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3 Conceitos fundamentais sobre o tema

3.2 Quem é o adolescente ao qual se destina a medida socioeducativa?

As ações do indivíduo constroem, modificam e transformam os espaços por meio das relações ali estabelecidas e o espaço contribui para a concretização destas. O espaço aqui considerado é uma unidade socioeducativa de internação cujo sujeito alvo da ação socioeducativa é o adolescente, o jovem que cometeu um ato infracional grave e que por isso está em conflito com a lei. Ele habita, mesmo que temporariamente, aquele espaço e a ele se dirige toda a ação socioeducativa empreendida pela equipe técnica.

Mas, antes mesmo de definir o perfil do adolescente que pratica um ato infracional é preciso entender que antes do conflito com a lei existe um sujeito:

O adolescente autor de ato infracional é antes de tudo adolescente – uma etapa peculiar do desenvolvimento humano que adquire configurações singulares em circunstâncias históricas e contextos econômicos, sociais e culturais diversos. Portanto, a abordagem para compreendê-lo considera as variáveis relativas às intensas mudanças físicas, biológicas, psicológicas; variáveis relativas a seus grupos de pertencimento, a seu meio social e a seu trânsito no mundo da cultura (TEIXEIRA, 2006, p.427)

O termo adolescente, por si só, é carregado de estigmas e pré-conceitos. Considera-se a adolescência uma fase de rebeldia, crises e transformações. Uma etapa difícil e problemática, onde o sujeito não é mais criança, mas ainda não é adulto, é uma fase de transição.

Cria-se uma identidade única para todo e qualquer adolescente, como um estereótipo desta fase. Constrói-se então a identidade de um grupo, considerando-os iguais, classificando- os socialmente por possuírem características semelhantes, ou seja, algo que se repete para todos, de acordo com critérios que a sociedade estabelece como sendo corretos, sem considerar as peculiaridades de cada indivíduo.

Mas, de acordo com Souza (2007), a adolescência não pode ser considerada apenas uma fase de transição do desenvolvimento humano, isso não é suficiente para entender a multiplicidade de relações sociais e culturais que permeiam as diversas formas de adolescência, principalmente quando consideramos o Brasil com sua imensa diversidade cultural e social.

Além de estar numa fase transitória, é preciso entender o jovem como membro da sociedade, indivíduo que passa por uma etapa do desenvolvimento que é muito importante para a formação da sua personalidade, onde o meio que habita e as relações que estabelece com sua família e amigos são fundamentais para a escolha dos caminhos que irá seguir pelo restante de sua vida.

Os autores adeptos da psicologia sócio-histórica para o adolescente (OZELLA, 2002; BOCK, 2004) consideram que só é possível compreender a adolescência quando a inserimos em uma totalidade.

A adolescência é produto do desenvolvimento da sociedade e, portanto, sua construção é reiterada e depende das relações sociais do jovem, da classe social que pertence, da sua cultura, da história de vida individual, do espaço habitado por cada um. Assim, considera-se aqui o adolescente como sujeito sócio-histórico (OZELLA, 2002; BOCK, 2004):

A adolescência é social e histórica. Pode existir hoje e não existir mais amanhã, em uma nova formação social; pode existir aqui e não existir ali; pode existir mais evidenciada em um determinado grupo social, em uma mesma sociedade (aquele grupo que fica mais afastado do trabalho), e não tão clara em outros grupos (os que se engajam no trabalho desde cedo e adquirem autonomia financeira mais cedo). Não há uma adolescência, como possibilidade de ser; há uma adolescência como significado social, mas suas possibilidades de expressão são muitas. (BOCK, 2004, p. 42)

Tal como considera Teixeira (2006), ao abordar o adolescente em conflito com a lei é preciso considerar que o jovem se constrói diante de inúmeros acontecimentos, sendo a prática do ato infracional um dos acontecimentos da sua vida. Apesar de estar em conflito com a lei, o jovem é um sujeito sócio-histórico cuja construção foi engendrada por vários acontecimentos sociais.

A adolescência é uma fase de transição e de desenvolvimento biológico e mental intenso, que se distingue claramente da fase adulta e da infância. Mas, o que se quer aqui é destacar que, além disso, cada jovem tem suas peculiaridades, assim como cada criança e cada adulto, onde é preciso considerar cada indivíduo como construído socialmente e sujeito a uma série de condicionantes que, nem sempre, se repetem.

3.2.1 Perfil do adolescente em conflito com a lei

Tal como demonstra pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), coordenado por Silva e Gueresi (2003), os estudos sobre os jovens associam o cometimento do ato infracional não à pobreza, mas a desigualdade social e a ausência de políticas públicas básicas para o atendimento.

Muitos autores demonstram que a desigualdade é incentivada pela mídia televisiva (ASSIS, 1999; ROSA, 2007; WORM, 2007) como instrumento que contribui para avultar a diferença entre ricos e pobres e enfatizar o consumo como meio de inserção social. Na falta de oportunidade e na tentativa de se incluir na sociedade de consumo (com roupas, calçados e celulares das melhores marcas), muitos jovens se vêem no mundo do crime e praticam atos infracionais.

