentos do esporte, para que posteriormente pudessem jogar com os meninos em “pé de igualdade”. A fala sobre a falta de habilidade esportiva das meninas é bastante presente nas narrativas das professoras. Entretanto, mesmo com a intenção de fortalecer tecnicamente as meninas diante dos meninos, as meninas acabaram encerradas no estereótipo da falta de habilidade para os esportes e das regras desportivas. É importante perceber que meninos também possuem dificuldades e devem ser observados em suas necessidades. Entretanto, a dicotomia meninos hábeis e meninas inábeis faz parte dos processos de generificação das aulas de Educação Física. Sobre esse tema, Donald Sabo, ao citar sua experiência pessoal, ressalta:

Finalmente, quando eu era estudante universitário, no início dos anos 70, me descobri insatisfeito com muitos dos “jogos de gênero” que era obrigado a encenar com os amigos e com as mulheres. Não me sentia à vontade com o papel masculino tradicional – fingindo que me sentia seguro com as mulheres e que lhes era indiferente, quando de fato me sentia inseguro e vulnerável, mostrando-me duro por fora e sem nunca falar nas questões pessoais que me remoíam por dentro. (SABO, 2002, p. 40)

(GR), disse o quão bem sucedida é a proposta da sua escola de separar turmas de meninas e de meninos. Para ela, realizar um trabalho com a GR somente com as meninas evita os problemas que ocorreriam em uma aula mista e, sobretudo, evita também a necessidade de uma discussão mais apurada sobre as questões de gênero, tornando sua tarefa mais cômoda. Antes mesmo de a escola adotar o sistema de aulas separadas e, para evitar questionamentos, a docente apresentava

aos alunos a GR como aula de habilidades femininas. Mesmo que as Diretrizes

Curriculares - DCEB/EF apresentem a GR como uma oportunidade de romper com

os estereótipos de gênero,54 a professora separava suas alunas e alunos com muita

convicção.

Sabendo que a GRD é um esporte só para mulheres, como é que eu vou jogar isso pros meninos, eu vou falar pra eles, eles vão fazer um esporte, do qual só mulher pratica? Eu vou ter que trabalhar muita coisa em cima do preconceito, pra convencê-los que, vai ter que fazer. Como é que eu fazia isso: eu, ao invés de falar que eu tava trabalhando a GRD, eu não usava a palavra GRD, mas eu dizia assim: “Nós vamos trabalhar, é [...] habilidades” Antes de fazer a divisão. Agora não, eu não tenho problema em falar. Agora eu f [aço] porque o trabalho que você tem! Você chegar e falar: “Nós vamos trabalhar GRD”. Pros meninos eu tenho que convencer de que aquilo não é coisa [...] É um trabalho que eu vou ter [...] (Professora Rocio)

A fala da docente mostrou que ainda há dificuldade de um entendimento de que os processos de generificação são impostos nas aulas. Percebe-se a falta de uma compreensão sobre a construção dos processos que naturalizam os estereótipos de gênero. A alternativa citada pela professora se alinha com a idéia de que não é tarefa da Educação Física lidar com questões de gênero, o que Priscila Gomes Dornelles (2009) ressalta ao analisar as relações de poder entre os gêneros, estabelecidas nas aulas separadas. Segundo a autora

[...] a Educação Física não tensiona suas próprias medidas, suas formas de conhecer, representar, classificar, categorizar meninos e meninas. Atribui-se à separação uma necessidade na medida em que se atravessam concepções de corpo e gênero que comparam meninos e meninas; nessa comparação, estabelecem-se juízos de valor, sentidos que circulam naquele contexto e que dimensionam os distintos destinos dos/as estudantes nas aulas dessa disciplina durante a vida escolar. Tais ‘destinos’, por vezes,são rompidos, mas, na lógica da medida comum, ocupam o lugar das exceções. (p. 06)

54

Nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Educação Física - DCEB/EF (2008), analisadas na parte 3 desta dissertação, há a indicação de que a Ginástica Rítmica – GR, seja o conteúdo pertinente para as questões de gênero discutidas enquanto construção social. Mas, paradoxalmente, gênero está elencado no documento entre elementos relacionados à saúde.

