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Questão de identidade na cutelaria das Caldas das Taipas

A cutelaria nas Caldas da Taipas surge naturalmente da necessidade. Por isso, consideramo-la um fator identitário do espaço e como tal um património material e imaterial de uma comunidade e/ou grupo.

No testemunho de Raul Cunca na “Ergotrip do Design de 2015”, a definição de identidade é “naturalidade” que se “prende com uma

localização geográfica quer seja pela identificação de um conjunto de características atmosféricas e materiais de um local, quer seja pela determinação do nascimento e do crescimento de um ser humano, de um animal ou coisa”. (Cunca, 2015) A identidade é uma “dimensão em constante mutação e transformação estando esta inteiramente ligada à cultura, que com os tempos encontra novas práticas materiais, ideológicas e rituais”. (Cunca, 2015).

O legado patrimonial da Cutelaria surge como legado cultural, identidade de um espaço e de uma comunidade. Esta arte que surge da necessidade de um artefacto simplificado de características puramente utilitárias, que através da experimentação evolui acompanhando os avanços tecnológicos e construindo um conhecimento não teórico, mas prático. Este conhecimento é adquirido pelos operários do artifício da cutelaria, que tem vindo a passar de geração em geração, de comunidade empresarial em comunidade, construindo e preservando num espaço o conhecimento e a técnica que é dominada como legado. Como designa Raul Cunca estes operários, “homens e mulheres” são

“protagonistas destas práticas laborais que representam (...) um saber fazer quotidiano que se constitui como a identidade técnica” (Cunca,

2015) do seu tempo, o saber empírico.

Concluímos que a identidade de uma comunidade específica nunca estará “fechada” e preservada num tempo e/ou numa técnica. Francisco Providência escreve em “Design et al” que “no processo de

evolução histórica do design, reconhece-se o seu ancestral antepassado artesão como aquele que dominando uma tecnologia (por ele próprio construída) sujeitará as respostas funcionais (programa) às formas da sua tecnologia usando para isso tanto o molde como o modelo”

(Távora, 2014) A tecnologia evolui conforme os tempos recriada sempre pelas comunidades em função do meio envolvente e das evoluções tecnológicas.

A cutelaria surgiu como necessidade utilitária, evoluiu no tempo sofrendo alterações, influenciada pelo ato criativo e ainda pelos avanços tecnológicos que levam à descoberta de novas práticas e novos materiais. A cutelaria avança no tempo adaptando o saber empírico de uma arte inicialmente marcada pela produção artesanal e em oficina para uma produção em grande escala em pavilhões industriais e com produções puramente automatizadas.

Por um lado, podemos considerar este avanço tecnológico benéfico para a indústria que leva mais rapidamente os produtos além- -fronteiras, correspondendo a um mercado mais alargado em menor espaço de tempo, por outro, perde-se a identidade do artifício manual. Vemos implícita uma identidade técnica, apoiada no saber empírico que nasce na base da experimentação, considerada o primeiro nível da identidade.

através do desenvolvimento industrial, (Cunca, 2015). Por um lado, foi possível uma maior expansão dos produtos industrializados, por outro, as pequenas oficinas dotadas da “arte do saber fazer” foram desaparecendo, perdendo-se assim a possibilidade de se manterem

“vivos” os traços artesanais da produção de cutelaria.

À imagem do movimento Arts & Crafts desenvolvido por John Ruskin e William Morris, que defendia a produção de artefatos manuais (artesanais) e criativos para contornar a mecanização e produção massificada desenvolvida pela revolução industrial. Ou seja, para Ruskin e Morris, “design industrial não seria mais do que a emanação direta de

uma correlação de influências recíprocas, entre certas ideias estéticas”

(Maldonado, 1922). O design pode ser a chave reveladora e construtora de significados, mediador entre o artesanato e o industrial.

Através do desenho podemos comunicar no artefacto a identidade através de desenhos que simbolizem o local e o tempo, permitindo nunca se perder o valor do ofício artesanal, recriando-o a nível industrial. O designer, enquanto Humano, tem uma capacidade maior de criar significados, “humanizar quer dizer atribuir significados,

atribuir sempre novos significados” (Távora, 2014); é importante traduzir

no desenho o significado de uma identidade para a valorização dos artefactos da indústria.

Poderíamos defender que para preservar este conhecimento seria pertinente recriar esta produção artesanal em pequenas produções de encomenda; uma peça recriada manualmente transporta consigo um legado de valor acrescentado. Estas peças seriam responsáveis da divulgação desta identidade, em vias de se perder com as produções puramente tecnológicas, permitindo através do desenho fazer renascer o legado deixado pelos “ancestrais” artesãos. A formação deste saber é a base da construção destas peças. É na base da observação e experimentação que se entende todo o comportamento dos materiais e o seu resultado final que se torna único em produção manual.

Atualmente a indústria alia a identidade do próprio meio onde se insere através do contributo do design, que através do desenho cria novos discursos e novos significados, permitindo incrementar nos produtos valores de identidade. Segundo Raul, os “valores de identidade

local” são um “traço distintivo e manifesto de uma cultura bem como um veículo de comunicação dessa mesma cultura”. Raul defende ainda que

o design permite “proporcionar experiência de variadíssimas naturezas

partindo das localizações mais particulares e mais distantes tornando-as assim mais próximas”.

O design assume a responsabilidade de criar novos discursos e novos desenhos. Por fim, é sentida na cutelaria de Guimarães uma necessidade de assumir nos produtos uma identidade que traduza os seus valores através do desenho.