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QUESTÃO INTERTEMPORAL – LEI PENAL BENEFICA?

A revogação parcial do artigo 9º da Lei 8.072/90 beneficiaria aqueles que praticaram crimes contra as pessoas elencadas no revogado artigo 224 do CP? Sim, porém, em parte.

O fato de a vítima ser menor de 14 anos ou portadora de doença mental continuou a ser tutelado pelo Direito Penal, tanto que a pena mínima do artigo 217-A, “caput”, que trata do estupro de vulnerável ficou estabelecida em 08 anos. Assim sendo, o legislador compensou a retirada da majorante prevista na Lei dos Crimes Hediondos, com um aumento na pena cominadora ao novo artigo do Estatuto Repressivo.

Dessa forma, aquele que recebeu condenação pela prática do crime de estupro ou atentado violento ao pudor contra menor de 14 anos ou portador de doença mental e teve a pena acrescida por conta do artigo 9º da Lei 8.072/90, não terá direito ao cancelamento puro e simples desse acréscimo, apesar de algumas vozes já se manifestarem nesse sentido.

Entretanto, fazendo-se uma análise das penas anteriores e atuais (tomemos como exemplo a mínima cominada), constata-se que o estupro simples (art. 213,CP) tinha pena de 06 anos; o qualificado pela lesão grave, de 08 anos, e o qualificado pelo resultado morte da vítima, de 12 anos. Aplicando- se o aumento de metade em razão do artigo 9º da Lei 8.072/90, chegaríamos respectivamente às penas de 09, 12 e 18 anos.

No estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do CP, onde já se considera a menoridade ou deficiência mental da vítima, as penas mínimas cominadas são de 08, 10 e 12 anos, respectivamente.

Desse modo, a nova lei apresenta-se como mais benéfica e conforme já comentado, por força constitucional, deve retroagir para alcançar os fatos anteriores, inclusive os já transitados em julgado, não para simplesmente cancelar o aumento de pena, mas fazer a retificação da pena, corrigindo-a nos

limites estabelecidos pela nova lei. Como exemplo imaginemos que alguém foi condenado por estupro (art.213, “caput” do CP) à pena de 09 anos (pena mínima de 06 anos, majorada de metade pelo fato de a vítima ser menor de 14 anos), terá direito de ter sua pena reduzida para 08 anos, que é o mínimo cominado para o estupro de vulnerável.

Na pesquisa de campo realizada para a efetivação deste trabalho, considerando as respostas dos delegados questionados, ficou claro que inclusive na prática, o legislador teve intenção em tornar o crime de estupro com tipificação mais rigorosa. Porém, algumas aberrações jurídicas11, como a prisão cautelar em sede de inquérito policial que via de regra, pode resultar não só no livramento como na absolvição, facilitaram a defesa.

Ademais, também foi constatado a alta incidência e a captura proporcional dos acusados relacionado ao número de queixas-crime, o que não significa alto índice de prisão pena (prisão após julgamento – processual) devido as facilidades elencadas na esfera processual da Lei 12.015/2009.

1.1.Beijo lascivo

Podemos vislumbrar uma possível desproporcionalidade quanto ao fato de uma pessoa que força alguém a dar um beijo poder ser processada por estupro, recebendo uma pena de 6 a 10 anos. O artigo deveria ser mais específico quanto às espécies de atos libidinosos que se enquadrariam no tipo penal.

Greco12 chama atenção para o fato de que o chamado beijo lascivo jamais se configure em estupro: “Condenar alguém ao cumprimento de uma pena que varia entre 6 a 10 anos de reclusão por ter beijado, à força, uma

11

Dr. Luiz Antônio Ferreira – Delegado Titular da 73ª DP – Neves – SG.