Assis (1999), ao investigar jovens cumprindo medida em unidades de internação, constatou que boa parte deles utilizava o dinheiro obtido no ato infracional para comprar roupas, sapatos e objetos de desejo, tão enfatizados pela mídia como meio de inclusão social.

Outros ainda roubavam para ir às festas e se divertir com os amigos, mais uma forma de inclusão social.

Tais pesquisas corroboram com os dados do próprio IPEA (2003) que comprovam que mais de 40% dos delitos cometidos por adolescentes são contra o patrimônio: roubo, furto e latrocínio (matar para roubar), tal como mostra gráfico abaixo:

Figura 04: Gráfico mostra a internação de adolescentes segundo os delitos praticados. Fonte: SILVA, GUERESI, 2003 – IPEA.

A criminalidade entre os jovens está associada à aquisição de bens de consumo onde a infração se apresenta como uma forma de inserção, por meios ilícitos, na sociedade que o exclui. Tal como narra Rosa (2007, p. 103) “paradoxalmente, é pelo ato infracional que esses jovens buscam (e conseguem) se inserir na sociedade de consumo (...) cria-se um ideal de auto-imagem relacionada ao consumo e à aparência física”.

O que foi observado durante as visitas e entrevistas com gestores do sistema socioeducativo no Brasil foi uma grande incidência de adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas, onde além da busca de dinheiro para aquisição de bens de consumo, a questão da luta pelo poder e da formação de gangues e grupos rivais foram bastante ressaltadas, o que merece um estudo mais aprofundado.

De acordo com dados da SEDH (2009) existiam no Brasil, em 2009, 16.940 adolescentes cumprindo medida socioeducativa em meio fechado, sendo 11.901 jovens

cumprindo medida socioeducativa de internação. Do total de jovens, 96% dos que cumprem medida em meio fechado, são do sexo masculino.

A maioria dos jovens é afro-descendente, que não freqüentava a escola quando praticou o crime, era usuário de drogas e a família vivia com uma renda mensal de até dois salários mínimos, ou seja, são jovens cujos atos são, muitas vezes, reflexo da situação social em que vivem:

São adolescentes do sexo masculino (90%); com idade entre 16 e 18 anos (76%); da raça negra (mais de 60%); não freqüentavam a escola (51%), não trabalhavam (49%) e viviam com a família (81%), quando praticaram o delito. Não concluíram o ensino fundamental (quase 90%); eram usuários de drogas (85,6%) (...) Os principais delitos praticados por esses adolescentes foram: roubo (29,5%); homicídio (18,6%); furto (14,8%); e tráfico de drogas (8,7%). (SEDH, 2009, p. 98)

Mas, de acordo com Worm (2007, p. 24) “não existem pré-determinados à delinqüência.” Qualquer jovem pode praticar um ato infracional independente da classe social, da cor e da raça. Apesar de o perfil enfatizar a vulnerabilidade social em que se encontram, é preciso considerar a multiplicidade de fatores que levam o adolescente a cometer um delito. Não é um fator único, mas está relacionado com a história individual de cada jovem como sujeito sócio-histórico.

O fenômeno do cometimento do ato infracional se constitui assim como uma complexidade, onde a desigualdade não é a causa única do cometimento do ato infracional. Não existe um motivo que explique a prática de um crime, mas uma diversidade deles que estão associados às multiplicidades dos contextos sociais. (SOARES, 2006; TEIXEIRA, 2006)

O SINASE vem para regulamentar o que está descrito no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, como tal, está pautado na Doutrina da Proteção Integral da Criança e do Adolescente3, considerando-os sujeitos de direito e que merecem proteção especial. (VERONESE, LIMA, 2009).

No ECA, o adolescente é visto ainda de forma bastante naturalista, sendo consideradas principalmente características físicas. No cometimento de um ato infracional, por exemplo, a separação no ambiente de internação se dá, sobretudo, pela idade e pelo porte físico do jovem.

3 De acordo com Liberati (2003, p.40) a Doutrina da Proteção Integral “preconiza que o direito da criança não deve e não pode ser exclusivo

de uma “categoria” de menor, classificado como “carente”, “abandonado” ou “infrator”, mas deve dirigir-se a todas as crianças e a todos os adolescentes, sem distinção.”

Apesar das normas do ECA e das diretrizes do SINASE evidenciarem a visão naturalista do adolescente, para que a medida socioeducativa cumpra o seu papel, é preciso entender que por trás do estereótipo do adolescente há um sujeito que interfere nas relações sociais, mesmo que de forma negativa (infração). Dessa forma é necessário “educá-lo” para que ele retorne à sociedade e possa interferir “positivamente” na mesma, não mais contrariando a legislação vigente.

Assim, além das transformações biológicas e mentais dessa fase de transição o adolescente, mesmo em conflito com a lei, é sujeito sócio-histórico, pois é um ser dialético que se constrói constantemente através das relações que estabelece com os outros sujeitos e com o espaço que habita, sendo o ato infracional um dos acontecimentos que interferem na sua vida, seja de forma positiva ou negativa.