A utilização da GR enquanto conteúdo também foi destacada pela professora Lucia. Entretanto, diferentemente da professora Rocio, a professora Lucia

tinha como objetivo de que meninas e meninos realizassem as mesmas atividades, através de adaptações. Isto é, segundo ela, realizando a atividade de uma forma que esta estivesse conformada tanto ao gênero feminino quanto ao masculino, a partir da

supressão ou introdução de elementos. No entanto, Lucia foi descrevendo como os

meninos acabaram realizando a atividade somente com materiais e gestos que se adequam a um modelo de masculinidade hegemônica, por exemplo, a bola manipulada com a cabeça e os pés. Além disso, ela permitiu que os meninos também não participassem da aula se não quiserem, ou se se sentissem pouco à vontade.

[...] eles trabalharam com corda, trabalharam com bola, com os arcos, alguns meninos não quiseram, nem fazer nada, por que eu dei a liberdade: “Vocês podem montar a coreografia que tem que ter quatro passos, com este material que vocês têm então vocês podem pular uma vez corda, podem jogar corda pra cima, podem trocar cordas e podem jogar no chão. Já deu quatro passos, quatro movimentos”. Muitos meninos não fizeram, mas uma outra maioria fez, mesmo com este material, porque daí com a bola eles já podiam dar um chutinho, já podiam bater no chão, já podiam jogar na cabeça.(Professora Lucia)

A professora Lucia descreveu ainda a adaptação realizada por ela, o que permitiu observar suas intenções de quebrar os estereótipos de gênero. Ela também narrou que um aluno homossexual, a pedido das meninas, realizou as aulas com elas, para evitar retaliações de outros meninos.

[...] então no caçador eles se dividem e o menino fala: “Professora, eu só quero jogar no time das meninas [...] Eu falei: “Ok, você vai jogar no time das meninas”. Eu ponho ele no time das meninas e pego mais dois ou mais três alunos, do mais “machão” que tem lá, que mais a gente sabe que vai zoar do menino, então ponho eles no time das meninas, ele não fica sozinho, fica com dois, ou três ou quatro alunos. Se o menino tava indo ali direto, eu percebi que tinha alguns meninos que iam começar a caçoar do menino. Eu falei: “Vocês dois aqui pro time das meninas!”[...] [Alunos perguntam:] “Mas por que eles foram pro time das meninas?” [Resposta da professora:] “É que as meninas estão em menor quantidade e precisa colocar mais dois aqui pra completar. E começa o jogo: o que acontece? Um daqueles dos times dos meninos, foi xingar, esse daqui não vai admitir que xingue ou de gay, ou de bicha, ou de viadinho, porque eles xingam mesmo. Falam isso. Não vai admitir, por que tá um amigo deles, então a gente tenta separar desta maneira, e eu fiz com que ele jogasse, deixei eles jogarem. (Professora Lucia)

Entretanto, as descrições que ela nos apresenta dão um entendimento de que as aulas, mesmo com as intenções de fugir da dicotomização, acabaram por separar meninas e meninos nas atividades. O aluno homossexual foi fazer as

atividades com as meninas e desse modo, mesmo sendo uma aula de GR as

masculinidades hegemônicas foram preservadas. Separar e juntar parece um jogo para a preservação das masculinidades hegemônicas. “Xingar de viadinho, bicha, gay, porque eles xingam mesmo”. É interessante notar que a preocupação no discurso escolar é a preservação da masculinidade dos garotos heterossexuais, o menino homossexual será protegido junto das meninas, pela afirmação de uma não masculinidade, ou mesmo de sua feminilidade. Desta forma, as diferenças e conflitos estabelecidos ficaram diluídos numa falaciosa ideia de igualdade de condições. Entretanto, aquilo que importa realmente é que todas/os participem da atividade.