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A questão das famílias recompostas

3. A EFETIVAÇÃO DO DIREITO DE CONVIVÊNCIA DA CRIANÇA E DO

3.7. A questão das famílias recompostas

Outra questão que vem causando dificuldades na efetivação do direito de convivência da forma como determina a Constituição é a das famílias recompostas ou reconstituídas.

Se o direito de convivência dos filhos deve ser exercido da forma mais ampla possível, na família recomposta se apresenta a necessidade de convivência com os membros da família originária, parentes biológicos, e com os membros da família recomposta, parentes socioafetivos.

Família reconstituída é "a estrutura familiar originada do casamento ou da união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros têm filho ou filhos de um vínculo anterior".143

As famílias recompostas podem se apresentar de diversas formas, como:

a) o genitor, seu filho e o novo companheiro ou cônjuge, sem prole comum; b) o genitor, seu filho e o novo companheiro ou cônjuge, com prole comum; c) os genitores de famílias originárias distintas e seus respectivos filhos, inexistindo prole comum; d) os genitores de famílias originárias distintas e seus respectivos filhos, com prole comum.144

Das relações afetivas nas famílias recompostas, surgem, necessariamente, relações de parentescos sociafetivos, que, como visto, geram direitos e obrigações.

No caso da filiação, não se pode mais reduzi-la à consaguinidade ou adoção, já que hoje se apresenta como “a relação de parentesco consaguíneo em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado” 145. Ter gerado ou receber como se a tivessem gerado indica que a filiação possui

origem biológica, jurídica ou socioafetiva. É biológica quando existe o vínculo genético entre pai e filho; é jurídica quando decorre das presunções de paternidade/maternidade originárias da lei; e é socioafetiva quando surge da posse do estado de filho decorrente da afetividade.

Posse de estado de filho ocorre quando uma pessoa “desfruta do status de filho em relação a outra pessoa, independentemente de essa situação corresponder à realidade legal”. Caracteriza-se pela geração espontânea de um vínculo de parentesco entre “uma pessoa e sua família a que ela diz pertencer”, como ensina Paulo Luiz Netto Lôbo.146

A posse do estado significa desfrutar o integrante da relação social de uma situação equivalente à de filho.147

Maria Berenice Dias assinala que se presentes os elementos que caracterizam a filiação, esta se configura e gera consequências, sendo tais elementos: “(a) tractatus – quando

143 GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas. In: GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 257.

144 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado & RODRIGUES, Renata de Lima. Multiparentalidade como Efeito da Socioafetividade nas Famílias Recompostas, in Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, nº 10, jun/jul 2009, Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, 2009, p.37.

145GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. VI. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 285.

146LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famílias, 3ª ed. Saraiva: São Paulo, 2010, p. 233. 147

PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições do Direito Civil: Direito de Família. v. V. 16ª ed. rev. e atual. Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 366.

o filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho pelo pai e pela mãe; (b)

nominatio – usa o nome da família e assim se apresenta; e reputatio – é conhecido pela

opinião pública como pertencente à família de seus pais”.148

Surgindo dentro da família recomposta a paternidade/maternidade socioafetiva, esta deve ser considerada para efeito de regulamentação do direito de convivência, já que a criança ou o adolescente passa a ter a necessidade de se manter integrado nos vários grupos familiares em que está inserido, quer biológica quer sociofetivamente.

Tal questão, apesar de relevante, principalmente na completude da formação dos filhos, não vem sendo tratada no Direito brasileiro, como leciona Paulo Lôbo:

São justamente os conflitos e os meios de solução para assegurar uma convivência saudável e razoável entre esses figurantes antigos e novos da vida da criança, no melhor interesse desta, que o direito brasileiro desconhece, parecendo que essas entidades familiares são invisíveis. Para os padrastos e madrastas há a sensação de assumirem apenas deveres de intrusos, apesar de as famílias recompostas revelarem características próprias e serem protagonistas no conjunto das entidades familiares.149

A efetivação do direito de convivência nas famílias recompostas se apresenta tão importante quanto após a dissolução da primeira sociedade afetiva, já que os filhos passam a ter mais de uma relação tanto de paternidade quanto de maternidade, o que impõe uma maior complexidade na administração adequada de tais convivências.

Alguns países já tratam dessa questão expressamente em seus códigos, como é o caso da Alemanha, que prevê no § 1697 b do BGB o que lá se denomina “pequeno direito de guarda, no qual “o cônjuge da parte parental que detém sozinha o direito de guarda, que não for genitor do filho, tem, em concordância com a parte parental detentora da guarda, a competência de co-decisão nas questões da vida diária do filho”.150

Na Argentina, embora a lei só considere sujeito ativo do direito, na espécie analisada, o progenitor não convivente, alguns magistrados têm admitido a ação por parte de outros parentes afetivos.151

148DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 366.

149 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famílias, 3ª ed. Saraiva: São Paulo, 2010, p. 89 e 90.

150 SCHÜTER, Wilfred. Código Civil Alemão – Direito de Família, tradução de Elisete Antoniuk, Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2002, p.413.

151

BASSET, Lidia N. Makianich de. Derecho de Visitas – Régimen jurídico del Derecho y Deber de

No Brasil estamos caminhando a passos lentos para a efetivação do direito de convivência nas famílias recompostas, embora os padrastos e madrastas já tenham começado a provocar o Judiciário com ações de regulamentação de “visitas”.

A questão mais controvertida, também nas famílias recompostas, é a da responsabilidade do padrasto e da madrasta em relação ao enteado, configurada a filiação socioafetiva após a dissolução da relação entre estes e o pai ou a mãe detentor(a) da guarda.

Assim como nos parece possível a fixação de um regime de convivência de interesse do padrasto ou da madrasta através de medida judicial, nos parece igualmente possível a postulação de tal convivência por parte do enteado que passou a ter com o padrasto ou a madrasta uma verdadeira relação de filiação socioafetiva.

Essa é mais uma das consequências do afeto como valor jurídico. A paternidade/maternidade socioafetiva impõe obrigações, dentre elas o dever de convivência mesmo após a dissolução da sociedade afetiva.

Poder-se-ia, então, mensurar a possibilidade da necessidade de se estabelecer uma convivência dos filhos com os pais biológicos e seus familiares, juntamente com a fixação de uma convivência dos mesmos filhos com os pais e demais familiares socioafetivos, o que pode ser executado nos exatos moldes da execução da convivência contra o pai não guardião que não vem cumprindo esse dever.

3.8 As sanções processuais para os casos de descumprimento do dever de convivência