12

Mural. Direito em movimento. Dignidade Sexual – Nova figura típica para o crime de estupro. Rio de Janeiro - RJ: Outubro, 2009 – Nº 68.

outra pessoa, é uma resposta extremamente desproporcional do Estado a esse tipo de comportamento. Poderá, nesse caso, ser responsabilizado pelo delito de constrangimento ilegal, prevista pelo art. 146 do Código Penal, ou mesmo pela contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 da LCP), dependendo da intensidade e da gravidade do fato praticado”.

O legislador, ao criar um tipo legal de crime, deve se orientar por alguns princípios do Direito Penal, como o princípio da intervenção mínima, o princípio da subsidiariedade, entre outros. O princípio que mais tem sido violado pelo legislador na elaboração das leis é o princípio da proporcionalidade. A lei 12.015/2009, claramente, é mais uma manifestação legislativa em que não foi observado o referido princípio.

Com o efeito, o STJ, antes da reforma do Código Penal, já disse que o beijo lascivo, desde que haja violência ou grave ameaça, configurava o delito de atentado violento ao pudor, previsto no revogado art. 214 do Código Penal (RESP 831.058-RS, julgado em 13/9/2007 e publicado no informativo nº 331 do STJ).

Com a reforma do Código Penal, o beijo lascivo com violenta conduta configura o delito de estupro (art.213), punida com pena de reclusão de 6 a 10 anos. Chega-se à seguinte situação, que fere o menor senso de justiça: o beijo lascivo é punido com a mesma pena e com a mesma severidade do que a conjunção carnal. Uma conduta que, embora absolutamente reprovável, possui infinitamente uma menor lesividade, é punida com exatamente a mesma pena do que uma conjunção carnal exercida com violência ou com grave ameaça.

Assim, uma pessoa hoje que forçar alguém a dar um beijo responde pelo delito de estupro (art.213), recebendo uma pena de 6 a 10 anos, em nítida violação ao princípio da proporcionalidade.

De lege ferenda”, o artigo 213 do Código Penal deveria prever escalas penais menores, que deveriam variar de acordo com o grau de lesão ao bem jurídico protegido.

CONCLUSÃO

Com a evolução já veiculada na imprensa acerca do mais gravoso, com a reforma da legislação penal, no que diz respeito aos crimes de estupro, faz parecer que ocorreu um desserviço na proteção do bem jurídico que se pretendia tutelar, ganhando contornos “garantistas” que na verdade fazem beirar um prestígio à impunidade.

Realmente, a nova lei impõe uma pena mais severa para o crime, todavia, e tecnicamente falando, o que a lei fez foi unir sob uma única descrição delitiva, condutas que anteriormente, vinham disciplinados em tipos penais específicos.

Com a inovação, se em um mesmo contexto o agente praticar conjunção carnal e ato libidinoso diverso de conjunção carnal e que não constituam atos preliminares ao coito, cometerá tão somente um crime. Não há que se falar, pois, em concurso de crimes ou mesmo em continuidade delitiva, como poderia ocorrer na perspectiva mais benéfica à defesa do agente. Dessa forma, a pena sofre na verdade um decréscimo justamente na conduta mais gravosa, já que as condutas somente serão levadas em conta no estabelecimento da pena base de um único delito.

Pode até ser que para os leigos a tipificação não fizesse muito sentido, mas dentro de parâmetros técnicos do Direito Penal Brasileiro e, especialmente na consecução da aplicação do Direito como manifestação de Justiça, atenda muito mais aos anseios da sociedade.

Assim sendo, com sucinta análise sobre as alterações implementadas pela mencionada Lei, resta demonstrado uma evolução técnica em certos aspectos, mas retrocesso em outros ao torná-la, em alguns casos, mais branda, beneficiando agentes criminosos.

Subsiste aos estudiosos do Direito, a partir do advento da Lei 12.015/2009, a busca por soluções interpretativas que visem racionalizá-la, de maneira a tornarem-na mais razoável em sua aplicação prática, expurgando

criminalizações esdrúxulas e punindo com maior rigor fatos que merecem tal apenação.

ANEXOS

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